A vocação do líder empresarial em tempos de crise económica
«Tome cuidado! Esteja atento perante todos os tipos de ganância; a vida de alguém não consiste na abundância de bens» (Lucas 12, 13-21).
No passado, ao comentar o Evangelho deste Domingo (Lc., 12,13-21), poderia talvez ter destacado o risco de acumular riquezas materiais, em detrimento dos valores espirituais, ou ter dito algo sobre a ganância e a falsa segurança que os bens materiais parecem assegurar. Também teria lembrado a todos que a morte pode vir a qualquer momento, e que não podemos levar nada connosco ao deixarmos este mundo.
Desta vez, devemos destacar outro aspecto, porque estamos a enfrentar desafios sem precedentes. A prolongada situação de emergência do Covid, ligada a uma perspectiva económica global negativa, tem colocado muita pressão na situação financeira de muitas famílias e empresas. Durante os últimos dois anos, muitas pessoas tiveram de bem gerir as suas finanças de modo a se manterem à tona, sendo que só podiam contar com as suas poupanças e com os subsídios do Governo. Como nunca antes, compreendemos hoje melhor a sapiência de termos algumas poupanças para as utilizar em situações de emergência. Além disso, a guerra na Ucrânia, país que já foi conhecido como o “grão do mundo”, está a alertar para a emergência alimentar global. Por outras palavras, ter “um celeiro maior”, cheio de bens, à semelhança do homem da parábola, parece ser muito sábio, ou seja, a única escolha sensata que (pessoalmente e enquanto sociedade) devemos fazer para nos prepararmos para tempos como o actual. O que há, pois, de errado com isto?
Vamos reflectir um pouco. Em primeiro lugar, em tempos de turbulência, tornamo-nos mais conscientes do papel crucial que a liderança empresarial tem para a estabilidade da sociedade. Os empresários, não apenas o Governo, têm a responsabilidade de garantir que os recursos financeiros são usados de forma sustentável e que há oportunidades de emprego em número suficiente para assegurar empregos e salários para todas as famílias.
Há poucos dias, um amigo falou-me sobre um documento preparado, em 2018, pelo Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral da Santa Sé, intitulado “Vocação do Líder Empresarial: Uma Reflexão”.
Quando o sustento de muitos depende das decisões tomadas por aqueles que gerem os negócios, compreendemos que há uma enorme responsabilidade relacionada com as posições tomadas por quem de direito. Esta responsabilidade não é apenas financeira, mas também tem um significado espiritual profundo: de facto, é uma vocação.
O documento explica: “A vocação do empresário é um chamamento humano e cristão genuíno. O Papa Francisco apelida-a de ‘nobre tarefa, desde que se deixe interpelar por um sentido mais amplo da vida; isto permite- lhe servir verdadeiramente o bem comum com o seu esforço por multiplicar e tornar os bens deste mundo mais acessíveis a todos’. A importância da vocação do empresário na vida da Igreja e na economia mundial dificilmente pode ser sobrestimada. Os líderes empresariais são chamados a conceber e desenvolver bens e serviços para clientes e comunidades através de uma forma de economia de mercado. Para que tais economias promovam o bem comum, elas têm de assegurar o respeito pela verdade, a fidelidade aos compromissos, a dignidade humana, a liberdade, a criatividade e o destino universal dos bens – o que significa que a criação de Deus é um dom para todos” (n.º 6).
«O que devo fazer? Vou derrubar os meus celeiros e construir maiores; e ali armazenarei todos os meus cereais e os meus bens. E direi à minha alma: “Alma, tens depositados muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe, alegra-te”» (Lc., 12,18-19). A “loucura” do homem da parábola não consiste no facto de ter enriquecido. A riqueza em si não é pecaminosa, nem quaisquer bens materiais, se usados como ferramenta para promover o bem comum. O “rico tolo”, ao invés, tomou uma péssima decisão financeira, baseado apenas no seu interesse pessoal, ele não reinvestiu socialmente a sua riqueza para criar oportunidades de desenvolvimento e criar uma sociedade mais justa.
Em assuntos económicos é fácil vivenciar a cisão entre a fé que professamos e as escolhas financeiras que fazemos, como se as duas não pudessem andar juntas: o documento observa que “a compartimentação entre as exigências da fé de cada um e o seu trabalho na empresa constitui um erro fundamental que contribui para grande parte do dano feito pelos negócios no nosso mundo de hoje,incluindo a sobrecarga de trabalho com prejuízo da vida familiar ou espiritual, um apego doentio ao poder em prejuízo do bem de si próprio, e o abuso do poder económico com vista a obter ganhos económicos ainda maiores” (n.º 10).
Apesar de não sermos empresários, este Evangelho lembra-nos a todos que neste momento de crise precisamos de usar os nossos recursos financeiros com mais responsabilidade, tomando em consideração a situação dos irmãos menos afortunados. Devemos continuar a trabalhar duro enquanto confiamos na Providência de Deus, lembrando que «nu deixei o ventre de minha mãe, e nu partirei da terra»(Jó., 1:21), como Jó famosamente afirmou.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ