Um Rio de Graça: das memórias da infância às águas da salvação
INFÂNCIA JUNTO AO RIACHO
Uma das memórias mais doces da minha infância é passar os dias de Verão nas colinas de Córdoba, na Argentina, numa pequena aldeia onde viviam os meus avós. Visitava-los todos os anos, e aqueles dias eram repletos de alegria.
Lembro-me do riacho que corria entre as pedras coloridas, com águas cristalinas, frescas e puras. O meu irmão mais novo, os meus primos e eu, brincávamos nele até o pôr-do-Sol, construindo pequenas barragens, apanhando peixinhos, chapinhando na água. O tempo passava tão rápido!
No ano passado, o meu irmão veio visitar-me e fomos a Tai O, na Ilha de Lantau, em Hong Kong. Alguns amigos filipinos levaram-nos a uma cascata que caía da montanha. A solidão do lugar, as sombras e a água fresca e límpida trouxeram de volta aqueles dias inesquecíveis junto ao riacho da pequena aldeia nas colinas.
ÁGUA QUE DÁ VIDA
A água não é apenas um símbolo de vida – é-lhe essencial. No livro de Ezequiel, o Senhor dá ao profeta uma visão para ajudá-lo a compreender que a verdadeira vida, cura e restauração para Israel vêm da intimidade com Deus. O Templo é o lugar santo onde habita a glória de Deus. Por baixo do altar, um rio de água viva corre para Sul, depois vira para Leste ao sair do Templo.
Este detalhe – a água flui debaixo do altar e do limiar – revela que ela brota do próprio fundamento, a rocha sobre a qual o Templo de Jerusalém foi construído. É como a rocha em Meribá que Moisés golpeou com o seu cajado, trazendo água para o deserto (cf. Êxodo 17, 5-7), ou como o lado de Cristo na cruz, perfurado pela lança do soldado, de onde jorraram sangue e água – símbolos da aliança e do Espírito, da Eucaristia e do Baptismo.
Este riacho começa pequeno, como um fio de água, mas torna-se mais forte à medida que se afasta do Templo, regando o deserto. A leste de Jerusalém fica o Mar Morto, que ganha vida através desta água curativa e nutritiva.
COMEÇOS HUMILDES
Aquele pequeno riacho – como o da aldeia dos meus avós – lembra-nos os começos humildes, ocultos e pobres do Evangelho. É em lugares como Nazaré, onde Jesus viveu tranquilamente durante trinta anos, que começa a obra de renovação e redenção.
Vi esta verdade se revelar na vida missionária – nos cantos remotos de Orixá, na Índia, ou Mindanau, nas Filipinas, nas costas de Timor-Leste e nas ilhas distantes de Cabo Verde. Deus faz milagres, mas começa em Nazaré, na Galileia, nas margens – lugares onde as pessoas questionam: «Pode alguma coisa boa vir dali?» (João 1, 46).
A água corre para Leste, em direcção ao nascer do Sol, evocando a Ressurreição – a vida plena do novo Adão, que Cristo vem oferecer-nos.
UM RIO QUE ALCANÇA AS NAÇÕES
Esta água não pára no deserto. Ela flui para fora, trazendo vida à terra sedenta e a todos os povos da terra. A sua origem é o Templo e o remanescente fiel de Israel. Mas, no sentido mais profundo, a sua fonte é Jesus – o novo Adão, o verdadeiro Templo de Deus, o ponto de encontro entre a Humanidade e o Divino.
E esta salvação não fica contida. Ela derrama-se como uma torrente de graça sobre todas as nações. Este alcance universal da salvação é uma marca registada dos profetas bíblicos. «Em ti todas as nações da terra serão abençoadas», prometeu Deus a Abraão (Génesis 12, 3).
O VERDADEIRO TEMPLO E O CORDEIRO DE DEUS
No Evangelho de João, Jesus expulsa os animais do Templo, sinalizando o fim dos antigos sacrifícios e o início da única oferta verdadeira da Nova Aliança. Como João Baptista havia proclamado, Jesus é «o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (João 1, 36).
Quando a assembleia pede a Jesus um sinal para provar quem Ele é, Ele aponta para a Sua morte e ressurreição: «Destruam este templo, e em três dias eu o levantarei» (João 2, 19).
VAMO-NOS DESAFIAR COM A PALAVRA DE DEUS
Reserve um momento para fazer uma pausa e entrar em reflexão de oração. Em que área da sua vida Deus começou algo pequeno, oculto e humilde – talvez despercebido no início, como um riacho que corre lentamente? Vós consigáis reconhecer o fluxo silencioso da Sua graça nesses lugares? Peça ao Senhor para torná-lo um canal da Sua água viva, para que, através de vós, a cura, o alimento e a esperança possam chegar aos cantos secos e cansados do mundo. Considerai como podereis levar o Evangelho às margens – por meio de actos de amor, serviço ou oração. Quem ao seu redor está sedento pelo amor de Deus? Acredite com confiança que o riacho que flui de Cristo, o verdadeiro e vivo Templo, alcança até mesmo os lugares mais áridos. Deixe que a Sua luz, ressuscitada e radiante, guie os seus passos e renove o seu coração.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ

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