Regatas de Grandes Veleiros – 2

Navio-escola Sagres no “Sail Den Helder”

O Sail Den Helder 2013 tinha tudo para ser um excelente festival náutico, marco diferenciador do estio de 2013. Primeiro, pela razoável quantidade de veleiros que responderam à chamada dos responsáveis do certame; depois, pela localização geográfica, um histórico porto de mar com uma série de cais paralelos, o que permitia apreciar devidamente a armação vélica dos participantes; finalmente, pela própria natureza da calendarização, que associava o festival às comemorações dos 525 anos da Marinha holandesa. O problema foi mesmo a meteorologia, que se comportou bastante mal, reservando doses de frio e chuva, miúda mas intensa, para o previamente reservado fim-de-semana de 21 a 23 de Junho, factor que reduziria de forma drástica a afluência de pessoas. Mas houve outros senãos. O nível organizativo do Sail Den Helder 2013, por exemplo, ficou bastante aquém do que seria de esperar, sobretudo se tivermos em conta que a Holanda, nação anfitriã, é reputada pelo seu pragmatismo e pela sua eficiência.

 

FESTIVAL HÚMIDO E CINZENTO

Mantinha-se elevada a fasquia. Talvez devido ao evento que ocorrera dias antes em Rouen, a Armada 2013. De resto, muitos dos veleiros ali presentes viriam a participar no Sail Den Helder, etapa intermédia para um outro certame com maior relevância ainda, ou seja, a já consagrada Regata dos Grandes Veleiros, agendada esse ano para os países escandinavos e bálticos. Por isso, não suscitou estranheza a predominância de navios do norte da Europa, havendo a destacar a Holanda, a França e a Rússia.

Napoleão Bonaparte, senhor dos Países Baixos, desde a invasão de 1795, achou por bem designar o então porto pesqueiro de Den Helder como o “Gibraltar do norte da Europa”, reconhecendo-lhe uma inegável importância estratégica, entre o Canal da Mancha e o Mar do Norte, tendo para isso dotado o local com várias fortificações, hoje em dia relevantes atracções turísticas dessa cidade do norte da Holanda, onde está sedeada a mais importante base naval do País.

No penúltimo fim-de-semana de Junho ali se juntaram vinte e cinco veleiros, 11 militares e 14 civis, para além de 12 outros navios, todos holandeses, designados pela organização como “navios charters”. Estes iam fazendo saídas regulares ao longo do dia, apinhados de passageiros, prontos a apreciar os esbeltos veleiros de três diferentes classes, maioritariamente classe A, ancorados nos múltiplos cais e molhes. Aproximavam-se deles por estibordo, fazendo manobras ousadas nas águas que separavam os navios. Sentido de oportunidade à holandesa? Sem dúvida, neste caso, bem aplicado. Quanto aos eventos complementares, temo que lhes tenham dado pouco destaque… Nesses três dias, foram raros os momentos em que me senti num festival marítimo. Vários factores terão contribuído para tal. Aponte-se o hostil factor climático, mas também o factor espaço temporal. O Sail Den Helder durou apenas três dias e não contou com qualquer nome sonante no cardápio dos espectáculos programados para os diversos palcos distribuídos pelo recinto. No mais pequeno, bem perto do navio escola português, coros e grupos de idosos, traje de marinheiro a rigor, interpretaram temas tradicionais ligados ao mar, sonoridade marcada pelo acordeão, o baixo eléctrico e a voz do solista. Entre os transeuntes, destacavam-se os deficientes motores (já em Rouen se notara essa presença), e, claro, os inúmeros ciclistas das mais diversas faixas etárias.

 

DESFILE NÁUTICO E HONRAS MILITARES

Os navios foram chegando ao longo do dia 20, tendo ficado, desde logo, fundeados na designada Den Helder Roads, a “estrada marítima” que separa a cidade da ilha vizinha de Texel, misto de ilha natural e artificial com 16 mil habitantes. As reservas aquíferas de Texel garantiam o fornecimento da água para as naus e carrancas que partiam para as Índias Orientais no período áureo da colonização holandesa. Era nesse canal que os navios aguardavam a chegada dos ventos de noroeste que lhes permitissem enfrentar o mar alto em busca das riquezas que fizeram da Holanda uma potência económica. Evocando, de certo modo, esses tempos, vistosas e bem conservadas escunas holandesas passeavam-se entre os veleiros para que os seus ocupantes as pudessem fotografar.

Para encerrar as comemorações dos 525 anos da Marinha holandesa e, de certa forma, dar início ao Sail Den Helder 2013, organizou-se um desfile náutico com a presença do rei holandês. O navio escola espanhol Juan Sebastian Del Cano, acabado de chegar de uma travessia transatlântica, como decano, faria as honras ao monarca com uma salva de 35 disparos. Outras 21 salvas seriam disparadas à entrada do porto de Den Helder, desta feita com direito a resposta. Bem ouvimos esses tiros, secos e curtos, criando manchas de fumo que se diluíam no intenso nevoeiro que dava aos navios um ar fantasmagórico. Apesar da importância do evento, nada de registo televisivo em directo. Nem sequer durante o desfile que ocorreria horas antes do que estava previsto. Não deixou de ser um pouco estranho ver a guarnição da Barca do Infante perfilada a estibordo, a prestar honras com três gritos de “vivó”, acompanhadas de respectivo aceno de boné, ao representante de uma casa real nossa arqui-rival no tempo das descobertas… Foi pena que o Stad Amsterdam, o veleiro que transportava o monarca holandês, tivesse passado pela Sagres à proa, eliminado o efeito produzido pela tripulação trajada a preceito e em sentido. Mesmo assim – saber-se-ia mais tarde – a coreografia foi imensamente apreciada pelas mais altas autoridades holandesas e os embaixadores e adidos militares dos países representados no evento que os acompanhavam.

 

SOL PARA A DESPEDIDA

Como se estivesse a zombar de todos nós, o astro-rei daria um ar da sua graça a meio da manhã de Domingo, dia de partida, precisamente na altura em que os seguranças autorizavam a entrada das pessoas aglomeradas junto às duas pontes movediças que davam acesso à base naval e respectivos cais. Também nesse dia houve desfile náutico na Den Helder Roads, desta feita para homenagear o Chefe de Estado da Armada holandês que seguia a bordo de um patrulhão novinho em folha.

Horas antes, na missa da bênção às embarcações, que decorreu na ilha de Texel com a presença das autoridades do município local e dos comandantes dos navios, pois logo a seguir haveria “briefing”, o capelão holandês teve a deselegante ousadia de se vangloriar publicamente dos “feitos” dos holandeses na sua histórica rivalidade com portugueses, espanhóis, franceses e até ingleses. Essa reputada falta de tacto neerlandesa, manifestara-se já aquando as visitas dos simpáticos, mas pouco eficientes, oficiais de ligação ao serviço da Sagres, que deixaram em cima da mesa da câmara de oficiais panfletos turísticos apenas em Holandês.

Falhas no protocolo, alterações na ordem dos locais para fundear e de entrada e saída nos portos, assim como a indicação errada das horas das marés foram algumas das lacunas da organização, que, como atrás ficou dito, deixou algo a desejar. Malgrado tudo isso, valeu a pena ter viajado tão a norte. Quanto mais não fosse para nos lembrarmos que também Portugal podia, devia, tinha a obrigação de assumir-se com um verdadeiro país de marinheiros, como se assume, na realidade, a Holanda. E contra factos não há argumentos.

Joaquim Magalhães de Castro

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