Santa Casa poderá apoiar Misericórdias em Díli e Malaca
A promoção dos valores da paz, da solidariedade e do desenvolvimento, a difusão das novas tecnologias e da economia digital, e o fomento à reabilitação do movimento das Misericórdias no continente asiático são os princípios fundamentais da “Declaração de Macau”. O documento, assinado esta semana no território, define as linhas orientadores do trabalho a desenvolver pela Confederação Internacional das Misericórdias ao longo dos próximos dez anos. A Santa Casa da Misericórdia de Macau pode vir a ajudar a reabilitar obras de Misericórdia em Timor-Leste e na Malásia.
As Santas Casas de todo o mundo estão apostadas em relançar o movimento das Misericórdias no continente asiático, num processo em que a experiência adquirida ao longo de quatro séculos e meio pela Irmandade da Santa Casa em Macau deve servir como referência.
A reactivação das obras de Misericórdia na Ásia – nomeadamente em Díli e em Malaca – é um dos principais pontos da “Declaração de Macau”, documento assinado na passada terça-feira, no final do 12º Congresso Internacional das Misericórdias. A declaração define as linhas orientadoras da acção da Confederação Internacional das Misericórdias (CIM) para os próximos dez anos. Na sessão de encerramento da reunião magna, certame que se realizou pela primeira vez na Região Administrativa Especial de Macau, o presidente do organismo, Manuel de Lemos, reiterou a disponibilidade da rede mundial de obras de Misericórdia para se constituir como o «braço social» da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”. «É da responsabilidade das Misericórdias estarem atentas ao desenvolvimento geoestratégico das políticas internacionais dos Estados a que pertencem. Cientes do cenário criado pela Nova Rota da Seda, da responsabilidade do Governo Chinês, o Congresso Internacional das Misericórdias demonstra a sua disponibilidade para assumir o papel de braço social deste projecto», afirmou o dirigente.
Reunidos durante dois dias numa unidade hoteleira de Macau, os representantes das Misericórdias elegeram a promoção “dos valores da paz, da solidariedade e do desenvolvimento”, a difusão das novas tecnologias e da economia digital, e a reabilitação do movimento das Misericórdias na Ásia como as grandes prioridades para a próxima década.
Com a recente constituição, em Timor-Leste, da Misericórdia de Díli, a Santa Casa de Macau deixou de ser a única com os pés fincados no continente asiático. António José de Freitas, provedor da obra fundada há 450 anos pelo bispo D. Melchior Carneiro, está convicto que a Misericórdia de Díli pode contribuir para o desenvolvimento de Timor-Leste e abriu as portas à edificação de laços de cooperação entre as duas instituições. «Com a situação mais estável em Timor, penso que a reactivação da Misericórdia de Díli terá boas hipóteses. Da parte da Irmandade de Macau, naquilo que estiver ao nosso alcance e no que toca à reactivação desta Misericórdia, que está muito perto de nós comparativamente com as outras, iremos ponderar seriamente esta hipótese», assinalou o responsável.
Provedor da primeira Santa Casa a ser fundada fora de território europeu – a de São Tomé e Príncipe –, Acácio Bonfim regressa ao pequeno arquipélago equatorial com o coração cheio e expectativas superadas. O dirigente sustentou que a participação no congresso serviu, sobretudo, para perceber como é que as outras instituições abordam problemas e desafios similares e saudou o facto da iniciativa ter sido coroada com a promulgação da chamada “Declaração de Macau”. «É algo que encaixa perfeitamente nas necessidades dos dias de hoje; primeiro, porque é necessário que as Misericórdias passem a ser cada vez mais entendidas pelas autoridades nacionais e internacionais, como o braço direito dos Estados para a concepção e resolução de políticas sociais», defendeu Acácio Bonfim. «Por outro lado, também porque as Misericórdias já vêm demonstrando as suas capacidades de realização, é necessário que os Estados as tenham como verdadeiros parceiros», acrescentou o provedor da Santa Casa da Misericórdia de São Tomé e Príncipe.
A Confederação Internacional das Misericórdias deve fazer chegar a “Declaração de Macau”, entre outros, ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas. António Guterres felicitou a rede mundial das obras de Misericórdia pelo trabalho desenvolvido no campo da assistência à infância e à terceira idade, numa mensagem de vídeo transmitida na segunda-feira, durante a sessão de abertura do Congresso Internacional das Misericórdias.
OS OLHOS NA CHINA
Realizado pela primeira vez no território, o certame trouxe até Macau os responsáveis por mais de duas centenas de Misericórdias de vários países e continentes. Na iniciativa participaram ainda, como convidados de honra, dois antigos governadores de Macau, os generais Vasco Rocha Vieira e Garcia Leandro.
Primeiro Governador do território no pós-25 de Abril, José Garcia Leandro considera que o desejo manifestado pela Confederação Internacional das Misericórdias, de se afirmar como «o braço social» da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” nada tem de descabido. «Relativamente ao futuro, no âmbito dessa iniciativa da Nova Rota da Seda ou do projecto da Grande Baía, pode haver a necessidade de um braço social. A China está a sofrer e vai sofrer uma grande transformação, onde essa componente social é importante. Nunca um Governo ao longo de toda a história da Humanidade foi responsável por mil e 400 milhões de habitantes», salientou o antigo inquilino do Palácio da Praia Grande. «A transformação é lenta e não pode ter apenas por base a exportação do que se passa no Ocidente. É um processo com alguma lentidão onde a componente social é, de facto, muito importante. A Santa Casa da Misericórdia pode ter um papel», assumiu Garcia Leandro.
O envelhecimento da população e a fragilização dos mecanismos de assistência social associados aos Estados são desafios comuns ao Oriente e ao Ocidente. A experiência adquirida pelas Santas Casas da Misericórdia na resposta às necessidades dos idosos pode ser útil às autoridades chinesas, referiu o padre Vítor Melícias. «A história das Misericórdias no mundo – em Portugal, no Brasil e mesmo em Macau – é a história de estarmos atentos ao que é mais necessitado. Como a China é um país enorme, com uma enorme capacidade e com uma quase explosão de desenvolvimento e de progresso, ela própria estará atenta a quais são as suas primeiras necessidades. Utilizar instrumentos da sociedade civil – sejam estes ou outros – é certamente o caminho», acentuou o sacerdote e presidente emérito da Conferência Internacional das Misericórdias.
Marco Carvalho