Introdução ao Livro de Isaías

ABRA A SUA BÍBLIA – 9

Introdução ao Livro de Isaías

Entre os escritos do Antigo Testamento, os dois mais frequentemente citados no Novo Testamento são, sem dúvida, o Livro dos Salmos e o Livro do Profeta Isaías. Isaías é citado, directa e indirectamente, cerca de quatrocentas vezes no Novo Testamento, devido à sua visão única e profunda sobre a pessoa e a vida de Cristo, o Messias e Servo de Deus.

Os oráculos proféticos podem ser geralmente divididos em duas categorias. A primeira compreende oráculos direccionados a situações históricas específicas, muitas vezes abordando as crises políticas ou espirituais imediatas do povo de Israel. No entanto, esses mesmos oráculos frequentemente transcendem o seu contexto original, encontrando um cumprimento mais completo e profundo na era messiânica – como a profecia de Isaías 7, 14 sobre uma virgem que conceberá um filho, cujo nome será Emanuel, que significa “Deus connosco”. Este versículo, embora originalmente dirigido ao rei Acaz, provavelmente em referência ao nascimento de um rei num futuro próximo, é interpretado no Evangelho de Mateus (1, 23) como uma referência directa ao nascimento de Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado.

O segundo tipo de oráculo é mais simbólico e universal, frequentemente transmitido através de uma linguagem lírica e poética. Estas passagens, ricas em metáforas e imagens, não se limitam a um único momento histórico, mas abrem-se a múltiplos níveis de significado. Este estilo poético, encontrado em Isaías – bem como nos profetas em geral – e nos Salmos, presta-se à interpretação tipológica, permitindo aos autores do Novo Testamento discernir neles o mistério de Cristo e o desenrolar da História da Salvação.

Além disso, as imagens emotivas e evocativas da poesia profética fazem mais do que comunicar verdades divinas – elas procuram tocar o coração, despertar a alma e convidar o ouvinte a um relacionamento vivo com Deus. Dessa forma, a Palavra de Deus torna-se não apenas uma mensagem a ser compreendida, mas um convite ao diálogo, à intimidade, a um encontro sagrado com o Senhor que transforma o crente.

O Livro de Isaías é uma colecção de oráculos proféticos proclamados desde a segunda metade do Século VIII a.C. até ao período pós-exílio, no início do Século V a.C. Abrangendo três séculos, é evidente que esta não pode ser obra de um único profeta. Três momentos históricos distintos podem ser identificados, cada um correspondendo a diferentes vozes proféticas:

ProfetasCap.Anos (a.C.)Reis de JudáReis de IsraelReis estrangeirosPrincipais eventos históricos
      PRIMEIRO ISAÍAS1–39approx. 740-700Uzias   Jotão   Acaz   EzequiasJeroboam II   Pekah   HosheaASSÍRIA: Tiglate-Pileser III   Salmanasar V   Sargão II   SenaqueribeGuerra Siro-Efraimita (735–732)   Queda de Samaria (722)   Invasão assíria de Judá (701)
      SEGUNDO ISAÍAS40–55approx. 540–515    Comunidade exilada (sem rei)         BABILÓNIA: Nabonido   PÉRSIA: Ciro, o GrandeExílio babilónico   Ascensão do Império Persa   Edito de Ciro (538): regresso do exílio.
  TERCEIRO ISAÍAS56–66Approx. 515–500Comunidade pós-exilada (sem rei)     Cambises II   Dario IReconstrução do Templo   Reformas sociais e religiosas

O PRIMEIRO ISAÍAS (CAP. 1–39)

Tempo de Isaías

O ministério de Isaías – conhecido como Primeiro Isaías – inclui os oráculos do profeta original que deu o seu nome a todo o livro. A sua missão profética ocorreu no Reino do Sul de Judá, entre a morte do rei Uzias, por volta do ano 741 a.C., e o 14.º ano do reinado de Ezequias, por volta de 701 a.C., cobrindo um período de aproximadamente quarenta anos. Esta duração reflecte o ministério do profeta Jeremias (cf. Jeremias 1, 1–3) e reflecte a tradição de Moisés, cuja liderança também durou quatro décadas (cf. Deuteronómio 1, 3).

Durante este tempo, surgiu um grande conflito: a Síria e o Reino do Norte de Israel (também chamado Efraim) formaram uma aliança contra o Reino do Sul de Judá. O objectivo era pressionar Judá a se juntar à sua resistência contra o poderoso Império Assírio, que ameaçava invadir a região. Isaías desempenhou um papel decisivo ao encorajar o rei Ezequias a agir de acordo com a vontade de Deus. Numa reviravolta surpreendente, o rei assírio Senaqueribe, que havia sitiado Jerusalém, retirou-se repentinamente e voltou para Nínive, onde mais tarde foi assassinado.

A acusação de Deus contra Judá (Isaías 1, 2–9)

Deus inicia um processo judicial contra o seu povo rebelde, convocando o céu e a terra como testemunhas da violação da aliança (cf. Deuteronómio 4, 26; 32, 1; Salmo 50, 4). O Senhor acusa Israel de não conhecer – ou reconhecer – a sua verdadeira identidade, a sua história e a sua origem divina:

2. Ouçam, ó céus, e escute, ó terra, pois o Senhor fala: Eu criei e eduquei filhos, mas eles se rebelaram contra mim!

3. O boi conhece o seu dono, e o jumento, a manjedoura do seu senhor; mas Israel não conhece, o meu povo não compreende.

Tanto o boi como o jumento são tradicionalmente vistos como animais teimosos e pouco inteligentes. Esta comparação sublinha o fracasso de Israel em responder à palavra de Deus com o reconhecimento básico demonstrado pelos animais.

A sua falta de compreensão é tão profunda que não conseguem perceber os desastres que sofrem como consequência directa do seu pecado e abandono de Deus:

«Por que continuarás a ser ferido, continuando a rebelar-te?… O teu país está desolado, as tuas cidades estão queimadas pelo fogo…» (Isaías 1, 5 e 7)

No entanto, Deus, na Sua misericórdia, não os destrói completamente. Ele preserva o remanescente fiel em Judá, abrindo a porta para a esperança e a salvação de Jerusalém, a «cidade sitiada» (versículos 8 e 9).

Este conceito de remanescente foi introduzido pela primeira vez pelo profeta Amós (cf. Amós 3, 12; 5, 15), e Isaías retoma-o repetidamente (cf. Isaías 6, 13; 7, 3; 10, 19–21; 28, 5; 37, 4; 37, 31 e 32). Outros profetas também afirmam esse tema: Miquéias (4, 7; 5, 2), Jeremias (3, 14) e Ezequiel (5, 3; 9, 4).

Um povo pecador é chamado ao arrependimento. A sua teimosia é punida por Deus – não com destruição, mas com purificação. Apenas um remanescente dará ouvidos à lição e se tornará a semente de esperança para o futuro do povo de Deus. Desse remanescente, do tronco, do tronco de Jessé, virá o Salvador:

«Eis que um ramo surgirá do tronco de Jessé e das suas raízes um rebento brotará» (Isaías 11, 1)

Que esta passagem de Is 1, 2-9 nos convide a examinarmos os nossos próprios corações: reconhecemos a voz de Deus nas nossas vidas? Que possamos, como o remanescente fiel, responder com humildade e esperança, confiando na promessa da salvação.

Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ

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