O Pentecostalismo – I
Pentecostalismo, um termo que surge tantas vezes na Comunicação Social. Um conceito que muitos associam ao continente americano, aos revivalismos protestantes, aos despertares do Século XIX, ao tele-evangelismo também, entre outras asserções. Trata-se, em primeiro lugar, de um movimento do Cristianismo evangélico que privilegia, ou se baseia mesmo, numa experiência directa de Deus em cada crente através do Baptismo no Espírito Santo.
Mas até aí, ou por aí mesmo, e antes de analisarmos a história, fundamentos e crenças, poderíamos dizer que pouco ou nada então distingue o movimento. Assim, para além de referirmos que o termo “Pentecostal”, como se adivinha, advém de “Pentecostes”. Esta palavra de origem grega significa “quinquagésimo”. Trata-se também de uma das celebrações mais importantes do calendário cristão, na qual se celebra a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos, Maria e outros discípulos do Crucificado. Comemora-se cinquenta dias depois do Domingo de Páscoa, daí o termo, e ocorre no décimo dia após a celebração da Ascensão de Jesus. Esta datação deriva do facto de que Jesus permaneceu em ensinamento e formação dos discípulos durante quarenta dias após a Sua ressurreição. Nos restantes dez dias, os discípulos permaneceram retidos no cenáculo, até ao dia da descida do Espírito Santo, em línguas de fogo, no quinquagésimo dia, o de Pentecostes.
Há também uma ligação do Pentecostes com as festas judaicas das Colheitas, ou das Semanas (Shavuot), celebração da outorga a Moisés dos Dez Mandamentos no Monte Sinai, também cinquenta dias depois de um “evento”, no caso o Êxodo dos Judeus do Egipto. A descida do Espírito através do dom de falar línguas, como é referido no Novo Testamento, nos Actos dos Apóstolos 2, ocorreu também durante aquela celebração judaica em Jerusalém. Por isso, o Dia de Pentecostes é, por vezes, considerado como o dia do nascimento da Igreja cristã. Por exemplo, pelo movimento pentecostal, que agora começamos a abordar, o qual radica a sua denominação nesse acontecimento.
ORIGENS
Entre os católicos, o Domingo de Pentecostes é o último dia das Festas em honra do Divino Espírito Santo, que tem um forte impacto e vivência no mundo lusófono. Mas detenhamo-nos na adopção do conceito pentecostal em algumas denominações cristãs, como o movimento em apreço. Estes, os pentecostais, encaram o seu movimento como herdeiro do mesmo tipo de poder espiritual apreendido naquele dia no cenáculo apostólico primitivo, no mesmo estilo de veneração e nos ensinamentos ministrados na Igreja de Jerusalém. Alguns grupos pentecostais intitulam-se, por isso, como fazendo parte de uma denominação “Apostólica” ou do “Evangelho Pleno”, quando se referem ao seu movimento.
O termo “Pentecostal” na sua origem remete para a identificação e caracterização de um conjunto de grupos religiosos desenvolvidos especialmente entre as comunidades afro-americanas das Caraíbas, da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos, que permanecem vigentes nos dias de hoje. A base do culto pentecostal, ou do Pentecostalismo, a partir da memória daquele quinquagésimo dia, torna esse evento como um prenúncio do dia do Juízo Final. Os membros destes grupos pentecostais identificam-se como “santos”, quase como os Mórmons, consideram que devem aguardar e preparar-se para o dia do Juízo Final, o dia da salvação das suas almas. À semelhança de outros grupos cristãos, definem desde sempre que uma das condições para a adesão ao movimento passa pelo afastamento dos que não sejam pentecostais. Consideram que esse isolamento face aos não pentecostais significa afastarem-se do mundo contaminado pelo pecado. Os pentecostais também se consideram, nessa linha, como um “povo escolhido”, que graças às especificidades da sua fé serão salvos no Juízo Final, enquanto que o mundo contaminado pelo pecado será condenado aos infernos, precisamente no Dia de Pentecostes. Por isso o interpretam como uma prefiguração do fim dos tempos.
Nas origens do Pentecostalismo está um movimento sincrético que normalmente é designado de “baptismo nativo”. Este movimento, estribado etnicamente em escravos ou libertos afro-americanos, assenta na fusão do Cristianismo com cultos tradicionais africanos, trazidos pelos cativos traficados entre África e o Novo Mundo. Daí a sua difusão tanto nas colónias açucareiras inglesas nas Caraíbas como também nas plantações no Sul dos Estados Unidos, ainda a escravatura era uma realidade. O “baptismo nativo” radica na impossibilidade dos escravos poderem estudar de forma mais consistente a religião cristã, o que os fazia enveredarem para a criação de grupos religiosos próprios, baseados no sincretismo, ou seja, de fusão afro-cristã. Os modelos eram aparentemente cristãos mas as essências culturais eram africanas. Estes cultos eram culturalmente mais próximos dos escravos, pois “migraram” também de África, tendo ganhado expressão rapidamente nas comunidades escravas na América anglo-saxónica. O Pentecostalismo irá depois surgir a partir desta base afro-americana, substituindo-as, embora subsistam ainda revivalismos desses sincretismos.
Mas como já antes aludimos, o Pentecostalismo não surgiu apenas no Novo Mundo. Também na Grã-Bretanha viria a despontar, mas mais tarde, já no Século XX, nas décadas de 50 e 60. Foi introduzido pelas migrações de afro-caribenhos, da Jamaica, por exemplo. A perseverança do Pentecostalismo nessas comunidades migratórias no Reino Unido foi sempre uma forma de afirmação e sentido comunitário, um elemento de coesão enquanto minoria étnica e cultural. Ser pentecostalista era também uma forma de fuga às discriminações sociais, construindo-se assim uma “sociedade” alternativa pentecostalista, unida e com forte comunitarismo. Não há salvação, para eles, fora do Pentecostalismo. Consideram-se muitas vezes até como seres divinos…
Como se verá, o Pentecostalismo é muito restritivo na vida social e quotidiana, mas não deixou de crescer como movimento religioso. Por exemplo, é proibido o consumo de álcool e tabaco entre os seus membros, bem como o uso de joias, cosméticos, maquilhagem, e até o uso de palavras grosseiras e a devassidão sexual. Proíbe-se tudo aquilo que no “mundo exterior”, não pentecostalista, é considerado como contaminador da moral e do caminho da fé e da salvação, tudo o que deprava ou é “pecado”. As igrejas pentecostalistas consideram os seus membros como seres especiais, pelo que os estimulam a evitar o contacto com esse mundo contaminado pelo pecado. Os pentecostalistas acreditam que mantêm uma relação com Deus induzida pelo êxtase, através do qual recebem o “Espírito Santo” e por isso se tornam poliglotas.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa