Camões em Macau para inglês ler.
Eduardo Ribeiro, conhecido investigador da obra camoniana, antigo residente de Macau, prepara-se para editar em Portugal um novo livro. Desta feita, a obra é em língua inglesa e tem como principal destino o mercado anglo-saxónico.
O CLARIM – Pode adiantar-nos algo sobre este seu novo trabalho?
EDUARDO RIBEIRO – Estou em fase de acabamento e quase de edição de um livro em língua inglesa sobre a presença de Camões em Macau. É um projecto que tenho em mão há já muitos anos. Iniciei-o em 2009, depois interrompi-o por causa do acidente da minha mulher, e posterior agravamento do seu estado de saúde, e falecimento. No total foram dois anos de interrupção que retomei há doze meses. Passei esse tempo nos Estados Unidos a trabalhar directamente com a tradutora e no decorrer de 2015 nunca parei de limar arestas – da linguagem utilizada, e não só – aproveitando simultaneamente para colher o maior número de informações para os leitores de língua inglesa. Falo de leitores vulgares e especialistas, porque sempre considerei que a vivência de Camões no território continua a ser injustamente ignorada. Quando aí estive, em 2014, dei de caras com um livro que tinha acabado de sair, em Hong Kong e Macau, da autoria de um britânico, professor de uma universidade de Hong Kong, com imprecisões histórias de bradar ao céus, sobretudo no que se refere à “eventualidade de Camões ter vivido em Macau”. Esse autor menciona, por exemplo, factos inexistentes, pois nenhum historiador, português ou estrangeiro, os menciona. Enfim, uma enormidade de todo o tamanho. Foi nesse momento que se me reforçou a ideia, que já tinha em curso, de colocar os “pontos nos iis”, ou seja, pôr em letra de forma, em Inglês, aquilo que neste momento se sabe, pois, como é do conhecimento geral, quando encetei todo este processo, em 2006, fi-lo apenas para contraditar a tese do nosso amigo Rui Manuel Loureiro – profundo conhecedor das relações históricas luso-chinesas – que punha em causa a possibilidade do vate ter vivido em Macau.
CL – E conseguiu convencê-lo?
E.R. – Com essa minha pesquisa, não só consegui convencê-lo, como acabei por descobrir factos novos acerca da vivência oriental desse enorme vulto da nossa história. Este é o meu humilde contributo para a camoniana relacionada com Macau. São três ou quatro novos factos que revelei.
CL – Qual tem sido, até agora, a aceitação por parte dos leitores?
E.R. – Os meus livros não são fáceis de ler. Contêm muita investigação, muitos factos históricos, nem sempre fáceis de assimilar. Há um deles, Camões no Oriente, que se lê bem, pois está organizado com capítulos autónomos. Mas o outro, Camões em Macau, não é, de todo – reconheço-o – fácil de ler. O novo livro está pronto e vai ser editado brevemente por uma entidade pública portuguesa, mas antes disso sairá, também em versão digital. Será um passo fundamental para a sua divulgação.
CL – Pode saber-se qual é essa entidade?
E.R. – Claro que sim. Como é evidente, está relacionada com Macau. Trata-se do Centro Científico e Cultural de Macau, presidido, e muito bem, pelo professor Luís Filipe Barreto. A ideia surgiu na sequência do convite que me endereçou para participar num colóquio sobre a China que decorreu em Lisboa, em Outubro de 2015. O tema da minha dissertação foi precisamente a “Grande Viagem que Camões fez à China”. Aguardo com alguma expectativa a publicação das actas desse colóquio, e espero que a minha intervenção esteja em Inglês também, pois enviei o texto, em devido tempo, traduzido para esse idioma.
CL – No fundo, o seu novo livro é um apanhado do que já foi publicado em Português.
E.R. – Sim, é um resumo da matéria dada. Desta feita para os leitores do vasto universo anglo-saxónico, entre os quais há sempre muita gente interessada neste tipo de matérias. Eles têm de ter acesso, no idioma deles, àquilo que de momento podemos considerar “o ponto da situação”. Julgo que a escolha do CCCM como editora em muito contribuirá para a divulgação da obra.
CL – Irá com certeza fazer uma apresentação em Macau…
E.R. – Com certeza que sim. Sinto-me extremamente orgulhoso pois graças aos meus livros os chineses começam a aceitar, frontal e abertamente, a ideia de que Camões esteve em Macau. Ou seja, começam a aceitar Camões como um dos seus, como figura identitária da Cidade do Santo Nome de Deus. Soube recentemente, por notícia da Internet – de um dos jornais locais ou do blogue de João Botas, não tenho bem a certeza – que, de entre as nove personalidades ligadas à cultura de Macau imortalizadas numas estatuetas de cerâmica (feitas numa daquelas aldeias chinesas famosas pela sua cerâmica, detentoras do título Património Universal), patentes numa exposição efectuada na Casa de Mandarim, constava o nosso Camões. Isto é extraordinário! Fico contente, porque vejo que valeu a pena o meu esforço já com dez anos. As coisa começa a dar os seus frutos.
CL – É um reconhecimento mais do que justificado…
E.R. – Sem dúvida! Como escrevi num dos meus livros, Camões é um poeta que não é só português. Ele é universal. Macau tem de adoptar essa personalidade universal como sua. Ele é um importantíssimo património cultural. Macau só tem a ganhar com isso.
CL – Alguma tradução para Chinês em perspectiva?
E.R. – Presumo que sim. Esse será, naturalmente, o próximo passo. Mas não serei eu a dá-lo, pois não falo Chinês.
CL – E quanto a trabalhos futuros, vai continuar a estudar Camões ou há outra figura merecedora da sua atenção?
E.R. – Camões continua a ter pano para mangas, mas independentemente disso há uma personalidade histórica que o professor Rui Manuel Loureiro me desafiou a investigar. Tenho já bibliografia indicada para começar a trabalhar, mas para já não quero adiantar quem é. A seu tempo o farei.
Joaquim Magalhães de Castro