ONDA DE VIOLÊNCIA NO ESTADO INDIANO DE MANIPUR

ONDA DE VIOLÊNCIA NO ESTADO INDIANO DE MANIPUR

A religião como pretexto para um conflito étnico

A recente onda de violência no Estado de Manipur, no Nordeste da Índia, está a causar profunda consternação junto das autoridades eclesiásticas do subcontinente, pois são cada vez mais recorrentes os ataques à comunidade católica do País. O organismo ecuménico United Christian Forum (UCF) acaba de lançar um apelo ao “respeito pela vida humana e a justiça” face à violência interétnica “que assolou o Estado nos últimos dias” e que só cedeu após a intervenção da polícia e a implementação do estado de sítio. Como resultado de vários dias de violência em larga escala perderam-se vidas (estão contabilizados cerca de 58 mortos), fogos postos de origem criminosa deflagraram um pouco por todo o lado, bens e edifícios foram destruídos, locais de culto profanados….

Num ambiente político fortemente polarizado – fruto do espírito nacionalista hindu cultivado pelo actual regime, o dito espírito hindutva (sobre o qual já aqui falamos) –, aquilo que começou como mero choque interétnico rapidamente adquiriu dimensão inter-religiosa. Em causa está a exigência de obtenção de “estatuto tribal” por parte da comunidade rural hindu “meitei”, o que lhe permitirá não apenas desfrutar de privilégios tribais como também obter territórios até agora reservados às várias tribos da região, a esmagadora maioria de fé cristã. Ora, sendo os meitei predominantes em Manipur a obtenção desses privilégios adicionais colocá-los-á em clara vantagem. Recorde-se que embora constituam 53-60 por cento da população do Estado, confinados ao Vale do Imphal, os meitei ocupam apenas dez a doze por cento do Estado. A menos que, além da agricultura, desenvolvam outros tipos de actividade, a sua economia não será viável… Não obstante, parecem ter a liberdade “de empunhar armas para assediar e humilhar grupos minoritários cristãos” – talvez os encoraje o espírito hindutva vigente –, sobretudo a tribo Kuki-Zo cujos territórios ancestrais foram recentemente declarados “zona de floresta”.

Sentindo-se ameaçadas, as diferentes tribos de Manipur uniram-se a uma só voz numa “Marcha de Solidariedade Tribal” que acabaria de os colocar em confronto directo com os meitei. Seguiram-se violentos confrontos com o trágico desfecho atrás descrito.

Na capital do Estado, Imphal, é chegada a hora de avaliar os danos causados pela violência, incluindo as muitas igrejas e conventos católicos saqueados e queimados, e os milhares de pessoas forçadas a fugir das suas casas. Uma força de dez mil homens está no terreno para garantir a lei e a ordem e o Supremo Tribunal da Índia exigiu já a criação de uma equipa de investigação que apure responsabilidades, apontando como objectivo imediato “o regresso a casa dos refugiados e a protecção efectiva dos sítios religiosos”.

Se a política de “atirar a matar” trouxe a calma temporária, necessário se torna encontrar estratégias de longo prazo para restaurar a confiança entre as diferentes comunidades. «Urgem medidas de fortalecimento da confiança em relação às autoridades. Nenhuma comunidade se deve sentir enganada ou ignorada», disse a propósito, ao jornalista da Asian News, o arcebispo emérito de Guwahati, D. Thomas Menamparampil. Esta destacada figura pública do Nordeste da Índia lembrou também que não se podem retirar os privilégios das comunidades mais fracas, nem tão pouco por em causa a prosperidade e bem-estar da comunidade maioritária. «O diálogo para soluções imediatas e o planeamento criativo da economia para o bem-estar compartilhado são o único caminho que podemos sugerir», acrescentou.

Com décadas de experiência no Nordeste da Índia, o jesuíta Walter Fernandes, ex-director do Instituto Social Indiano de Deli, disseca assim a situação: «Estamos perante um conflito entre povos tribais e povos não tribais, embora alguns políticos estejam a tentar transformá-lo num conflito religioso. Os povos tribais em Manipur são maioritariamente cristãos e os meitei, que representam 53 por cento da população, são hindus. Os meitei querem ser considerados uma “tribo listada” apenas para terem acesso às terras protegidas. É tão simples quanto isso».

O United Christian Forum apela à contenção das partes para que juntas possam trabalhar em prol de uma resolução pacífica da situação, lembrando os valores cristãos da vida humana e da importância de respeitar a dignidade de cada indivíduo. «Pedimos a todos que se abstenham de actos violentos e, em vez disso, se envolvam num diálogo pacífico», disse o representante do UCF, expressando condolências às famílias daqueles que morreram nos distúrbios e pedindo às autoridades competentes que tomem as medidas para levar os culpados à justiça. O UCF anunciou ainda uma campanha de oração e um compromisso directo com a construção da paz. A oração é «uma maneira poderosa de confiar na intervenção e orientação de Deus». Para neutralizar a lógica dos conflitos inter-religiosos, «o UCF convida pessoas de diferentes religiões, cristãs e hindus, a invocar a bênção de Deus para o bem comum da paz, da justiça, do respeito e da solidariedade mútua».

Joaquim Magalhães de Castro

Photo: AFP

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