A compaixão é, tal como a paz e a alegria, um efeito ou fruto da caridade. A caridade é compassiva: Deus é compassivo e o amor fraternal é compassivo. Para São Tomás de Aquino, a compaixão é a maior virtude em relação ao nosso próximo. A caridade é a maior virtude em geral.
A compaixão é uma aceitação voluntária dos sofrimentos do outro. A compaixão é partilhar os sofrimentos e as dores dos outros. A empatia é mais ampla do que a compaixão ou a simpatia. É sentir os sofrimentos, bem como as alegrias do outro. A compaixão é contra a apatia, ou indiferença, e a antipatia, ou condenação daqueles que são diferentes e/ou pobres. Compaixão, ou com paixão: ser solidário com os outros; ser capaz de se colocar no lugar do outro. Estar no lugar do outro é estar perto das vítimas da pobreza, da injustiça e da violência: “A única coisa que dá origem à compaixão é a paixão pelos outros” (Felicísimo Martínez).
Deus é compassivo (cf. Ex., 34, 7), maternal (cf. Is., 49, 15; Jr., 31, 20) e paternal (cf. Sl., 103, 13; Is., 63, 15-16). É amor materno (cf. Is., 49, 15). Esta compaixão é eterna (cf. Sl., 117) e inclui o perdão (cf. Mc., 11, 35; João Paulo II, Dives in Misericordia). Ao contrário do servo implacável, Deus é compassivo (cf. Mt., 18, 21–35), como o pai do filho pródigo (cf. Lc., 15, 11–32), como o empregador generoso (cf. Mt., 20, 1–16).
Jesus, o Filho de Deus, é compassivo. Ele é misericordioso como o Bom Pastor e o Bom Samaritano (cf. Mc., 1, 4; Lc., 10, 33). Ele é infinitamente compassivo: perdoou tudo (cf. Lc., 23, 34); teve a compaixão da multidão (cf. Mt., 9, 36; 14, 14; Mc., 6, 34, 8); sempre ouviu aqueles que lhe pediam compaixão (cf. Mt., 9, 27; 15, 22; 17, 15; 20, 30; Mc., 10, 47; Lc., 17). A encarnação redentora de Cristo é a obra suprema do amor misericordioso e compassivo (Suma Teológica).
A história do Bom Samaritano influenciou grandemente a vida cristã e, de maneira particular, a prática médica. O Bom Samaritano foi movido pela compaixão.
A compaixão ou misericórdia é uma virtude e um acto próprio da caridade. Curiosamente, o vício mais oposto à misericórdia é a inveja (ST). Misericórdia: “misericordia” (miserum cor), entristecer-se com a miséria ou aflição do outro como se fosse sua e fazer algo a respeito ou ajudar a pessoa necessitada. A compaixão, se for uma paixão sensível diante da miséria do outro, é uma paixão ou sentimento, mas não uma virtude. Se for uma paixão livre ou movimento da vontade despertado pelo sofrimento de outra pessoa, e fazer algo positivo a respeito, é a virtude da compaixão ou misericórdia. Segundo Bañez, a misericórdia é uma virtude moral cujo objectivo é remediar a miséria dos outros.
Como seres humanos, como cristãos, temos de ser compassivos:
Se desejas a felicidade dos outros, sê compassivo. Se desejas a tua própria felicidade, sê compassivo (Dalai Lama). Através da misericórdia, participamos na vida de outros seres humanos e na vida da Trindade (cf. Dives in Misericordia).
A misericórdia deve informar todas as relações humanas sem anular os requisitos objectivos da justiça (Dives in Misericordia n.º 14). Uma das personagens de Dostoiévski diz a outra: «– Vós tendes justiça, mas faltai-vos compaixão. Portanto, vós sois injusto».
Edmund Pellegrino e David Thomasma escrevem: A “compaixão de Cristo é mais do que piedade ou simpatia. Ela transcende o trabalho social, a filantropia e os programas governamentais. É a capacidade de sentir e sofrer em particular com a pessoa doente”.
A compaixão é uma virtude essencial para os profissionais de saúde. É particularmente importante no fim da vida, quando se enfrenta o sofrimento do outro. No entanto, quando a compaixão é usada como motivo para a eutanásia, é terrivelmente abusada: a “misericórdia” da “eutanásia” não é verdadeira, mas falsa e imoral.
O objectivo dos profissionais de saúde é curar quando possível e cuidar sempre. Curar significa meios terapêuticos eficazes que basicamente restauram a saúde. Cuidar tem um significado mais amplo: inclui curar, mas também cuidados preventivos e cuidados paliativos – quando a cura não é possível. Cuidar é uma espécie de compaixão prática: “Compaixão é cuidar com paixão” (Ma. Socorro Guan Hing). W. Barclay escreve: “Para um cristão, a vida é um processo de aprender a cuidar – como Deus” (“Ethics in a Permissive Society”). «Lancem as vossas preocupações sobre Deus, porque Ele cuida de vós» (1 Pedro 5, 7).
No livro “The Christian Virtues in Medical Practice”, os seus autores, Edmund Pellegrino e David Thomasma, falam eloquentemente da caridade como o princípio ordenador da ética cristã.
A caridade “informa” os princípios éticos com o espírito das Bem-aventuranças, incluindo, em particular, os princípios “prima facie” de não maleficência, beneficência, justiça e autonomia. Como alguns outros bioeticistas, Pellegrino e Thomasma não falam da não maleficência como um princípio, mas como um estágio da beneficência.
Na perspectiva da caridade, o princípio da beneficência vai além da não maleficência (primum non nocere – em primeiro lugar, não causar dano) e da mera beneficência (fazer o bem ao paciente) para alcançar sacrifícios heroicos, como no caso de São Francisco de Assis, Santa Teresa de Calcutá ou Padre Damião com os leprosos.
A caridade fornece uma única motivação para os princípios bioéticos: a motivação do amor. Ela actua como “um princípio de discernimento e uma referência contra a qual o cristão mede concretamente, aqui e agora, o valor moral de suas decisões práticas”.
Pellegrino e Thomasma acrescentam uma observação importante: “Uma ética baseada na caridade não pode aceitar acriticamente a actual mudança da ética substantiva para a ética processual”. Um caso que vem à mente: a lei holandesa sobre a eutanásia aplicada a pacientes idosos doentes.
Ao discurso esclarecedor de Pellegrino e Thomasma, acrescentaríamos uma nota de rodapé sobre o amor humano: para um cristão – ou um crente –, a caridade é o princípio ordenador e a virtude; para um não crente, o amor humano é o princípio e a virtude da ética filosófica e da bioética secular.
Ensinados pela sua fé e tradição, os cristãos são firmemente a favor dos cuidados paliativos ou de conforto, que aliviam directamente a dor (e podem, por vezes, encurtar a vida indirectamente e sem intenção), proporcionam solidariedade empática e ajudam a morrer em paz – acompanhados e sem grandes sofrimentos e dores.
Os cuidados paliativos referem-se aos cuidados holísticos de pacientes incuráveis e terminais. Abrangem as dimensões física, psicológica, social e espiritual dos cuidados. Os cuidados holísticos centram-se no paciente como pessoa humana, e não nos sintomas da sua doença. Enquanto os profissionais de saúde cuidam principalmente do sofrimento físico e psicológico, outras pessoas cuidam das dimensões sociais e espirituais dos cuidados paliativos para o paciente e a família.
Permitir morrer implica cuidados paliativos. Ensinamento básico da nossa fé cristã: “A vida humana deve ser respeitada e defendida desde o momento da concepção até à morte natural”. Mais: “Toda a vida humana, desde o momento da concepção até à morte, é sagrada, porque a pessoa humana foi querida por si mesma e criada à imagem e semelhança do Deus vivo e santo” (Catecismo da Igreja Católica n.º 2319); “Aqueles que têm uma vida deficiente ou enfraquecida reclamam um respeito especial” (CIC n.º 2276).
Para uma sociedade positivista e secular, a criança que está por nascer parece não ter qualquer importância: Pode uma criança que está por nascer ser considerada radicalmente diferente de uma criança já nascida? Pode uma mãe de uma criança abortada esquecer a sua criança? É que a síndrome pós-aborto existe realmente. Há cuidados paliativos, ou cuidados de conforto, que são realmente praticados em muitos países do mundo, mas infelizmente em muitos outros ainda não. É pois necessária uma maior sensibilização do público para os cuidados paliativos e mais profissionais de saúde especializados.
Bispos coreanos: “Os cuidados paliativos são uma forma eficaz de ajudar os doentes a passar os seus últimos dias com dignidade. Ao mesmo tempo, quando se preparam para a morte, precisam de reflectir sobre as suas vidas e reconciliar-se com Deus”. Os bispos espanhóis pedem aos cristãos que aceitem de forma fiel e humana a sua própria morte e solicitam a presença de um padre católico que possa administrar os Sacramentos da Unção, da Penitência e da Eucaristia.
Considerando a legalidade da eutanásia em alguns países, a Igreja convida-nos a preparar livremente a nossa Directiva Antecipada, quando a nossa situação de saúde o justificar. É uma forma de nos permitir morrer no nosso tempo (ortotanásia), nem mais cedo (eutanásia) nem mais tarde (distanásia). A vida é preciosa do seu início ao fim.
Muitas pessoas são verdadeiramente misericordiosas no nosso mundo. Há, no entanto, muitas outras que parecem não ser compassivas, não se comovem com a misericórdia pelas misérias e sofrimentos dos outros: há tanta violência terrível e tantas guerras mortíferas no nosso mundo, demasiado consumismo desperdiçador e insensibilidade para com os pobres e doentes; tantas mortes passam pelos nossos olhos todos os dias! Numa situação como esta, é mais fácil ser um espectador, um observador: “Se não pensares nisso, não ficarás triste” (Simon Harak, “Virtuous Passions”).
O Compassivo, Jesus Cristo, continua a exortar os seus discípulos:
“SEDE COMPASSIVOS COMO O VOSSO PAI É COMPASSIVO”
(Lc 6, 36; Mt 5, 48).
Pe. Fausto Gomez, OP

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