«Ninguém pode ficar indiferente ao sofrimento dos outros»
A Irmã Maria Divina Peregrina, SSVM, da Congregação das Servas do Senhor e da Virgem de Matará, foi a oradora de uma palestra intitulada “Guerra e Paz: Partilha de uma Irmã Missionária da Terra Santa”, que teve lugar na igreja de Nossa Senhora de Fátima, a 8 de Julho. A’O CLARIM, a Irmã Maria concedeu uma entrevista, tendo falado sobre a experiência que viveu na Terra Santa durante quase dois anos; dos males que afectam aquela região e o mundo; e de como os católicos de Macau podem – também eles – fazer a diferença. Uma conversa que mais não foi do que uma mensagem de coragem e esperança a todos os que sofrem, muitas vezes de forma silenciosa….
O CLARIM – Quantos anos esteve na Terra Santa?
IRMÃ MARIA DIVINA PEREGRINA – Estive quase dois anos!
CL – Os principais beneficiários da sua missão na Terra Santa foram os cristãos ou também pessoas de outras religiões, como judeus e muçulmanos?
I.M.D.P. – Fomos para a Terra Santa especialmente para ajudar a comunidade cristã e também para promover um diálogo de paz e caridade entre muçulmanos, judeus e ateus. Ajudamos sempre todos os necessitados, independentemente da sua religião ou raça.
CL – Dos dias que serviu na Terra Santa, o que recorda com mais afinco?
I.M.D.P. – O mais memorável é a força dos cristãos diante da situação que estão a viver. Não é fácil perder a família, os pais, a casa, os bens, tudo o que sustenta materialmente um ser humano. Na sua simplicidade, enfrentam heroicamente estas grandes provações. Não se queixam, não se rebelam contra Deus, e isso manifesta-se na sua maneira de rezar: confiam em Deus e na Sua Divina Providência. Depois de muito sofrimento, entregam-se como filhos de Deus. Alguns têm um caderno espiritual onde escrevem a Jesus, à Virgem Maria, e abrem-Lhe as suas almas, escrevendo o que sentem e o que pensam. Dedicam-Lhe poemas. Os mais pequenos fazem desenhos e escrevem frases que ouvem nas homilias ou que lêem, e isso encoraja-os. Entregam-se como filhos ao seu Pai do Céu e, assim, ganham força e não desistem diante dessas grandes provações. São testemunhos que devem encorajar-nos a viver melhor a nossa fé, a sermos cristãos, cem por cento católicos, e a assumir essa responsabilidade; a ser apóstolos em nossas casas, no trabalho, na escola, e a não ser indiferentes. Sobre os mornos, diz a Bíblia, no livro do Apocalipse: «Eu te vomitarei da minha boca». Não podemos viver na tibieza!
CL – Os católicos de Macau mostram-se muitas vezes gratos por viverem num lugar sem guerra. Como podem eles também ajudar o povo da Terra Santa?
I.M.D.P. – Respondi brevemente à questão que coloca na palestra que proferi no dia 8 de Junho, mas fico feliz que o faça novamente. Na Encíclica Fratelli tutti, o Papa Francisco lembra-nos que somos todos irmãos e irmãs, e que ninguém pode ficar indiferente ao sofrimento dos outros. Um católico deve responder ao sofrimento com a caridade de Cristo, uma caridade que fala de Cristo, que dá sentido ao sofrimento. Ele transformou o sofrimento no caminho para o céu. Aqui estão algumas formas práticas pelas quais os católicos de Macau – ou de qualquer lugar – podem ajudar: Primeiro: rezar intencionalmente e consistentemente pela paz e justiça no mundo, especialmente no Médio Oriente, na Ucrânia e na Rússia. A oração não é passiva. Ela conecta corações e move a Igreja como um só corpo, porque fazemos parte deste Corpo Místico. É por isso que a nossa oração é digna, para toda a Igreja. Segundo: apoiar instituições de caridade católicas de confiança que prestam ajuda no terreno. A Igreja tem instituições de longa data na Terra Santa (como o Patriarcado Latino de Jerusalém e a Custódia Franciscana da Terra Santa e os nossos missionários) que conhecem as necessidades da população local e distribuem ajuda de forma sensata, como estão a fazer neste momento. Terceiro: educar e sensibilizar as vossas comunidades, por meio de palestras paroquiais, encontros de jovens ou mesmo redes sociais. Muitas pessoas simplesmente não sabem o que está a acontecer. Partilhar histórias pessoais das pessoas afectadas (especialmente das comunidades cristãs da região) ajuda a humanizar o conflito. E quarto: promover uma cultura de encontro em Macau através da organização de eventos inter-religiosos dedicados à paz, junto das escolas e das paróquias. Quando construímos pontes a nível local, moldamos uma mentalidade global mais compassiva. Santa Madre Teresa de Calcutádisse: «Se não temos paz, é porque nos esquecemos de que pertencemos uns aos outros».
CL – Macau tem enfrentado uma tendência crescente de suicídios. Com as histórias que encontrou na Terra Santa, como podemos reacender a esperança das pessoas, apesar das suas vidas cheias de desafios e traumas?
I.M.D.P. – É sempre uma realidade dolorosa, que devemos enfrentar com ternura e coragem. Na Terra Santa encontrei pessoas que perderam tudo – casas, familiares, o sentido do futuro… No entanto, também testemunhei uma profunda resiliência – pequenos actos de bondade, comunidades a cantar em ruínas, jovens a plantar jardins onde antes voavam balas, a inventar novos jogos e piadas com os seus filhos, e a recomeçar! O que lhes manteve viva a esperança? A resposta é simples! Mesmo na devastação, as pessoas procuravam ajudar-se mutuamente, pois a solidão gera desespero. Como Igreja, a nossa missão é estar radicalmente presente para aqueles que nos rodeiam. Depois, há um de dois caminhos a escolher: ou nos deixamos dominar pela tristeza e choramos o dia todo, ou levantamo-nos, pensamos e reflectimos: “tenho um Pai e uma Mãe no Céu que me esperam no Céu e cuidam de mim nesta Terra o tempo todo”. Quando surgem pensamentos maus, como querer tirar a própria vida, devemos fazer o simples exercício de pensar nas coisas mais simples: “tenho vida, olhos, pés, mãos, etc.; posso falar e defender-me, há muitos que não o podem fazer. Portanto, devo ser grato pelo que tenho, levantar-me e seguir em frente, usando o que Deus me deu, assim como dar o melhor de mim aos outros, pois esta é a única maneira de eu ser feliz!”.
CL – A terminar, quer deixar uma mensagem aos leitores d’O CLARIM?
I.M.D.P. – Recomendo um belo documento do Concílio Vaticano II, a Gaudium et spes, ou seja, a Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Actual. No ponto n.º 24 destaca-se o significado da vida de cada um, na medida em que descobrimos quem somos ao doarmo-nos aos outros: “O homem, única criatura sobre a terra a ser querida por Deus por si mesma, não se pode encontrar plenamente a não ser no sincero dom de si mesmo”.
Jasmin Yiu