CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXXII

CISMAS, REFORMAS E DIVISÕES NA IGREJA – CLXXII

Os Quakers – IX

Cada pessoa é amada e guiada por Deus, acreditam os Quakers. Em termos gerais, Deus existe em todos. Todos são conhecidos por Deus e podem conhecê-lo, num relacionamento directo. Os crentes são chamados a cuidar dessa relação, a mantê-la e a serem guiados por ela. Os Quakers usam muitas palavras para descrever o Divino, além de Deus: Luz Interior, Cristo, Espírito, Semente e Mestre Interior. Considerem-se ou não cristãos, as suas raízes são cristãs, mas em abertura a outras dimensões religiosas.

A fé quaker é curiosa, dir-se-ia. Parece até que podem acreditar em qualquer coisa em que quiserem acreditar. Mas será assim? Como não há um livro sagrado, a palavra de Deus é como que “convidada”, segundo os quakers, a ser escrita no coração de cada um, não no papel ou num livro. Porque não têm credo. Um quaker pretende submeter-se, de forma aberta e sincera, à Vontade Divina, acreditam pois que são guiados por uma Sabedoria que é mais convincente e profunda do que os próprios pensamentos e sentimentos, que consideram mais superficiais.

Um crente pode ser conduzido em direcções ou receber entendimentos que talvez não tenha escolhido apenas por preferência pessoal, mas sim por abertura de espírito e por se deixar guiar. Pode parecer fácil, dizem os “teólogos” quakers, mas nem sempre é. Um indivíduo sozinho pode-se perder ou errar, enganar e falhar. É por isso que a comunidade é importante para os quakers, pois assim podem recorrer uns aos outros em busca de ajuda e apoio para se fazerem escolhas importantes, tomar decisões, ou para seguir o exemplo de outros que vivem ou viveram vidas em fidelidade e harmonia, cujas reflexões acabam por ser luminárias para as comunidades. Como podem recorrer à Bíblia, que não é sagrada nem um texto fundamental, mas antes uma fonte de inspiração, orientação, de visão, nunca uma autoridade final. Apenas, como vimos, como um escrito de sabedoria, de luz interior e discernimento. Mas muitos não a leram nem lhe dão valor.

O PRESENTE É O MAIS IMPORTANTE

Os quakers acreditam no céu e no inferno, perguntam muitos… Nem por isso, para eles o mais importante e o maior da vida de um quaker reside no tempo presente, na experiência do seguimento da direcção da Luz nas vidas no mundo actual, no presente. Mas a liberdade espiritual quaker permite que alguns tenham concepções próprias sobre crenças acerca da vida depois da morte.

Mergulhar em si próprio é importante para um quaker, na sua adoração silenciosa, numa forma de espera da Luz Interior. Mas em grupo, em comunidade, para se reunir o amor e fidelidade do grupo. E se a inspiração vier, qualquer um pode falar, seja adulto ou criança. Falar no silêncio, que recomeça depois. Mas o silêncio pode ser total e sem quebras. Depois, alguém sinalizará o encerramento da adoração apertando a mão de outro e, em seguida, todos apertarão as mãos dos que estão sentados nas proximidades, terminando a adoração.

Para os quakers, os Sacramentos são entendidos como uma experiência interior espiritual, não têm a importância ou ritualidade, cerimonialidade, de outras confissões. Os “sacramentos” não existem para serem vistos ou assistidos, mas para serem vividos de forma individual, quando muito. Não há, assim, Baptismo ou Comunhão. Em síntese do que atrás recordamos, pensemos nas palavra do fundador, George Fox: «O Espírito Divino está em cada ser humano. Todos têm acesso imediato a Deus e Deus a nós. Visto que somos todos ministros, não precisamos de padres ordenados, nem de edifícios consagrados, nem da celebração externa dos sacramentos. A adoração é mais abençoada quando nos reunimos em silêncio expectante para esperar a orientação de Deus, que vem por meio da quietude ou da palavra daqueles que são movidos a falar. Um retorno ao “cristianismo primitivo” permite que todos sigam verdadeiramente a religião do amor ensinada por Jesus como um modo de vida e o único modo que deve permear nossa vida diária».

Neste sacerdócio universal, a crença genuína não pode ser em «segunda mão», como dizia George Fox. Ou seja, o que é que cada um de nós pode dizer sobre algo, em vez de seguirmos aquilo que outros disseram? A crença de que existe “Deus em cada um” é a base fundamental do Quakerismo.

Desta forma, a espiritualidade quaker defende a eliminação da necessidade de um “ministro mercenário”, como referem os seus crentes, ou “outro intermediário entre o indivíduo e Deus”. Porque cada um tem a oportunidade e a obrigação de procurar a liderança de Deus, tanto individual quanto colectivamente, nomeadamente na adoração. Defendem ainda que tal como os escritores que compuseram os textos da Bíblia foram inspirados, também a manifestação da Luz Interior, “Deus”, pode permitir em cada crente a experiência da revelação contínua de Deus. Daí que a concordância da igualdade e respeito a todos seja um imperativo, pois todos podem experimentar a Luz Interior. Como é possível a qualquer um exercer a liderança para responder às necessidades de todos, embora de forma igualitária e sem preponderâncias.

Os quakers recusam também fazer juramentos, pois há apenas um único padrão de verdade, não vários nem se pode adaptar. Na fé quaker, o padrão de verdade é tão somente o compromisso de viver simplesmente para que os outros possam simplesmente viver. Por isso, existe a convicção de que a paz pode ser melhor alcançada pelo esforço de confiar no amor, em vez de reagir ao medo.

Os quakers não têm credos, como dissemos, desde há 350 anos até hoje. Têm testemunhos de vida e experiência, sim, pois consideram que estes são mais importantes que os credos: estes últimos são doutrinários ou teológicos, dizem, enquanto os testemunhos são espirituais e éticos. Uma das preocupações mais importante dos Amigos assenta na crença de que a vida exterior de uma pessoa, aquilo que ela revela e mostra, deverá dar testemunho da verdade discernida interiormente, do que a pessoa é em si. Deste modo, podemos falar em quatro testemunhos principais que o indivíduo deve exalar, interligados entre si: o da Igualdade, pelo qual Deus existe em cada pessoa e cada um tem oportunidade de expressar essa divindade; o da Integridade, em que cada pessoa deverá estar verdadeiramente em harmonia consigo mesma e ser íntegra espiritualmente, ou seja, tem que viver as suas crenças activamente; a Paz, que é o testemunho básico que mostra uma preocupação positiva em evitar conflitos e reforça o compromisso com a não violência na resolução de todas as questões de tensão; e por fim, a Simplicidade, o compromisso de viver de forma simples para que os outros simplesmente possam viver, evitando excessos, vivendo intencionalmente e sem hesitações na bondade, sendo fiel, enfim, às suas próprias crenças.

Vítor Teixeira

Universidade Católica Portuguesa

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