HOMILIA DO PADRE DANIEL RIBEIRO

«Viu e acreditou» (Jo., 20, 1-9)

HOMILIA DO PADRE DANIEL RIBEIROSCJ, NA MISSA DO PRIMEIRO DOMINGO DE PÁSCOA

Irmãos e Irmãs em Cristo,

Seguramente, Jesus é a pessoa mais importante de toda a História. Existem muitas razões para isso. A primeira delas: Quando Ele nasceu, Jesus dividiu a História. A Humanidade nunca havia entrado em acordo. Qual seria o verdadeiro calendário a ser seguido. Os chineses tinham o seu calendário. Os judeus tinham o seu calendário. Possivelmente, os indígenas, os primitivos, muitos dos nossos países tinham também o seu calendário lunar.

Porém, no final do século VI, com o Papa Gregório Magno, foi instituído apenas para a Igreja o calendário cristão, dizendo que a História começava com o Nascimento de Cristo. Aos poucos aquele calendário foi aceite, foi respeitado, e se tornou uma referência no mundo todo.

Hoje se você for para a China, para a Indonésia, para algum país de África, qualquer país da Europa; se você for para a América do Norte, se você for para a América Latina, for ao meu país – o Brasil –, em qualquer país do mundo, se você disser para alguém que estamos no ano 6415, alguém vai dizer que você é louco, que você é maluco. Porém, se você disser que estamos em 2020 todo o mundo vai dizer: É isso mesmo! E olha, toma cuidado, coloca sempre um ponto depois do 20, senão podem fazer alguma coisa ruim, podem utilizar de má-fé contra você. Todos sabem que estamos no ano de 2020. Porquê? Porque lá naquela gruta de Belém uma criança nasceu praticamente sem nenhuma pompa humana e de repente ela se tornou a referência de toda a História da Humanidade.

A Humanidade também durante muito tempo teve um grande questionamento sobre o dia de descanso. Os judeus sempre acreditaram que o dia de descanso era no sábado. E em muitos países do mundo, até por rejeição ao judeus, as pessoas não queriam descansar no sábado. Porém, os cristãos, desde o início, falaram: O dia da Ressurreição é Domingo, o dia de descanso é Domingo.

Não vou citar nomes, vocês vão imaginar. Tem um país que está meio na Europa, meio na Ásia. Esse país diz assim: Vamos tirar de nós todas as referências cristãs. A semana, a partir de agora – isso aconteceu algumas décadas atrás, no período da revolução que tiveram – tem dez dias. Vamos produzir mais, vamos ganhar mais dinheiro, vamos ganhar mais tempo. A semana vai ter dez dias. O que aconteceu passado algum tempo? As pessoas começaram a ter depressão, sérios problemas de saúde, o gado no campo, no pasto, começou a ficar doente – a sociedade virou um caos.

Num outro país, bem no Sul da Ásia, de repente decidiram: O nosso dia de descanso, a nossa folga, não vai ser mais no Domingo. A partir de agora é sexta-feira. Isto não é uma suposição, isto que estou dizendo são factos. Porém, não deu certo. Porque os pais descansavam no Domingo, como é que as crianças iam ter folga do colégio na sexta-feira? Então as crianças iam para o colégio no Domingo, segunda, terça, quarta, quinta, e sexta e sábado era a folga das crianças no colégio. Mas a folga dos pais no trabalho era noutro dia. Aquilo começou a virar um caos na sociedade e de repente eles falaram, ainda que não tenham usado as mesmas palavras de Juliano, talvez o último imperador anti-cristão: “Tu vencestes, ó Galileu!”. No mundo todo se sabe que o dia de descanso é Domingo. Porque é que é Domingo? Dominus, em Latim, significa “Senhor”. Domingo é o dia da Ressurreição.

O problema do calendário, resolvido! O problema do descanso, resolvido! Porém, havia ainda um problema que precisava ser resolvido, que era o maior e mais difícil de todos, aquilo que sempre angustiou o Ser Humano, aquilo a que ninguém poderia dar uma resposta a não ser Deus – o problema da Morte.

Todas as pessoas são inseguras em relação à morte. Todas as pessoas se questionam em relação à morte. Porém, Jesus Cristo, com a Sua Ressurreição, venceu a Morte. Quando nós morremos não ficamos mais dormindo, quando nós morremos não é mais um estado vegetativo como acontecia antigamente com os judeus, que chamavam de “sheol”. No mesmo instante da nossa morte encontramos o Cristo. Mas o que é que aconteceu de facto, porque é que a História mudou? Nós encontramos no Texto de hoje, um texto belíssimo. Era Domingo pela manhã. O Domingo para os judeus, na verdade ele começava – o Padre já disse outras vezes – no sábado, quando as estrelas começavam a aparecer no céu. Então já era Domingo desde a noite e algumas horas, possivelmente no meio da madrugada, Maria Madalena… E aqui um detalhe muito importante. O que significa Maria Madalena? Madalena não é um apelido, Madalena não é um sobrenome. Madalena é um lugar, Maria de Magdala – Magdala é uma cidade que fica aproximadamente a 60 quilómetros de Jerusalém. Considerando-se os meios de transporte daquela época era um local longe. Maria Madalena ficou longe de casa, possivelmente sem nenhuma segurança humana, e logo de madrugada foi ao túmulo de Jesus; quando ela percebeu que não havia nada, ficou assustada. Ela não acreditava na Ressurreição. Voltou, e dois apóstolos foram junto com ela, representando o grupo. Um, o que era o primeiro Papa, era o líder do grupo, aquele que representava toda a Igreja. O outro era João Evangelista. E que bom que João foi junto com eles. Nada mais justo porque João foi aquele que acompanhou Jesus durante toda a vida. João não abandonou Jesus, nem durante a Cruz. Então João também estava presente no momento de irem ao túmulo. O Texto diz que o discípulo amado correu depressa, mais depressa que Pedro, e chegou primeiro. Aqui existem duas possibilidades para João ter chegado primeiro. Os teólogos da Igreja fazem duas interpretações: A primeira delas é uma interpretação um pouco mais física, ou pouco mais biológica, que diz que João era mais jovem e sendo mais jovem ele correu depressa e chegou primeiro. A outra interpretação é um pouco mais espiritual, um pouco mais teológica. João era mais apaixonado por Jesus e sendo apaixonado por Jesus ele chegou primeiro porque queria encontrar-se com o Mestre, mais do que São Pedro. Qual das duas é a correcta? O que significa que João tenha chegado primeiro? A Igreja não define um pensamento sobre isso e o Padre deixa cada um fazer a sua reflexão e cada um escolhe a sua opção. Porém, quando os dois chegaram no túmulo, Pedro entrou por primeiro. Pedro era o primeiro Papa. João e todas as pessoas respeitaram São Pedro. E de repente entrou também João e perceberam que Cristo tinha ressuscitado.

Uma pergunta que sempre provocou muito o meu coração e a minha mente sobre a Ressurreição: Porque é que Maria Santíssima, porque é que Nossa Senhora, que nunca abandonou o filho, que sempre esteve com Jesus, não foi buscar o corpo do seu filho? Maria não abandonou Jesus na Cruz, Maria não abandonou Jesus em Bodas de Caná, Maria não abandonou Jesus quando Ele precisava ser apresentado ao Templo. Porque é que Nossa Senhora não estava entre João, Pedro e Maria Madalena? Eu penso que só existe uma opção. E aqui ninguém pode ouvir opções de teólogos, pois eu não vejo uma segunda opção. Só existe uma: Maria não foi ao túmulo de Jesus, porque ela tinha a certeza que Jesus tinha ressuscitado. Maria não foi ao túmulo de Cristo porque ela tinha a certeza que ela não encontraria ninguém e nada lá. Você não precisa de procurar o que não existe. Se eu dissesse para vocês: “Procurem um elefante branco lá na Sacristia da Igreja”. Tenho a certeza que ninguém iria. Porquê? Porque não existe! Porque é que Maria não foi para encontrar-se com o túmulo de Cristo ou, melhor, porque é que Nossa Senhora, Maria, não foi para encontrar-se com o corpo de Cristo, o corpo de seu filho? Porquê ela sabia que o corpo não estava lá. Ela sabia que não precisava ir.

Queridos Irmãos e Irmãs, a Ressurreição de Cristo precisa de nos ajudar a ter uma fé madura, uma fé de verdade. Não podemos mais ser aquele cristão que quando tem um problema de saúde, um problema financeiro, uma briga na Igreja, uma decepção com o Padre, uma angústia e um conflito psicológico, abandona Deus. Quantas pessoas vivem pedindo sinais, provas, sentimentos… A fé não é um sentimentalismo. A fé é uma decisão! Existem alguns momentos da nossa vida que não podemos discernir mais. Há pessoas com 50, 60, 70 anos de idade ainda questionando a existência de Deus. Vão ser tolos lá longe! Ou acredita ou não acredita! E o que mostra que de facto acreditamos em Deus não são as nossas palavras, mas a nossa atitude de vida.

Querido Irmão e Irmã, aquele que mudou o calendário da História, aquele que fixou o dia da semana para ser o dia de descanso, ressuscitou! Isso significa: Não existe problema nenhum no mundo que não tenha solução para Jesus. Jesus poderia resolver o problema do coronavírus em 1 minuto. Quem ressuscitou a filha de Jairo, ressuscitou Lázaro, não resolve o problema de um vírus!? Nós já tivemos tantas pestes na Europa. No século IV, um terço da população foi dizimada, faleceu, morreu. Para Jesus resolver o problema do coronavírus não custa nada, seria muito fácil. “Padre, que Deus é esse, se é tão fácil resolver esse problema, se Deus é Todo-Poderoso, porque é que Ele não resolve este problema?”. Porque primeiramente Deus deseja resolver um problema muito mais profundo que está no coração do Ser Humano: o problema da GANÂNCIA, o problema da FALTA DE FÉ, o problema do INDIVIDUALISMO, o problema da HIPOCRISIA, o problema de uma VIDA DUPLA, o problema de ACHAR-SE AUTO-SUFICIENTE. Há muitas pessoas dizendo: Não preciso de Deus!

Uma vez aconteceu uma historinha, uma brincadeira, mas de facto aconteceu: Uma vez um filho estava indo para a praia, estava indo para o litoral, no Brasil, e a mãe disse assim: “Filho, tome cuidado e vá devagar”. “Ah, mãe, a senhora quer-me ensinar? A senhora já está velha”. “Filho, convide Jesus para ir junto contigo”. “Não tem lugar no carro para Jesus. Não quero nem saber de Jesus. Talvez tenha um lugar lá no porta-malas para Ele, que Ele vá no porta-malas do lado dos ovos”. E aí aquele menino foi para a viagem, descendo para o litoral, e aconteceu um acidente. Infelizmente, o carro ficou totalmente destruído. A única coisa que permaneceu intacta no carro foram os ovos. É bom lembrar que aquele jovem disse que só havia lugar para Jesus junto com os ovos no porta-malas… Não quero entrar em discussão se isso é um castigo de Deus, ou não, porque Deus não castiga. Mas algo é muito sério: Com Deus não se brinca! Com a Fé não se brinca! Que Deus ajude a cada um de nós! Uma pessoa muito próxima, uma amiga do Padre, dizia assim: “Padre, que Deus dê, de facto, uma transformação interior na nossa vida. Padre, que de facto Deus conceda a cada um de nós uma mudança do nosso coração”. E é isso que Deus quer. Muito mais do que resolver o problema do vírus – e vai resolver. Daqui a alguns meses tudo está resolvido, podem-me cobrar. Vai passar! Ele resolveu o problema até da morte. Pode resolver também o problema do vírus. Mas que Deus toque o nosso coração e nos ajude a resolver um problema muito mais sério.

Quando pensamos na Ressurreição, antes do Padre encerrar a reflexão, gostaria de repetir as palavras, ou pelo menos o pensamento principal daquilo que disse há algumas semanas atrás. São Tomás de Aquino disse que existem 4 frutos práticos da Ressurreição de Cristo na nossa vida: 1º fruto prático, primeira consequência prática, da Ressurreição de Cristo na nossa vida: A Ressurreição de Cristo faz vencermos a tristeza da perca de pessoas amadas. Todos nós já perdemos pessoas amadas, pessoas queridas, pessoas de que temos saudades. A Ressurreição de Cristo nos diz: A tristeza da perca não pode ser maior do que a serenidade e a confiança na Ressurreição. Quando você sofrer a saudade do pai, da mãe, do irmão, do filho, de um amigo, de alguém que já faleceu, lembre você mesmo: a certeza da Morte, depois da Ressurreição de Cristo, não pode ser maior do que a nossa certeza de que esta pessoa está com Deus. Reze, continue vivendo bem a sua missão aqui na Terra, e mesmo que seja difícil lembre a você mesmo que esta pessoa não era uma posse minha, eu não era desta pessoa. Este é o primeiro grande fruto da Ressurreição de Cristo.

2º grande fruto: Nós não precisamos temer a morte. Quando eu cheguei em Macau as pessoas falavam: “Padre, cuidado com o número 4. Se você não souber falar o número 4, você vai falar ‘morte’”. Com todo o respeito à cultura, mas eu teria medo de não morrer. Imagina viver para sempre aqui… Imagina não morrer… Quantos anos você tem? E aí eu pergunto: “Miguel, quantos anos você tem?” “Ah, Padre, agora eu estou com 5749”. Que sofrimento, imagina… “E agora o seu filho, o Miguelito, está com quantos anos, Miguel?” “Ah, agora ele está com 5702”. Mas que sofrimento, seria triste não morrer. Mas nós não acreditamos que morremos, nós acreditamos que ressuscitamos. Não tenha medo da morte!

O 3º fruto: Uma pessoa que acredita na Ressurreição de Cristo, ela começa a fazer o bem. Ela começa a praticar boas obras. Porquê? Porque ela quer ressuscitar com Cristo. Nós sabemos que o caminho mais seguro para a ressurreição é o amor. “Ah, Padre, então agora não precisa mais ir na missa. Só amar”. Uma pessoa que não participa da missa, uma pessoa que não reza, ela não ama por puro amor. Ela ama por interesse. Ela ama por comodidade. Nós vimos à missa para nos abastecermos, depois saímos da missa e transbordamos o que recebemos de Cristo.

Por fim, o 4º e último fruto: Se você realmente acredita na Ressurreição de Cristo, você vai querer se afastar do pecado. Você vai querer se afastar do erro. Queridos Irmãos e Irmãs, não é moralismo mas depois da Páscoa, e principalmente da Páscoa deste ano, a nossa vida não pode continuar a mesma. O que mais a Humanidade precisa para acordar, o que mais a Humanidade precisa para reflectir? Em mais ou menos, talvez, cinco, dez mil anos de História da Humanidade, nunca vivemos o que estamos vivendo. Aqueles que têm filhos, netos, vão contar para os filhos e netos. Você vai dizer: De um ponto ao outro da Terra, do Leste ao Oeste, do Sul ao Norte, todos pararam, porque um vírus estava assolando a sociedade. Antes era na Europa, antes era na África, antes era em algum país de outro local do mundo; agora parece que o mundo todo parou por causa do coronavírus.

Que esta Páscoa nos ajude a deixar tudo aquilo que nos afasta de Cristo, tudo aquilo que nos faz viver uma vida mesquinha, pobre e de morte. Possamos ressuscitar com o Senhor a partir de acções e de uma vida nova. E, principalmente, que possamos acreditar que com a Ressurreição de Cristo nada é impossível para Deus. Precisamos apenas acreditar.

Pe. Daniel Ribeiro SCJ

Igreja da Sé Catedral de Macau

12 de Abril de 2020

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