Liberdade responsável para uma formação com valores
A Educação será integral e cristã se for tecida com razões científicas e cristãs de transcendência, da mente e do coração. Em dois mil anos, a Igreja encontrou sempre obstáculos e perseguições; Cristo nunca disse que ia ser fácil segui-Lo.
A Sua Igreja foi encontrando a sabedoria prática de não fazer tudo o que os cristãos pensam que seria de fazer, o científico e muito técnico, nem será isso o mais importante, mas ir realizando o que lhe fosse possível, principalmente, a oração com amor, apesar dos obstáculos à evangelização em todos os países. Se não vos aceitarem numa casa, disse Jesus, ide a outra, se numa cidade vos perseguirem ide a outra. Eu estarei sempre convosco.
Por entre métodos, programas de evangelização e os desígnios de Deus, não faltam surpresas. A poesia dirá, por vezes, o sentido mais profundo, difícil de dizer em prosa, como se reza nos Salmos. Associa a arte de surpreender e ser surpreendido; e diz que não vale a pena teimar ir por um caminho que não leva ao sentido da plenitude a que se anseia. A poesia pode alertar e sugerir caminhos para se relacionar com Deus transcendente sem limites.
O Evangelho é um tesouro em estilo de surpresas. A sua verdade evangélica e a poesia evitam a ambiguidade humana que tantas vezes conduzem ao mesmo sentido mundano. Diz sim ao vinho novo das núpcias de Canaá e não ao consumo de panos velhos de vendedores de armadilhas.
Fala-se pouco de ecologia integral e menos se aplica à liberdade e responsabilidade dos actos da pessoa, tanto benéficos como prejudiciais. Não se limita a discursos sonantes mais virados para o que os Governos e algumas empresas deveriam fazer e se recusam fazer por motivos de mais lucro. E viram-se pouco para o que cada um pode e deveria fazer pela sua saúde e bem-estar integral.
É habitual repetir-se: Deus perdoa sempre, os homens perdoam às vezes, a natureza nunca perdoa. Certo. Há, porém, outros ditados mais fortes e chocantes: quem as faz paga-as. Como me pareceu ficar claro em mesa de congresso internacional em Colombo (Sri Lanka) sobre o que faziam as religiões: Budista, Igreja Católica, Igreja Anglicana, Hindus e Islão, em relação à prevenção do consumo e problemas de drogas e alcoolismo. Talvez os budistas insistam mais no sentido de responsabilidade integral com o seu princípio do karma: cada pessoa é responsável pelos efeitos dos seus actos pessoais.
Na cultura actual ambígua do Ocidente o modo de falar de liberdade deixa por vezes a impressão de não haver responsabilidade dos seus efeitos sobre a saúde pessoal e os problemas sociais. Perante tantos que chegam à Europa de países já evangelizados para evangelizar os europeus é inevitável pensar na afirmação de que “os sucessores dos povos evangelizados no passado evangelizam os europeus descristianizados de hoje”.
Será que ao apontar limitações na vida religiosa na Europa por parte da literatura romanceada dos últimos séculos se criticam mais conventos e seus religiosos do que se reconhecem os seus méritos? Falta investigar as fontes directas dos conventos registadas pelos próprios para traçar um quadro mais correcto.
No Século XIX as taxas de analfabetismo eram altas. Pergunta-se: quem e onde se ensinavam a ler e escrever os poucos que apesar de tudo aprendiam. Seria só nas escolas? Alguns aprendiam com os párocos, seminários e familiares, e outros eram ensinados nos mosteiros e conventos. Estes, desde a Idade Média, foram sempre focos de ensino.
Aplica-se à Educação, aos Cuidados de Saúde e à Ecologia o conceito de integral. Apesar dos passos dados para definir este conceito exigente, ainda falta investigação para dispor uma escala aceitável das dimensões da pessoa integral. Quem poderá responder a todas elas na relação educativa, nos cuidados de saúde e na abordagem ecológica?
A Organização Mundial de Saúde define a saúde como bem-estar psicológico, social e espiritual. João Paulo II usou o conceito de estado de harmonia. Alguns já acrescentam a dimensão de transcendência, mas fica-se aquém do conceito cristão de espiritualidade e transcendência, à imagem e semelhança de Deus, talvez porque a relação é de ligação entre duas pessoas em tensão de plenitude integral: nela se insere, no âmbito da fé cristã, a relação e comunhão com Deus e Jesus Cristo, Filho de Deus e o Espírito Santo.
E ainda uma questão: será que educar e formar aumentam as necessidades e a ansiedade? As escolas de todos os níveis induzem alguma ansiedade perante os objectivos. É inevitável criar novas necessidades para motivar as crianças e jovens a satisfazê-las. Difícil é formar no discernimento das necessidades integradoras e desintegradoras.
Os supermercados de desejos, sonhos e desilusões de se ser dos maiores nos consumos de quase tudo, mesmo do que vai afectar a liberdade, a saúde e a vida, assediam a todos. Nem sempre é fácil separar os desejos de mais maturidade e integridade livre das ilusões que impedem e limitam a liberdade interior e exterior.
As estratégias da publicidade e exposição a coisas inúteis e prejudiciais induzem ansiedade nas crianças, jovens e adultos. Como discernir se as inovações vão sair mais caras e mais frustrantes?
O marketing veste-as de conveniências formativas, de auto-estima, vaidade, prazer, de não ficar atrás. Vive-se sempre em campos minados e nem sempre se dá por isso. São Agostinho, na sua regra, exprimiu com sabedoria: «melhor é necessitar menos que ter mais». Afinal, cerca de metade dos problemas de saúde e sociais podem vir das necessidades do inútil e do prejudicial.
Pe. Aires Gameiro
Membro da Ordem Hospitaleira de São João de Deus