Miqueias: Deus julgará o seu povo (Mq., 1, 1–16)

ABRA A SUA BÍBLIA – 14

Miqueias: Deus julgará o seu povo (Mq., 1, 1–16)

CONTEXTO HISTÓRICO DO MINISTÉRIO DE MIQUEIAS

A missão profética de Miqueias desenrolou-se no final do Século VIII a.C., uma época turbulenta em que Judá se encontrava presa entre as mudanças da política internacional e a ameaça iminente da agressão assíria. As suas primeiras profecias, provavelmente proferidas antes de 722 a.C., antecipam a queda de Samaria: «Farei de Samaria um monte de ruínas em campo aberto» (Mq., 1, 6–7). Ao contrário de Isaías, Miqueias não faz referência a eventos históricos específicos, mas as suas palavras reflectem o poder devastador do império assírio, que ele provavelmente testemunhou em primeira mão. Este encontro com a violência imperial moldou a sua visão do julgamento divino. O destino do Reino do Norte (Israel) serviu como um aviso de que Jerusalém também poderia enfrentar a destruição, se não se arrependesse.

O NOME E O TÍTULO DO LIVRO

O livro começa por apresentar o nome do profeta, o período do seu ministério e o objectivo da sua missão: a proclamação da palavra de Deus por meio de uma “visão”. O nome Miqueias significa “Quem é como o Senhor?” – uma pergunta retórica que enfatiza a singularidade e a soberania de Deus. Este significado permeia as suas profecias, destacando a autoridade suprema de Deus sobre as nações e os governantes.

CONVOCAÇÃO UNIVERSAL (Mq., 1, 2)

Miqueias apela a todos os povos e à própria terra:

«Povos do mundo, escutem todos!

Que a terra e os seus habitantes, prestem atenção!

O Senhor Deus, lá do seu santo templo,

será testemunha contra vós» (Mq., 1, 2).

Embora a culpa imediata recaia sobre Judá e Samaria, a convocação é universal. O tribunal é a própria criação (cf. Dt., 30, 19), tornando o julgamento público e cósmico. O Senhor não é uma divindade local, mas o Senhor de todas as nações. Israel, que deveria ser uma luz para as nações, é vergonhosamente julgado diante delas. As nações não são meros espectadores; elas são advertidas de que, se Deus julga o seu próprio povo da aliança, Ele também responsabilizará aqueles que estão fora da aliança e praticam injustiça, imoralidade e idolatria.

TEOFANIA DO JULGAMENTO (Mq., 1, 3–16)

“Porque o Senhor está a sair do seu lugar,

descerá e pisará os lugares altos da terra.

Então as montanhas derreterão debaixo dele

e os vales se abrirão como cera perto do fogo,

como águas derramadas por uma encosta” (cf. Mq., 1, 3-4).

Miqueias descreve uma teofania divina: o Senhor, cuja glória reside no Templo de Jerusalém, surge como testemunha contra os pecados de Israel e Judá. A sua partida do lugar santo é provocada pela rebelião e pelo pecado do seu povo (cf. Mq., 1, 5). Ele desce com justiça punitiva contra as abominações da aliança: exploração dos pobres, violência, idolatria e adoração vazia.

Esta teofania é acompanhada por cataclismos naturais (cf. Mq., 1, 4): montanhas derretem, vales se abrem e torrentes de lama varrem a terra. Estas imagens simbolizam a devastação deixada no caminho de Deus, antecipando a destruição descrita em Miqueias 1, 10–16. Miqueias lamenta profundamente esta devastação, secundando Jeremias (cf. Jr., 9, 1) e Isaías (cf. Is., 22, 4). Entre as cidades listadas está a sua cidade natal, Moresheth, cujo nome carrega conotações de “amargura” ou “rebelião”. Estas cidades, próximas de Jerusalém, foram devastadas pelo rei assírio Senaqueribe, em 701 a.C., durante o reinado de Ezequias.

AS NOSSAS VIDAS ESTÃO INTERLIGADAS

Miqueias ensina que o pecado nunca é privado. Mesmo quando a comunidade da aliança é culpada, as consequências extravasam para fora. A justiça de Deus é universal, e o fracasso de Israel torna-se um aviso para todas as nações.

Na nossa sociedade pós-moderna, o foco no “eu” e na liberdade subjectiva muitas vezes faz-nos acreditar que as nossas acções privadas não têm impacto sobre os outros. Muitos aceitam a ideia: “Com o meu dinheiro, faço o que quero”. À primeira vista, pode parecer razoável, mas esconde um desejo mais profundo de poder. Esta atitude pode levar à manipulação, usando a riqueza para controlar ou explorar os outros com fins egoístas.

Outra máxima comum diz: “Desde que não prejudique ninguém, posso fazer o que quiser”. No entanto, mesmo as nossas escolhas privadas afectam os outros. A indiferença, a preguiça ou a busca do conforto e do prazer podem tornar-se graves pecados de omissão. Ao não agir, privamos a sociedade – em especial, os pobres e excluídos – da ajuda e do serviço que são da nossa responsabilidade.

Jesus deixa-o evidente na parábola do Bom Samaritano (cf. Lc., 10, 25–37). O verdadeiro discipulado significa reconhecer que as nossas vidas estão interligadas e que o amor ao próximo requer acções concretas, e não apenas evitar causar danos.

CONCLUSÃO:

O capítulo inicial de Miqueias lembra-nos que a justiça de Deus é universal e pessoal. O profeta mostra que o pecado, seja individual ou comunitário, não pode ser escondido – ele afecta o mundo inteiro e chama a atenção do Senhor de todas as nações. Para a comunidade cristã de hoje, a mensagem de Miqueias oferece várias lições importantes:

. Fidelidade à aliança: assim como Judá e Israel foram julgados por idolatria e injustiça, a Igreja deve permanecer fiel a Cristo, evitando compromissos com os poderes mundanos e/ou a adoração vazia.

. Justiça e compaixão: Miqueias denuncia a exploração dos pobres e a violência. As comunidades cristãs são chamadas a incorporar a justiça de Deus, defendendo os vulneráveis e praticando a misericórdia.

. Testemunho diante das nações: o fracasso de Israel tornou-se uma lição para todos os povos. Da mesma forma, a fidelidade – ou infidelidade – da Igreja serve como testemunho público. A nossa vocação é ser luz para as nações, mostrando a santidade de Deus através das nossas vidas.

. Esperança na soberania de Deus: Mesmo no julgamento, o nome de Miqueias – “Quem é como o Senhor?” – lembra-nos que o poder e a misericórdia de Deus superam todos os governantes humanos. A confiança na Sua soberania sustenta a comunidade em tempos de provação.

REZAR COM

A PALAVRA DE DEUS

Leia e medite sobre toda a passagem (Miqueias 1, 1–16), e aplique-a na sua própria vida.

1. Julgo o meu coração, perante o tribunal cósmico de Deus:

Senhor, ajudai-me a reconhecer que os meus pecados nunca são privados, mas que se propagam para fora. Ensinai-me a viver com integridade, perante Vós e perante os outros.

2. Comprometo-me com a justiça e a misericórdia:

Senhor, abrei os meus olhos para o sofrimento dos pobres e oprimidos. Dai-me coragem para agir com compaixão e resistir aos esquemas de violência e exploração.

3. Renovai o meu testemunho para as nações:

Senhor, faça da minha vida uma luz que reflicta a Vossa santidade. Que as minhas palavras e acções proclamem a Vossa soberania e inspirem os outros a se voltarem para Vós.

Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ

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