A Igreja: a comunidade dos amigos de Jesus
«E o meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como Eu vos amei. Não existe maior amor do que este: de alguém dar a própria vida por causa dos seus amigos. Vós sois meus amigos, se praticais o que Eu vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor; mas Eu vos tenho chamado amigos, pois tudo o que ouvi de meu Pai Eu compartilhei convosco» (Jo., 15, 12-15).
Normalmente, tento ser o mais independente possível para não incomodar as outras pessoas. Mas quando a minha ansiedade atinge um nível perigoso, sei que preciso de ajuda. Há alguns dias, tive um desses dias. Para minha surpresa, uma pessoa tranquilizou-me: «– Amanhã vou tomar conta de ti». Naquele momento, soube que tinha um bom amigo. Escusado será dizer que nesse dia fui para a cama com o coração quente e agradecido.
O Evangelho deste Domingo (Jo., 15, 9-17) leva-nos de volta à Última Ceia. As palavras de despedida de Jesus aos Seus discípulos são íntimas e emotivas, como se Jesus quisesse certificar-se de que eles compreendiam a profundidade e a riqueza dos Seus sentimentos por eles. Naquela altura, os discípulos não conseguiam compreender totalmente o que Jesus estava a passar. A tentativa de Pedro de tomar conta de Jesus («“Senhor! Estou pronto a ir contigo, tanto para a prisão quanto para a morte”» – Lc., 22, 33) foi mais uma “fanfarronice” do que uma resposta genuína à oferta que Jesus fez da Sua vida por eles.
João parece ter prestado mais atenção aos sentimentos íntimos de Jesus. No seu relato da despedida de Jesus, destacam-se duas palavras: o verbo “amar” (agapao) e o substantivo “amigos” (philōn). “Ágape” (em Latim, traduzido por “caritas”) é a forma mais elevada de amor, a dádiva total e desinteressada de si mesmo ao outro, independentemente das circunstâncias. “Philia” é geralmente traduzido como amizade. É uma ligação profunda entre iguais, baseada na reciprocidade, na confiança, na partilha de valores e no companheirismo.
Para evitar mal-entendidos, devemos sublinhar que as palavras ágape (amor incondicional) e “philia” (amizade) são muitas vezes utilizadas indistintamente como sinónimos no Evangelho de João e que, quando a palavra “amizade” é utilizada, não representa de forma alguma um tipo de amor “menor”. Por exemplo, em João 5, 20, Jesus usa o verbo “phileo” para descrever o amor do Pai por Ele, e em João 16, 26 usa a mesma palavra para descrever o amor do Pai pelos discípulos.
No entanto, a palavra “ágape” é mais frequentemente utilizada para descrever o amor mútuo das Pessoas divinas no seio da Trindade. Também descreve o amor infinito e incondicional de Deus por nós, e a comunhão total que experimentaremos no Paraíso. Durante a Última Ceia, Jesus indicou este tipo de amor como o padrão e o objectivo da vida relacional dos Seus seguidores. A fasquia é colocada incrivelmente alta e todos nós nos sentimos, de alguma forma, incapazes de a atingir.
A amizade está mais ao nosso alcance “humano” e é menos intimidante. No entanto, a sua profundidade e as suas exigências não são de modo algum mais leves do que o “ágape”: «Não existe maior amor do que este: de alguém dar a própria vida por causa dos seus amigos» (Jo., 15, 13). O atractivo da amizade reside no facto de se basear na liberdade e não na obrigação ou na necessidade, como o serviço. Baseia-se na reciprocidade e não na hierarquia.
Jesus imaginou que a Igreja seria formada não por administradores impassíveis, soldados destemidos ou servos eficientes, mas pelos Seus amigos e companheiros. Trata-se de pessoas que, apesar das suas fragilidades, inconsistências ocasionais e fracassos frequentes, são capazes de se empenhar num caminho de confiança, primeiro com Ele e depois entre si. Por fim, para evitar que se tornem apenas um grupo de indivíduos centrados em si mesmos, os cristãos são convidados a construir uma “amizade social que não exclui ninguém e a fraternidade aberta a todos”, como sublinha constantemente o Papa Francisco. (cf. Fratelli tutti, 94).
É mais fácil falar do que fazer. Todos nós já experimentámos relações pouco amáveis, mesmo dentro das nossas paróquias, grupos e comunidades religiosas. Nem sempre somos amigos uns dos outros. O mandamento de Jesus «amai-vos uns aos outros como eu vos amei» parece ser mais um ideal utópico do que a norma da nossa vida cristã. De vez em quando, somos agraciados com períodos em que estamos rodeados de irmãos e irmãs compreensivos, solidários e leais, mas parece que isso é mais a excepção do que a regra. Simplesmente não podemos escolher as pessoas que fazem parte das nossas congregações, grupos ou comunidades religiosas.
No entanto, o convite de Jesus para vivermos um amor de “qualidade ágape”, numa amizade genuína, mantém-se. Na Igreja, podemos não “sentir” que somos amigos de um ponto de vista meramente humano, mas nós, individualmente e como comunidade, podemos experimentar a nossa profunda e genuína amizade com Aquele que nos pode dar a Graça e a força para viver relações de amor uns com os outros na prática, através de escolhas e acções concretas, mesmo quando o “sentimento” está ausente. E este tipo de amor é o tipo que dá frutos, frutos que perduram.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ