O que celebramos em cada dia?

TRÍDUO PASCAL

O que celebramos em cada dia?

É o ponto alto e referencial do Ano Litúrgico da Igreja Católica. Trata-se da celebração da Paixão e Ressurreição do Senhor, clímax da redenção humana concretizada por Cristo no Mistério Pascal. Durante muito tempo deu-se maior ênfase ao Tríduo Santo, composto por Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado Santos. O zénite litúrgico tem vindo a focar-se actualmente no que é o Tríduo Pascal.

Na Antiguidade Cristã, com a “fusão” da Páscoa judaica e da Tradição romana, dava-se importância à preparação do Domingo de Páscoa através de dois dias de jejum, sexta-feira e sábado. No Século III este tríduo (“três dias”) já é referido por alguns autores, assistindo-se na centúria seguinte à sua implantação, sendo que era já considerado uma tradição. Santo Agostinho de Hipona, por exemplo, chamava-lhe “Páscoa de Cristo morto, sepultado e ressuscitado”.

O Tríduo Pascal começa na Quinta-feira Santa, na Missa Vespertina de Quinta-feira in coena Domini(“na Ceia do Senhor”), que é uma espécie de preâmbulo ou introdução. Termina depois nas Vésperas do Domingo da Ressurreição. Todavia, estes dias são celebrados como se fossem um só, pois na sexta-feira e no sábado não se celebra a Eucaristia. Com a Vigília, inicia-se celebração do dia terceiro e definitivo, até às Vésperas. Por outro lado, na Sexta-feira Santa da Paixão de Cristo e durante o Sábado Santo, até à Vigília Pascal, deve-se respeitar o jejum pascal.

A Sexta-feira Santa da Paixão de Cristo é o primeiro dia do Tríduo Pascal ou feria VI in Passione Domini. Nela recorda-se a Páscoa de Cristo crucificado, como lhe chamou Santo Agostinho. Não se trata de um dia lutuoso, mas de contemplação e adoração diante da cruz, em dia de observância de jejum de iniciação e preparação da Páscoa. Assim é desde o Século II. Na Sexta-feira Santa também nunca houve Eucaristia. Hoje em dia, existe a comunhão do povo, antes circunscrita aos sacerdotes (desde 1955). Há opositores à comunhão do povo, pois se não há Eucaristia neste dia, não se pode comungar. Os que se opõem referem também que se o Tríduo é como se fosse um só dia, então deve-se poder comungar apenas na Eucaristia da noite pascal.

A Liturgia prevê uma Celebração da Palavra seguida da Oração Universal, a Adoração da Cruz, além da Liturgia das Horas. O quarto cântico do Servo, segundo Isaías, a Carta aos Hebreus e a Paixão, segundo São João, são as leituras de sexta-feira Santa, as quais se centram no Mistério em celebração. Além da Oração dos Fiéis (depois da homilia e antes da Adoração da Cruz), reza-se o Pai Nosso e o Cordeiro de Deus, de forma solene. Os únicos Sacramentos administrados são o baptismo (em caso de perigo de morte), a penitência e a extrema-unção. A Adoração da Cruz já era observada em Jerusalém no Século IV, juntamente com a leitura da Paixão, difundindo-se depois por toda a Igreja. Cânticos, segundo o Missal Romano, prevêem-se três: os Impropérios (reprovações, queixas de Jesus contra o seu povo), o Crux fidelis(Adoração da Cruz) e o Pange Lingua(não o hino eucarístico Pangelingua,gloriosi Corporis mysterium, da transubstanciação, mas sim o Pange,linguagloriosi proelium certaminis, cântico sobre a Paixão, a “gloriosa luta”).

As vestes utilizadas são vermelhas. Até 1970 eram sempre negras, excepto para o Ritual da Comunhão (violeta). Antes de 1955, só se usava o negro. Existe também a tradição das vias-sacras, ou visitação das estações da cruz. É a Páscoa de Cristo crucificado.

Depois, vem o Sábado Santo, o segundo dia do Tríduo Pascal, a Páscoa de Cristo no sepulcro. Não se prevê para o Sábado Santo qualquer celebração sacramental, para além da Liturgia das Horas. É um dia de silêncio de contemplação do mistério de Cristo no “ao lugar dos mortos”, do “descanso” do sepulcro. Era antigamente, para os catecúmenos, um dia de actos preparatórios para a noite de baptismo da Páscoa. Esses actos consistiam de exorcismos, unções, renúncias e recitações do símbolo. Com o tempo, o Sábado Santo perdeu importância. Na reforma da Vigília Pascal, de Pio XII, em 1951, e da Semana Santa, em 1955, reforçou-se o carácter alitúrgico do dia e colocou-se a Vigília Pascal na noite entre o sábado e o Domingo. Depois do Concílio de Trento, no Século XVI, a Vigília tinha lugar na manhã de sábado. Praticava-se antigamente também o jejum neste dia.

Depois da espera meditativa da Ressurreição, no Sábado Santo, chega-se às alegrias do Domingo da Ressurreição. É o dia de Páscoa, Domingo Santo. É a Festa do Transitus Domini(“Trânsito do Senhor”), na tradução da Vulgata do Hebraico “pesah”, ou do Aramaico “pas.ha”, vertido para o Grego em “pascha”, também “paschein”, “padecer” (Páscoa-Paixão).

Em meados do Século II, a comunidade cristã já celebraria anualmente a Festa da Páscoa, para além do Domingo semanal. A Páscoa era então o ponto fulcral de toda a Memória de Cristo. Na Ásia Menor e Oriente, celebravam sempre em 14 de Nisan (tradição judaica), enquanto que em Roma e no Ocidente caía no Domingo seguinte a essa data. A tradição dominical foi enfatizada, em vez da tradição judaica da data. No Oriente era também mais celebrada a Paixão e Morte de Cristo, enquanto no Ocidente, seguindo o apóstolo Pedro, se celebrava mais a Ressurreição. Em 325, o Concílio de Niceia estabeleceu a norma romana, depois de tantas controvérsias. A Páscoa deve celebrar-se no Domingo seguinte à Lua Cheia, depois do Equinócio da Primavera, data que pode cair entre 22 de Março e 25 de Abril. No Oriente, não se aceitou, como também não se aceitou a reforma gregoriana do Calendário, no Século XVI, pelo que continua a existir uma diferença de datas da Páscoa entre Ocidente e Oriente (aqui entre 4 de Abril e 8 de Maio).

Desde 1951, com a reforma de Pio XII, que a Páscoa reocupou o epicentro celebrativo e religioso da Igreja Católica, recuperando solenidade e maior envolvimento. A Festa prolonga-se numa oitava solene, que termina no Domingo in albis, e, depois, durante seis semanas, até completar o número de cinquenta, com a Festa do Pentecostes.

O Domingo de Páscoa é um dia de festa e solenidade. Depois da referida Vigília Pascal, inicia-se a Missa de Páscoa, normal de qualquer Domingo, mas com maior solenidade. Finda esta, saem os compassos, que podem preencher todo o dia, embora em muitas regiões se estendam ou façam mesmo na segunda-feira seguinte. As cruzes visitam as casas que se dispõem para o efeito, através da colocação dos “verdes” (plantas), ou flores, senão até cruzes. Além da bênção da casa, de uma oração breve, regista-se o júbilo da alegria de receber a visita do Senhor. Em muitas regiões, o compasso é recebido com fartas mesas, onde comida e bebida fazem jus ao carácter celebrativo do dia da Ressurreição.

Vítor Teixeira 

Universidade Fernando Pessoa

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