Estátua de Mateus Ricci

COMPANHIA DE JESUS (JESUÍTAS)

Os primeiros de uma longa história

Inauguramos nesta edição a história das ordens religiosas e institutos de vida consagrada, masculinos e femininos, activos em Macau, ou que aqui escreveram páginas da sua história. Além destas que já não estão presentes no território, falaremos ainda de outras que têm uma importância universal na História do Cristianismo e, em particular, da Igreja Católica, não apenas do ponto de vista religioso, mas também cultural, civilizacional e artístico.

Vamos começar seguindo a ordem do Directório Católico de Macau, o que coloca os Jesuítas em primeiro lugar, como não podia deixar de ser.

A Companhia de Jesus, conhecida como “Jesuítas”, foi fundada a 15 de Agosto de 1534, em Paris, mas só conheceu aprovação canónica a 27 de Setembro de 1540, pelo Papa Paulo III. Foi fundada por Inácio de Loiola, espanhol, juntamente com seis companheiros: o francês Pedro Fabre, os espanhóis Francisco Xavier, Alfonso Salmerón, Diego Laynez e Nicolau de Bobadilla, bem como o português Simão Rodrigues.

A primeira província da Companhia foi a de Portugal, fundada pelos padres Simão Rodrigues e Francisco Xavier, que se instalaram em Lisboa no ano de 1540. A partir daí, com o apoio dos Reis de Portugal, enxameariam pelo mundo, animados pelo escopo missionário que é a sua marca de água desde a fundação. A missão apostólica refundou-se com a Companhia: deixou de ter a marca medieval da conquista espiritual para passar a uma perspectiva mais humanista, caritativa e assistencial, adaptada às culturas das terras de apostolado e privilegiando o Conhecimento, a Educação e o Ensino.

Como uma milícia de Jesus, além dos votos de pobreza, obediência e castidade, submetem-se, através de um quarto voto, ao serviço ao Papa, como Vigário de Cristo na Terra. “Para Maior Glória de Deus” (“Ad Majorem Dei Gloriam”, em Latim) é o seu mote. A Companhia foi também muito importante como estribo teológico e reformador da renovação da Igreja, principalmente no Concílio de Trento (1545-1563), do qual foram as traves-mestras de definição e consolidação dos seus princípios de reforma católica.

No mundo português, na metrópole, mas principalmente no mundo ultramarino, animados pelo espírito missionário, expandiram-se para o Oriente, acompanhando a implantação portuguesa na Ásia. Mas também o foram na América Latina – possessões espanholas e Brasil –, em África, na Oceânia e na Europa, onde foram decisivos para a fixação do Catolicismo, perante o avanço do Protestantismo.

O grupo inicial cresceu de forma espectacular, pois em pouco tempo já eram milhares e estavam nos quatro cantos do mundo. Das regiões polares do Canadá à Terra do Fogo; da Etiópia a Moçambique; por toda a Ásia, com destaque para a Índia, Molucas, Filipinas, China e Japão, os jesuítas penetraram no Reino do Congo (1547), em Marrocos (1548) e na Etiópia (1555).

Nas Universidades, como nos púlpitos, nas ruas, na selva, no deserto, a atravessar montanhas, nos mares, nas cidades e nas cortes, em terra de infiéis como na Europa, como confessores ou como teólogos, fosse onde fosse, a milícia jesuíta estava na linha da frente da missão, e também na Diplomacia e no encontro de Culturas e na Ciência.

Apesar deste élan missionário e teológico, na expansão e na atracção vocacional, não deixaram de conhecer o sabor amargo do labéu da ingratidão dos governantes e dos poderes seculares. Curiosamente, foi o primeiro Estado que os acolheu, Portugal, o primeiro a expulsá-los das suas terras: a expulsão entre 1758 e 1762. Em 1773, na senda da jesuitoclastia portuguesa, a Companhia era suprimida em toda a Igreja. Em toda não, todavia, pois alguns jesuítas se mantiveram na Rússia, onde a czarina Catarina II não publicou a bula de extinção da Companhia. Tal como na Silésia, onde Frederico da Prússia os manteve.

Na altura da supressão havia cinco assistências, 39 províncias, 669 colégios, 237 casas de formação, 335 residências missionárias, 273 missões e 22 mil 589 membros.

Em 1829 regressaram a Portugal, como estavam a fazer um pouco por toda a Europa. Mas em 1834, com o fatídico decreto liberal de extinção das ordens religiosas, novamente sentiram a adversidade. Regressaram em 1848, renascendo a Companhia em Portugal, onde se manteve até nova borrasca, desta feita na República, em 1910. A província partiu então para o exílio, regressando a partir de 1925, até hoje.

Macau e a China foram dois dos cenários mais emblemáticos da acção missionária jesuíta, tanto pelo seu impacto religioso como pelo contributo cultural e científico que propiciaram. Macau foi a plataforma de entrada dos jesuítas na China, de onde irradiariam até à Corte Imperial, Ming (até 1644) e Qing (até à supressão de 1773). Os jesuítas estão profundamente ligados a Macau, no Ensino e na Cultura, mas também na monumentalidade que advém da sua histórica presença: alguns dos ícones de Macau são jesuítas, como a fachada da igreja da Madredeus e as ruínas anexas do antigo colégio de São Paulo, mais a igreja de São José, entre outros. Figuras como Matteo (Mateus) Ricci ou Michele Ruggieri, entre tantos, passaram por Macau, como local de estágio e aprendizagem da China, onde se afirmaram não apenas como sinólogos, mas também como cientistas, engenheiros, artistas, diplomatas (padre Tomás Pereira), sem eurocentrismos nem sobrancerias ocidentais. O seu múnus humanista, também cultural e, obviamente, religioso, tornaram-se célebres no diálogo e na acomodação, na alteridade da sua forma de estar neste lado do mundo, junto da grande e histórica civilização chinesa.

Desde 1565, os jesuítas estavam em Macau, onde acompanharam as vicissitudes da sua história em Portugal. Renasceram no Século XIX e hoje mantêm viva a sua presença e apostolado. São cerca de uma dezena, entre os aproximadamente dezasseis mil jesuítas que existem no mundo (dados de 2023), herdeiros de uma rica história que transborda destas parcas linhas.

Vítor Teixeira

Universidade Fernando Pessoa

LEGENDA: Estátua de Mateus Ricci no centro da cidade de Macau

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *