Escolher a Cristo não é o caminho mais fácil

20º DOMINGO COMUM – Ano C – 17 de Agosto

Escolher a Cristo não é o caminho mais fácil

O Evangelho deste Domingo parece ser uma grande contradição. Jesus questiona os seus discípulos: «Pensai que Eu vim para trazer paz à terra? Não, Eu vo-lo asseguro. Ao contrário, vim trazer divisão» (Lc., 12, 51). Como pode trazer divisão se Deus é amor e Jesus, ressuscitado, saudou os seus discípulos várias vezes dizendo: «A paz esteja convosco»? Como pode Ele, sendo conhecido desde o nascimento como o Príncipe da Paz, afirmar que veio trazer divisão, um atributo normalmente associado ao diabo?

A resposta exige que voltemos aos dois versículos anteriores à afirmação polémica de Jesus. Afirma que veio trazer fogo à terra e que desejaria que já estivesse aceso (versículo 49). De seguida, menciona que deveria receber um baptismo e como se angustia até que este seja consumado (versículo 50). O fogo que veio trazer é o fogo do amor, da transformação do coração, de uma vida nova, o fogo do Divino Espírito Santo. O Baptismo, um mergulho que Ele aguardava, referia-se ao Seu baptismo de sangue que seria realizado na cruz. Diante desta proposta clara e radical de amor, o Ser Humano só tem duas opções: abraçá-la ou recusá-la. É aqui que surge a divisão.

Recordo-me quando tinha dezanove anos. Mesmo com muita vergonha e timidez, disse aos meus amigos que queria ser padre. Naquele momento, tinha amigos do voleibol, da rua e do campo de futebol, que frequentava. A partir daí começou a divisão; para muitos, eu já não era uma boa companhia e, naturalmente, ocorreu a separação entre mim e a maioria deles. Não digo que sejam pessoas más; apenas não queriam seguir o mesmo caminho que eu. Em alguns momentos da nossa vida as nossas escolhas levam a divisões naturais.

No contexto do Evangelho, perante uma resposta de amor tão radical de Jesus, não é possível ser morno. Jesus é um acontecimento e uma interpelação que exige uma resposta. Tal divide a Humanidade em dois grupos: aqueles que acolhem e aqueles que recusam. Aqueles que se deixaram queimar pelo fogo e se transformaram, e aqueles que preferiram negar e afastar-se. Sempre existirão aqueles que acolheram e vêm para a luz, e os que preferem permanecer na escuridão.

A História da Igreja está repleta de pessoas socialmente aceites e com vidas tranquilas que ao decidirem abraçar a proposta do Evangelho de Jesus, com todo o coração, sentiram as consequências dessa decisão. Um dos exemplos mais conhecidos é o de São Francisco de Assis. Aparentemente, ele tinha tudo: o comércio exercido pelo pai proporcionava-lhe uma vida estável, repleta de alegrias mundanas. No entanto, o seu coração percebeu que o vazio não se preenche com coisas vazias, e decidiu dar um passo além, entregando-se totalmente a Cristo. A partir desse momento, começou a enfrentar problemas de relacionamento e críticas. Ainda assim, nunca olhou para trás, pois ali encontrou o seu verdadeiro tesouro.

Outro exemplo, desta vez de uma mulher, é a reformadora do Carmelo, Teresa de Ávila. Quando vivia uma vida conventual mediana, interessada por romances de cavalaria e sem grandes exigências ascéticas, tudo caminhava tranquilamente. Porém, ao encontrar o amor do Cristo crucificado e decidir ter uma “dose de loucura”, como ela própria dizia, começaram as perseguições, especialmente as internas. Contudo, à semelhança de outros santos, nunca voltou atrás, trocando o melhor pelo que era menos bom.

Esta divisão também pode ocorrer dentro da nossa casa, no ambiente de trabalho e na sociedade em geral. O ideal seria que houvesse respeito entre os dois lados e que as pessoas pudessem conviver sabiamente. Em alguns ambientes é possível. Contudo, é comum ouvirmos pessoas que não acreditam em Deus, ou que não desejam converter-se seriamente, afirmarem que não o fazem porque os que estão na Igreja são pecadores e, muitas vezes, até piores do que aqueles que estão no mundo lá fora. Este argumento pode ter muito de verdade. No entanto, a razão de irmos à Igreja é Cristo, e não o comportamento dos seus seguidores.

Diante desta separação natural, estando nós entre os que desejam o fogo de amor trazido por Jesus e aceitam caminhar através do Baptismo, até ao derramamento de sangue, se necessário, devemos agradecer pela oportunidade de podermos dizer o nosso “sim”. Seguir Cristo é uma graça que, quando realizada com amor, humildade e perseverança, tem um poder natural de atracção que ajudará outros a descobrirem o caminho exigente da verdadeira felicidade, um caminho árduo, mas que não decepciona.

Pe. Daniel Ribeiro, SCJ

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