Marta e Maria, duas vidas que se completam
O Evangelho deste Domingo apresenta-nos a história de Marta e Maria, duas irmãs de Lázaro e amigas de Jesus. Marta, é irmã zeloza pelo serviço e que estava preocupada com as tarefas domésticas para acolher Jesus, enquanto Maria, que não deve ser confundida com Nossa Senhora, é conhecida por ser a irmã que escolheu “a melhor parte” e permaneceu a Seus pés, aprendendo com o Mestre.
Após a queixa de Marta a Jesus sobre a falta de ajuda da sua irmã, Jesus afirma que Maria havia escolhido a melhor parte e que esta não lhe seria tirada. Em vez de uma aparente luta entre o trabalho e a contemplação, devemos antes reflectir dois aspectos complementares da verdadeira vida cristã e sobre as prioridades que devemos estabelecer.
Vemos duas irmãs, provavelmente com a mesma educação e oportunidades, mas com personalidades bastante diferentes. Uma é mais activa e voltada para o trabalho, enquanto a outra é mais contemplativa. Uma forma de interpretar este texto é considerar a diferença de personalidade, tendências e vocações na sociedade e na Igreja. Este é um mistério da vida humana: mesmo vindo da mesma cultura e família, somos todos diferentes, e essa diversidade deve ser respeitada e desenvolvida. Na Igreja, é a mesma coisa; existem diferentes vocações e tendências que, quando não ferem a Sua unidade, devem ser respeitadas e promovidas.
Devemos ter cuidado para não esquecermos que o trabalho e a oração são dois aspectos inseparáveis, mas de diferente valor. Assim, uma compreensão mais profunda deste texto revela que em cada um de nós deve existir um pouco de Marta e de Maria. Não se trata de uma exclusão de personalidades e vocações, mas de uma complementaridade que estabelece a convivência com Jesus como a base fundamental do ser cristão. Em cada um de nós deve existir, em primeiro lugar, o exemplo de Maria, que permanece com o Mestre para aprender, ser amada e formada; mas também deve haver um pouco de Marta, pois somos chamados a transbordar no nosso quotidiano os frutos do nosso encontro com o Senhor.
A inseparabilidade da contemplação e da acção na vida cristã foi uma marca visível na vida dos santos. O grande Santo Tomás de Aquino, Doutor da Igreja, quando procurou uma ordem religiosa para se consagrar a Deus, escolheu os dominicanos. Futuramente, justificou o seu encantamento pelo pensamento de São Domingos, que afirmava desejar pregar as verdades contempladas. Outra Doutora, Santa Teresa de Ávila, após alcançar a “sétima morada”, não se contentou em desfrutar apenas da sua contemplação; saiu por várias regiões da Espanha, expandindo o carisma carmelita e fundando mosteiros. Mesmo as Ordens contemplativas mais exigentes possuem uma vida comunitária, transbordando nas suas acções o encontro com o Senhor da oração contemplativa. Isso resulta de uma correcta compreensão da vontade de Jesus, que escolheu os Seus apóstolos para estarem com Ele e, depois, anunciarem o que aprenderam (cf. Mc., 3, 13).
Jesus diz que Maria escolheu a melhor parte porque a oração e a acção não são semelhantes. A segunda é uma consequência da primeira. Maria contemplava para, depois, anunciar. Ela representa a busca pela intimidade com Cristo, mostrando que o relacionamento com Deus deve ser a prioridade. A escuta da Palavra é fundamental para nutrir a fé e a espiritualidade. Jesus não reprova Marta pelo seu trabalho, mas convida-a a encontrar o equilíbrio e a começar pelo mais importante. A acção sem a contemplação pode levar ao cansaço, à frustração ou, ainda pior, à promoção de nós próprios.
Cada um de nós deve identificar-se mais com Marta ou com Maria. Contudo, o Evangelho recorda-nos que ambas devem habitar em nós, começando por aquela que está com o Senhor. A Igreja, fundamentada na Sagrada Escritura e na Tradição, sabiamente afirma que o primeiro dia da semana é o Domingo, o dia do Senhor. A semana do católico deve começar com a Santa Missa, contemplando o Senhor para, depois, anunciá-Lo no nosso quotidiano. Durante a semana, esta primazia do Senhor pode ser enfatizada quando começamos o nosso dia a rezar, fazendo uma breve oração antes das refeições ou do nosso descanso, ao fim da noite. Isso será de grande valor para nos fortalecer e termos espaço para acolhermos nos nossos dias agitados, a sabedoria divina, a qual nos guiará diante dos desafios que, seguramente, virão.
Para nós, católicos, a oração não é uma fuga do mundo; é um sair do mundo para estar com Deus e, depois, voltar ao mundo, dando-lhe um sentido cristão. Que o exemplo de Maria nos inspire a priorizar a escuta de Jesus, e o zelo de Marta pelo serviço nos motive a servir com amor, sempre a partir d’Ele, pois só podemos levar Cristo para os outros, se O encontrarmos primeiro.
Pe. Daniel Ribeiro, SCJ