A Ideologia do New Age

A Ideologia do New Age

MICHEL LACROIX, DOUTOR EM FILOSOFIA, FALA SOBRE NOVA AMEAÇA GLOBAL

Já escrevi outros artigos, sempre muito bem documentados, sobre a Nova Era. Fiquei impressionado com o ódio destilado em tantos comentários ofensivos e com tantas ameaças e argumentos acusatórios e revanchistas. Alguns circulam até nas redes sociais. Esta reacção irada e até ameaçadora daqueles que dizem ser da paz e do amor, e que nada devendo, nada deveriam temer, incentivaram-me a pesquisar ainda mais sobre o tema. Descobri então um livro que me pareceu sintético e completo. Apesar de não ser habitual elaborar uma resenha de uma obra publicada na língua original em 1995, com quase 25 anos, o seu aspecto profético, análise fria e precisa, revelam que as hipóteses e dramas discernidos e previstos naquele tempo relativamente à Nova Era são hoje mais actuais e prementes do que nunca. O seu autor, Michel Lacroix, Doutor em Filosofia, é professor e investigador em numerosas Universidades e instituições francesas, possuindo numerosas obras e pesquisas, muitas delas sobre os problemas da sociedade e a evolução das ideologias, e como estas podem redundar em totalitarismos. Não se trata propriamente de um clérigo ou crente, pois não apresenta nenhuma afinidade religiosa a não ser a natural herança cultural da tradição judaico-cristã, que ele mesmo reconhece ter edificado o Ocidente tal como o conhecemos hoje. Por isso mesmo, os seus estudos sobre a Nova Era revestem-se de uma indiscutível imparcialidade, sobretudo em matéria religiosa, autoridade pelos seus conhecimentos filosóficos e sociológicos, além da capacidade de síntese e lógica que caracteriza tão bem os autores franceses. A editora que nos brindou com a tradução do texto para Português pertence ao Instituto Piaget. Ainda comercializa esta obra, mais uma entre tantas de qualidade filosófica indiscutível. A um preço acessível, pode encontrá-la à venda na Internet ou nas maiores e mais completas livrarias. É por esta razão, e pelo feedback que já me fizeram chegar outros leitores, que faço questão de apresentar uma breve resenha do livro “A Ideologia do New Age”.

Diante da presente crise de espiritualidade num Ocidente que parece despertar para as questões ecológicas a partir de dramáticas e mediáticas advertências, que se desencanta com a Ciência e começa a desafeiçoar-se à medicina ocidental alopática, surge uma humanidade em busca de um sentido para a existência e uma solução para os problemas e sofrimentos, características sintomáticas para o surgimento em força da pretensão relativamente a uma doutrina ou ideologia para invadir esses espaços de incerteza. Emerge então a Nova Era, a partir de uma divinização do planeta Terra, propondo paz, fraternidade e amor, um retorno ao religioso mas não aos dogmas, certa contracultura, terapias alternativas, auto-cura e auto-ajuda, um voltar-se da sociedade em geral para os temas e espiritualidades orientais e a procura ideológica de uma salvação terrena, visando assim atingir o homem todo e todos os homens. Tudo isto poderia parecer muito bonito, se não fosse uma mera aparência que esconde um mix totalitário e sectário que visa despojar o homem e a civilização de tudo aquilo que conhecemos e herdamos. A esta mesma conclusão chega Michel Lacroix. Mas antes, faz um oportuno resumo acerca do processo que levou a New Age tornar-se ameaçadora para o bem-estar pessoal e mundial: A década de 60 foi rica em revoluções estudantis e sociais pródigas em despertar nos mais jovens temas alinhados com os ideais dos novos tempos. A droga como uma forma alienante capaz de inserir em novas místicas, os “hippies” pacifistas e ecológicos, a ideia da ciência e da técnica como destruidoras da natureza, novos e coloridos símbolos que podemos encontrar nas faces pintadas dos jovens enfrascados em LSD no Woodstock, e que são os mesmos símbolos presentes hoje nos livros e obras da Nova Era. A minha dúvida, que o autor não esclarece, é se tudo isto foi pensado ou apenas instrumentalizado. As obras mais entrosadas da ideologia aclaram que foi o despertar da Gaia, a deusa terra, a incutir nas mentes através de vários modos, que vão da música aos Meios de Comunicação, uma mentalidade una, um despertar conjunto do Planeta. Um projecto que veio do interior da terra, de um cérebro vivo…

Foi também das profundezas da terra que uma família escocesa escutou vozes para se instalar em Findhorn. Uma espécie de elfos ou duendes fizeram o apelo, garantindo que essa nova comunidade seria ajudada pelos devas, seres não humanos que de acordo com o Budismo sofrem e estão sujeitos a venenos mentais… A partir de então surgiu uma comunidade, hoje uma Fundação, onde a Nova Era diz viverem os primeiros seres humanos evoluídos, uma sociedade não democrática, mas uma espécie de teocracia onde todos são submissos aos membros ditos mais “esclarecidos”. Passados cerca de cinquenta anos desse acontecimento, a Nova Era dotou-se de doutrinas e apadrinhou espiritualidades orientais e medicinas alternativas que de alguma forma espelham algum ponto da sua doutrina. Vai buscar à Astrologia o significado para o seu nome, afirmando que os alinhamentos celestes revelam que vem aí um novo período, a era do Aquário, que supera as anteriores, do Touro (egípcios, babilónios, etc.), Carneiro (Judaísmo), Peixes (Cristianismo) e agora estaríamos a entrar numa Nova Era, que durará mais de dois mil anos e que será o despertar de Gaia, da deusa terra, um cérebro global, em que todos se fazem um, sem fronteiras, sem indivíduos, culturas próprias ou tradições, sem deuses. O homem será um com Deus, com a terra, com os demais. Para justificar as suas posições a Nova Era chega a citar o panteísmo de Giodano Bruno, alguns autores mais obscuros do Renascentismo ou instrumentaliza mesmo algumas doutrinas dúbias do padre jesuíta Teilhard de Chardin, que teve problemas com a Santa Sé devido a algumas posições mais heterodoxas. Procuram também uma aproximação à Ciência, escudando-se nos argumentos científicos que lhes convêm, geralmente interpretações literais ou pouco unânimes nesse sector. Michel Lacroix revela que pouco ou quase nada é científico nas matérias da Nova Era, até pela sua ideologia anti-cientificista, que começa por não aceitar sequer os métodos cartesianos (a New Age tem Descartes como um inimigo das suas postulações). O livro dedica um capítulo inteiro a esta questão e volta a ela diversas vezes. A Nova Era diz apoiar-se na Ciência, embora nela quase nada seja científico, pretendendo até uma instrumentalização da Ciência à ideologia, subserviente, como quase tudo nessa espécie de totalitarismo ideológico e religioso absorvente das mentes e saberes.

A Ideologia do New Age revela esta nova versão, talvez inédita, de se impor como um novo totalitarismo. Uma lavagem ao cérebro dos homens, para que todos pensem da mesma forma, um pensamento da Totalidade e da Unidade que representa, para o autor, uma ameaça para o homem. Pois este perde toda a sua identidade, o conceito de indivíduo e de sociedade, fruto da cultura greco-latina e judaico-cristã. Para tal alienação, esta seita (assim a apelida o relatório da Comissão de Inquérito Parlamentar sobre as seitas – Relatório GUYARD, 1996, citado pelo autor) serve-se de técnicas de meditação, espiritualidades orientais, música e realidade virtual, técnicas de psiquiatria, chás e plantas ou outros alucinógenos (drogas), medicinas alternativas, gnose e até mesmo extraterrestres, livros de espiritualidade e ajuda, chegando inclusive à dietética. Segundo o autor, o New Age aproveita-se de tudo isto para doutrinar. Entretanto, a instrumentalização de algumas doutrinas budistas, taoistas, entre tantas outras, formam, segundo Lacroix, um “orientalismo cosmetizado” capaz de horrorizar os verdadeiros orientalistas. Até mesmo o monoteísmo, sobretudo a ideia de um Deus pessoal, e as relações do homem com Ele, ficam comprometidas num “eu-deus”, “deus-eu”. Destrói a religião, a política, a pessoa na sua liberdade e criatividade, tudo fica absorvido pela ideologia. Assim, a nova ordem política e social da Nova Era deve ser absorvida pela ideologia, onde não há divisões, mesmo dos poderes legislativos, executivos e judiciais, nem Estado-nação, mas um governo mundial que vem do cérebro do centro da terra, formando uma só consciência sob o báculo do messianismo religioso da seita. Uma aristocracia espiritual de devotados ao serviço da Gaia. Um pseudo-plano de salvação da terra que esconde o recrutamento e a exploração totalitarista da ideologia. Por isso, de acordo com Lacroix, o New Age contradiz o ideal do homem livre e racional. Um maremoto destruidor que, segundo o autor, necessita de uma educação à altura que faça frente ao desafio. Que esta breve resenha de uma obra que aprofunda estes temas seja um humilde e denunciatório contributo para tal.

Pe. José Victorino de Andrade 

Sacerdote ao serviço do Santuário de Fátima

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