Elias em Horebe: Uma Jornada da Paixão ao Silêncio
A rainha Jezabel, esposa do rei Acabe e adoradora fenícia de Baal, enviou um mensageiro a Elias, ameaçando a sua vida. Elias havia confrontado 450 profetas de Baal, os quais executou depois de Deus ter respondido à sua oração e enviado fogo do céu para consumar a oferta que havia preparado no altar (cf. 1 Reis 18, 37-40). Após esta intervenção divina, o Senhor acabou com a seca e fez cair chuva.
Apesar de tal poderosa demonstração, quando Elias soube que a sua vida estava em perigo, fugiu com medo para o deserto. Lá, implorou ao Senhor que tirasse a sua vida, dizendo: «Já basta; agora, ó Senhor, tira a minha vida, pois não sou melhor do que os meus pais» (1 Reis 19, 4). Depois, deitou-se debaixo de uma árvore solitária e dormiu. Então, um anjo do Senhor tocou-lhe e disse: «Levanta-te e come». Encontrou pão assado em pedras quentes e um jarro de água. Depois de comer e descansar, o anjo voltou e ordenou, complementado: «Levanta-te e come, pois a viagem é demasiado longa para ti» (1 Reis 19, 5-7).
A viagem de quarenta dias de Elias ao Monte Horebe, onde Moisés certa vez se encontrou com Deus (cf. Êxodo 3, 1; 19, 3), ecoa um período simbólico – uma geração, uma vida inteira de crescimento espiritual. Tal como o jejum de Moisés (cf. Êxodo 34, 28), a peregrinação de Israel pelo deserto (cf. Números 14, 33) e os quarenta dias da tentação de Jesus (cf. Mateus 4, 1-2), este episódio marca a jornada da alma rumo à transformação e ao encontro divino.
Ao chegar, Elias abriga-se numa caverna. Lá, «Elias ouviu a voz do Senhor, que o questionou nestes termos: “Que fazes aqui, Elias?”» (1 Reis 19, 9). Pode parecer-nos estranho ouvir que Deus faz esta pergunta, já que foi Ele quem levou Elias até aquele lugar. Deus pretende levar Elias a assumir o seu discernimento e a afirmar livremente o caminho que ele havia escolhido. A orientação divina convida, mas nunca obriga; ela requer aceitação voluntária e consciente.
Elias respondeu com angústia que ele era o único que restava dos seus profetas e que eles o estavam a tentar matar (cf. 1 Reis 19, 10).
O som do silêncio absoluto – Consequentemente, o Senhor instruiu Elias a ficar na montanha para ali esperar a Sua passagem. Um vento forte e poderoso rasgou as montanhas, mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento, um terramoto – mas o Senhor não estava no terramoto. Depois do terramoto, um fogo – mas o Senhor não estava no fogo. E veio «um som de silêncio» (1 Reis 19, 12). Quando Elias o ouviu, «cobriu o rosto com o manto, saiu e ficou à entrada da caverna» (1 Reis 19, 13).
O texto hebraico de 1 Reis 19, 12 descreve a experiência de Elias com Deus como um encontro (“qol demamah daqqah”) – literalmente: “um som de puro silêncio”. Esta frase paradoxal desafia os tradutores, pois o silêncio, por definição, carece de som. No entanto, as Escrituras afirmam que, nesse silêncio, Elias percebeu a presença de Deus – uma voz não ouvida pelos ouvidos, mas sentida nas profundezas da alma.
Este momento revela que o encontro divino não é encontrado em demonstrações dramáticas, mas na intimidade silenciosa. Antes disso, Elias havia executado os profetas de Baal num confronto violento (cf. 1 Reis 18, 40), acreditando que o zelo e a força eram os meios para restaurar a fé de Israel. Mas Deus mostra-lhe outro caminho.
Elias, crendo ser ele o último fiel profeta, lamenta: «Tenho sido muito zeloso pelo Senhor Deus dos exércitos, pois os filhos de Israel abandonaram a tua aliança, derrubaram os teus altares e mataram os teus profetas à espada; e eu, só eu, fiquei; e eles procuram a minha vida, para tirá-la» (1 Reis 19, 14). No entanto, o Senhor revela que Elias não está sozinho e que o seu papel não é insubstituível. Ele é instruído a ungir Eliseu como profeta, colocando no seu lugar (cf. 1 Reis 19, 16).
Entrada na caverna: o chamamento à humildade e à rendição – A voz de Deus não vem através do vento, do terremoto ou do fogo, mas por meio da quietude. É nesse silêncio que o profeta deve acalmar as suas paixões – o seu desejo de auto-afirmação, vingança e justificação. Na presença de Deus, todos os títulos e honras desaparecem. Somos simplesmente servos (cf. Lc., 17, 10). O chamamento de Deus não é um símbolo de orgulho, mas um convite à humildade e à gratidão. Entrar na caverna, que se assemelha a um útero, é para ele um convite a renascer.
A nossa jornada para a montanha sagrada deve ser marcada pela esperança e pelo espírito de rendição. Em cada etapa, a providência de Deus convida-nos a transcender as nossas limitações e objectivos egoístas, a ouvi-Lo no silêncio dos nossos corações. Na solidão e simplicidade, sem pretensões ou ambições, encontramos alegria ao simplesmente estar com Ele – prontos para fazer a Sua vontade.
Elias revela aos seus contemporâneos israelitas que Yahweh supera em muito os ídolos Baal, que se acreditava governarem as tempestades e as chuvas. Yahweh não é apenas o senhor das forças da natureza – Ele é Aquele que traz paz à alma. A sua voz não se limita ao trovão ou ao fogo, mas fala de um modo que transcende os sentidos. Ele comunica não apenas por meio de sinais visíveis, mas penetra nas profundezas do nosso ser, proferindo palavras que não podem ser ditas, sons que não podem ser ouvidos – o silêncio divino que agita o coração e desperta a alma.
De facto, o poder de Deus é revelado na palavra silenciosa que profere na caverna oculta da nossa alma, onde Ele nos recria e nos conforma à imagem do Seu Filho – o Verbo feito carne – Nosso Senhor Jesus Cristo. «Porque aqueles que Deus conheceu de antemão, também os predestinou para serem conformes à imagem do seu Filho» (Romanos 8, 29).
Três dicas para a oração
1. Abrace o silêncio
Acalme o ruído externo e interno para entrar na presença de Deus. Reserve um momento de silêncio na sua vida diária – tal prepara-nos o coração para ouvirmos a Sua voz.
2. Traga os seus fardos
Como Elias, vinde como sois. Partilhai o vosso medo, cansaço e solidão. A vulnerabilidade abre o caminho para uma intimidade mais profunda com Deus.
3. Deixe de controlar
Renda-se ao seu papel e deixe Deus remodelar a sua missão. Liberte-se da necessidade de controlar os resultados ou provar o seu valor. Esteja aberto à Sua reorientação e renovação.
Pe. Eduardo Emilio Agüero, SCJ