Carreira em Portugal com o coração em Macau
A família Rozan, bem conhecida em Macau, está radicada no território há várias gerações, tendo desempenhado funções nos mais variados sectores de actividade.
Cecília Rozan, filha de um antigo enfermeiro muito popular em Macau, nasceu em Hong Kong no ano de 1975, ainda no fervor da Revolução dos Cravos em Portugal. Ao contrário de muitos jovens da sua idade, Cecília viveu a infância na Taipa, muito por força da profissão do pai, que estava destacado nessa ilha como enfermeiro dos Serviços de Saúde de Macau.
Assim que chegou à idade de ingressar na escola primária, teve de começar a efectuar viagens diárias para Macau porque os pais escolheram o Colégio de Santa Rosa de Lima. Este estabelecimento de ensino acolheu muitos dos macaenses da sua geração, sendo muito fácil encontrar bilingues no território, na casa dos quarenta anos, que passaram pela famosa instituição.
Depois do Ensino Primário, ingressou no Liceu de Macau, onde estudou até 1995, ano em que teve de embarcar até Portugal para prosseguir os estudos. À semelhança de muitos colegas que optaram pelo Ensino Superior em língua portuguesa, deixar Macau foi a única opção, com Portugal como destino mais natural. Com apenas vinte anos chega a Lisboa, cidade onde ainda hoje reside.
Para trás deixou uma juventude e adolescência cheia de peripécias e brincadeiras, mas também de muito empenho nos estudos e apoio familiar. Enquanto criança na Taipa – naquela época ainda pouco desenvolvida e com muitos campos de cultivo e espaço livre – Cecília e o irmão Filipe Rozan passavam o tempo em passeatas de bicicleta que envolviam sempre outros amigos (chineses, macaenses e portugueses), que também viviam do “outro lado”. Naquele tempo não havia muitas famílias radicadas na Taipa, mas tal não impedia os petizes de se divertirem, porque a sua criatividade e facilidade de comunicação não era um entrave.
Quando começou a frequentar a escola na península de Macau ingressou também nos escuteiros, passando esta organização a ocupar grande parte dos tempos livres. Ao mesmo tempo reconhece que «os escuteiros tiveram uma grande influência» na formação da sua personalidade, transformando-a «numa pessoa adulta».
Para além de todas as actividades ao ar livre que a Macau desse tempo proporcionava, havia ainda tempo para as brincadeiras da época, ou não tivessem os anos oitenta sido marcados pela grande euforia dos jogos de computador, da Nintendo e outros. Muitas tardes foram passadas em casa deste ou daquele amigo, em grandes grupos, de volta da consola de jogos, de olhos colados ao televisor da sala da casa da família que fazia de anfitriã nesse dia. Tardadas que se prolongavam horas a fio. E quando não era a Nintendo eram outros jogos, com grande predilecção para os berlindes. Apesar de ser um jogo predominantemente masculino, Cecília nunca disse que não a uma partida aguerrida de berlinde na mão.
Embora tenha saído de Macau em 1995, nunca deixou de viver o território. Mesmo depois de ter optado por ficar a trabalhar em Portugal, manteve sempre uma forte ligação à terra que a viu crescer. Exemplo dessa relação estreita é o facto de voltar todos os anos. O primeiro regresso a Macau deu-se nas férias do Verão de 1996. O facto de repetir a viagem todos os anos permite-lhe assistir a todas as transformações que a cidade tem sofrido.
Cecília considera que «Macau continua a mesma Macau» que deixou há mais de duas décadas, não deixando de reconhecer que «a passagem de soberania de 1999 foi um episódio que transformou o território de forma irreversível».
Com mais de vinte viagens a Macau desde que saiu pela primeira vez em 1995, admite que «após 20 de Dezembro de 1999 Macau deixou de ser o meio familiar a que estava acostumada, especialmente pelo exponencial aumento da comunidade chinesa que descaracterizou, de certa forma, o ambiente tradicional que se vivia». Não defende que ficou pior, mas que «apenas mudou em comparação com o que antes conhecia».
Quando confrontada com a comparação, à distância, entre a Macau da sua juventude e a Macau da actualidade, é peremptória em afirmar que se «perderam costumes tradicionais». Numa análise actualizada, visto ter estado da última vez em Macau em Dezembro do ano passado, diz que «comparando com a Macau dos anos oitenta e noventa perderam-se valores tradicionais. A convivência de antigamente desapareceu, assim como a própria qualidade de vida».
Procurando sempre nunca abordar o assunto de forma séria, o regresso a Macau terá sido «ponderado várias vezes», visto que é onde toda a família reside e estão as suas raízes. Por razões profissionais, Cecília optou por trabalhar e fazer carreira em Portugal, país que também considera como seu. O regresso a Macau faz-se todos os anos «para matar saudades, ver os pais, o irmão, os sobrinhos e restante família e amigos».
Quanto ao futuro, ninguém sabe o que poderá acontecer. Para já está em Portugal e é onde quer continuar a desenvolver a actividade profissional. De Macau guarda «as saudades normais de uma jovem de vinte anos…».
JOÃO SANTOS GOMES