Fernando Santos, Seleccionador Nacional de Portugal

«A oração é a força que vence a dúvida»

O seleccionador nacional de Portugal agradeceu publicamente a vitória do Euro 2016 a Deus e a Nossa Senhora. Tornou-se aí mais evidente aos olhos do mundo inteiro que Fernando Santos é um homem de fé. À FAMÍLIA CRISTÃ fala do seu reencontro com Deus e do modo como vive a fé.

FAMÍLIA CRISTÃO cursilho de cristandade foi uma experiência que o levou ao reencontro com Deus. O que mudou em si?

FERNANDO SANTOS – Mudou tudo e não mudou nada. Mudou tudo no sentido da minha relação com Deus e da minha relação com a Igreja.

F.C.Como era antes e como passou a ser?

F.S. – Era muito distante, apesar de ter sido baptizado, de ter feito a primeira-comunhão e o Crisma, de ter casado pela Igreja, do baptismo dos meus filhos, de visitas anuais ao Santuário de Fátima. Mas nunca foi um afastamento total por tudo isso e também porque sempre fiz as minhas orações à noite. Um ou dois anos antes do cursilho de cristandade, o distanciamento entre mim e Deus e a Igreja fica muito atenuado, por força também de a minha filha fazer o Crisma e de sentir a necessidade de participar e de a acompanhar. Isso levou-me a conversar com um sacerdote. Quando eu dizia que conversar nunca significaria confessar-me, acabei por me confessar. E aí há uma reaproximação à Igreja. Depois, o cursilho de cristandade marcou efectivamente a minha vida e a mudança da minha relação com Deus. Passou a ser uma relação de proximidade, a fazer parte integrante de mim, como respirar ou comer. Quando há esta relação próxima, obviamente que a nossa vida vai mudar. Há também um compromisso com Ele quando se percebe que Ele sempre teve esse compromisso connosco e nunca nos deixou. Quando nos comprometemos em não O deixar, as coisas mudam muito na nossa forma de estar, de ser, como encaramos a vida e os outros. Uma das preocupações foi deixar de ter essa pressa de condenar e de julgar os outros. Essencialmente, a grande mudança tem que ver com a descoberta do amor ao próximo, do amor a Deus. O amor ao próximo muda-nos completamente.

F.C.Porque diz que não mudou nada então?

F.S. – Porque eu não deixei de ser o Fernando Santos. Tenho o meu ADN natural. Tenho as coisas positivas e menos positivas. Costumo dizer que continuo a ser Santos e santo não sou. Obviamente que o caminho que eu gostava de seguir é o caminho da santidade. Alguns chegam aos altares, e eu aí não chegarei seguramente.

F.C.Falou da sua filha que ia fazer o Crisma e que foi aí que começou um bocadinho o seu reencontro com Deus. Como é que a sua família e os seus amigos viram esta mudança?

F.S. – Foi muito notório, porque fiquei muito marcado pela vivência do cursilho de cristandade, e isso transmitia-se pela minha cara. A minha mulher, a minha mãe e a minha filha participaram depois num curso de cristandade.

F.C.Contagiou-as?

F.S. – Sim, não tenho dúvidas de que sim. Alguns amigos, mesmo do Hotel Palácio onde trabalhava, participaram em cursos de cristandade e aproximaram-se da Igreja. Houve algum contágio da minha parte seguramente.

F.C.Como vive a Quaresma e a Páscoa? O que faz neste tempo?

F.S. – O que é normal um cristão fazer. Este é um tempo muito importante, porque é de renovação interior. Estamos a preparar-nos para a morte e ressurreição de Cristo. É um momento muito de conversão interior, de pensar e tentar essa procura de sermos melhores e cada vez estarmos mais perto daquilo que dizemos, quer no credo, quer quando dizemos que o mais importante é amar a Deus acima de todas as coisas e aos irmãos como a nós mesmos. O caminho da Quaresma para mim é muito mais um caminho de conversão interior, neste sentido de me ir modificando cada vez mais.

F.C.Disse que uma conversa para si não era uma confissão e acabou por se confessar. É algo que tem peso para si? E a oração?

F.S. – A oração é a força que vence a dúvida. Obviamente que todos os sacramentos são importantes para mim, e o sacramento da Confissão também. Se me perguntar se me confesso com essa regularidade, é verdade que não. Talvez seja um dos meus caminhos a percorrer. Confesso-me naturalmente várias vezes, mas não tenho uma prática mensal. Estou convencido que tenho o pecado da presunção de que tenho uma relação com Deus que me permite falar com Ele todos os dias e em qualquer momento. Talvez esta presunção, às vezes, me leve a não ser tão assíduo à confissão como devia ser.

F.C.É uma relação de intimidade. Reza com fórmulas, com o coração?

F.S. – Rezo essencialmente com o coração. Não tenho muitas fórmulas. De manhã, invoco o Espírito Santo. À noite, rezo as orações qua vêm desde pequeno. O Pai Nosso e a Ave-Maria são as orações de eleição, e o Glória também. São muito importantes para mim e faço-as muitas vezes durante o dia, porque me tocam muito. Depois é o que me vem à cabeça, é mais uma conversa pessoal. Eu acho que conversar com Deus é rezar.

F.C.Já disse que a missão da sua vida é evangelizar e que o faz através do testemunho. Sente que o faz enquanto treinador e seleccionador de futebol?

F.S. – Sempre o fiz no meu trabalho, quer como treinador de futebol, quer como engenheiro no Hotel Palácio, quer com os meus amigos. Acho que isso faz parte da vivência cristã. A partir do momento em que encontrámos Cristo e que estamos atentos à sua Palavra, percebemos isso rapidamente. É a isso que Ele nos exorta. Às vezes, os cristãos e católicos, e eu também, corremos esse risco que é o de nos darmos por satisfeitos por: “Conhecemos Deus, porreiro”; “Vou à Eucaristia todos os Domingos e o meu trabalho está feito”. E eu acho que isso é curto. Tenho muito isto porque eu fui chamado ao reencontro, porque alguém de quem Deus se serviu me chamou. Se é assim, eu sinto quase esta obrigação moral de chamar outros. É por isso que sinto esta missão de evangelizar.

F.C.E tem exemplos de que isto tenha acontecido, que tenha conseguido chamar outros?

F.S. – Não gosto muito de falar daquilo que faço, até porque nunca tens a noção exacta de quando ou porquê as coisas acontecem. Muitas vezes vamos falar e saímos dali convencidos que dissemos coisas muito bonitas. As pessoas batem palmas muito eufóricas e no fim não resulta nada. Depois, outras vezes, temos a noção de que não fizemos nada de transcendente e sabemos que as pessoas foram tocadas e chegaram lá. Ainda há pouco tempo estava numa ultreia e alguém fez uma ressonância ao meu testemunho. Uma moça ia entrar no próximo curso de cristandade, porque ouviu aquela minha carta depois do campeonato da Europa. Eu não li aquela carta para evangelizar. Era um agradecimento pessoal que queria fazer. Mas foi uma forma de chegar às pessoas. Por isso é que eu digo: nunca sabes. Sei que levei muita gente aos cursos de cristandade, isso sei… Mas julgar em causa própria é muito difícil…

F.C.Com o Euro, falou-se muito do impacto que a sua fé teria nos jogadores. O Ricardo Quaresma baptizou-se. Vemos jogadores fazerem o sinal da cruz ao entrar em campo. É superstição ou há fé?

F.S. – Sempre fizeram. É uma postura. Também não se pode cair no erro de pensar que tudo isso é só fezada ou superstição. Em muitos casos é convicção. Eu benzo-me e não é por fezada ou por superstição. É aquilo que eu faço quando vou trabalhar de manhã, ou quando me levanto e ofereço o meu dia. Se vou trabalhar naquele momento, ofereço aquele trabalho a Deus e acho que muitos jogadores o farão. Outros casos será pura fezada ou superstição. Mas não se pode pôr tudo no mesmo saco. Eu sou um bocado pedinchão nessas coisas, no sentido de pedir que me guie, que me ilumine, que me dê a clarividência para tomar as decisões certas. Quando eu era treinador do Estoril e a equipa parava em Fátima, isso acaba sempre por ser um sinal. Qual é a influência, não sei. Imagina que eu vou com a minha equipa e paro em Fátima ou vou à Eucaristia, e depois há outros que vão lá também. Podem ir só para ver. E há outros que se calhar não vão e foram mais tocados. Espero que tenha na realidade ajudado alguns.

F.C.E ter um Papa que gosta muito de futebol é para si uma graça?

F.S. – Eu acho que essencialmente é mostrar que o futebol é parte integrante da sociedade. Ter um Papa que gosta de futebol é mostrar que o futebol é transversal a todos. Mas o que me toca profundamente no Papa Francisco é este regresso às origens. Esta preocupação constante que ele tem em que tudo é natural e tudo é de Deus, e que devemos estar disponíveis para tudo, não só para um sector profissional ou para um grupo de pessoas. Ele fala muito das periferias e isso é muito importante. O Papa Francisco deixa-me motivado, porque me interpela sistematicamente a ir para a rua, a não nos esquecermos dos outros.

F.C.Vai acompanhar a peregrinação do Papa a Fátima?

F.S. – Eu vou com alguma regularidade ao Santuário de Fátima. Gosto de falar com a Mãe e gosto muito do silêncio de Fátima. Uma das coisas que mais me apaixona em Maria é o seu silêncio. E Fátima, para mim, tem muito que ver com o silêncio, esta aceitação de Maria. Aquelas palavras dela “faça-se em mim de acordo com a vossa palavra” ressoam-me sempre aqui. Esta aceitação e este silêncio é algo que me marca muito. Por isso, com alguma frequência vou ao Santuário de Fátima. Há ali uma presença muito forte, muito constante. Mas tenho este problema que é: fora do silêncio tenho muita dificuldade em estar em Fátima. Acho que só fui uma ou duas vezes ao 13 de Maio, porque me faz muita confusão o barulho. Penso um bocadinho: agora sou selecionador nacional em Fátima e, de repente, num momento de oração, começam a pedir-me e a tirar-me fotografias… Por isso, Deus me há-de dar o recado “vais ou não vais”. Por um lado, quero ir; por outro, retraio-me um bocadinho.

CLAUDIA SEBASTIÃO 

Família Cristã

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