Biblioteca Tomás Pereira irá demorar uma década
O Instituto Ricci de Macau está apostado em transformar um infortúnio num factor de força. Quer concluir até ao final da próxima década o processo de reconstrução da Biblioteca Tomás Pereira, dotando-a de competências mais abrangentes. O desenvolvimento de um acervo digital é uma das principais apostas do organismo liderado pelo padre Stephan Rothlin.
O acervo bibliográfico do organismo foi completamente destruído a 23 de Agosto de 2017, aquando da passagem do Tufão Hato pelo território. A tempestade sepultou bem mais do que um terço da superfície de Macau, sob um perseverante lençol de água, e os mais de 25 mil volumes e revistas que davam corpo à Biblioteca Tomás Pereira, à época depositados numa cave das novas instalações da Universidade de São José, na Ilha Verde, não escaparam à fúria da tempestade, como recordou o padre suíço Stephan Rothlin, actual superior da Companhia de Jesus na RAEM. «O tufão Hato, que atingiu Macau em Agosto de 2017, foi um acontecimento com uma dimensão extraordinária. Cerca de 25 mil livros e revistas, bem como material informático que tinha sido recentemente adquirido pelo Instituto, estavam temporariamente armazenados na cave da Universidade de São José, na Ilha Verde, depois do Instituto Ricci ter sido obrigado a deixar as instalações que ocupava desde 1999», disse. «Os livros, as revistas, o material informático e o material de escritório ficaram completamente destruídos. O plano de reconstrução do acervo bibliográfico passa pelo objectivo de construir uma nova Biblioteca Tomás Pereira, estrictamente de acordo com o perfil do Instituto Ricci de Macau», revelou o sacerdote.
Mas o que diferenciava, afinal, a Biblioteca Tomás Pereira das demais bibliotecas e salas de leitura locais? Com mais de 25 mil volumes, muitos dos quais de grande raridade, o acervo bibliográfico reunido ao longo de várias décadas pelo Instituto Ricci tinha por foco principal o intercâmbio cultural entre a China e o Ocidente, através dos relatos dos missionários que se propuseram conduzir trabalho apostólico – mas também cultural e científico – no coração do Celeste Império.
Outro aspecto importante – e que deverá continuar a pontificar entre as preocupações do Instituto – é a aposta em obras que abordam o diálogo inter-religioso entre a fé cristã e o Taoísmo, o Budismo ou o Islão através do pressuposto da contemplação. O objectivo do Instituto Ricci não passa necessariamente por construir uma réplica do acervo bibliográfico destruído em Agosto de 2017, mas sim por edificar uma nova Biblioteca Tomás Pereira ainda mais completa e abrangente. «Não se trata apenas de tentar reproduzir a velha Biblioteca Tomás Pereira. Encontrámos neste desastre uma oportunidade para aprofundarmos a nossa missão através da construção, num prazo de dez anos, de uma Biblioteca Tomás Pereira ainda mas abrangente», explicou o padre Stephan Rothlin, em declarações a’O CLARIM. «O enfoque do Jornal do Instituto Ricci de Macau, recentemente relançado, foi por nós colocado na espiritualidade comparada, na liderança moral e na inovação social, um tanto ou quanto ao abrigo dos objectivos que queremos que norteiem a nova Biblioteca Tomás Pereira», acrescentou.
A ambição do Instituto Ricci não se fica, no entanto, apenas pela constituição de um acervo bibliográfico mais vasto, mas passa também pelo propósito de o tornar mais acessível ao maior número possível de leitores. Para além de recuperar a biblioteca perdida a 23 de Agosto de 2017, o responsável quer ainda desenvolver em simultâneo a componente digital da biblioteca, um instrumento que deverá permitir a democratização do acesso ao corpo de conhecimento recolhido pelo organismo. «O plano de reconstrução da Biblioteca Tomás Pereira abrange ainda o processo de desenvolvimento de uma biblioteca digital que deverá permitir um acesso mais amplo e mais facilitado ao acervo documental do Instituto Ricci», referiu o jesuíta. «Criei um grupo de trabalho para nortear os trabalhos de reconstrução da biblioteca, tendo por base um plano de acção a dez anos. Estou confiante que seremos capazes de construir, no prazo de uma década, uma biblioteca digna do nome de Tomás Pereira», sublinhou.
A nova Biblioteca Tomás Pereira só em 2030 deverá ter recuperado a projecção e a magnificência perdidas, no âmbito de um processo de longo prazo a que o Instituto Ricci se abalança praticamente sem apoio . O acervo bibliográfico do organismo foi destruído há quase dois anos e a ocorrência até causou alguma comoção no seio da opinião pública, mas os efeitos práticos de uma tal empatia acabaram por ser pouco significativos. «Na altura recebemos todo o tipo de ofertas de ajuda por parte de entidades institucionais. No entanto, e até ao momento, apenas um grupo de peregrinos de Hong Kong com os quais trabalho e um amigo meu, sacerdote, ofereceram dinheiro para a reconstrução da biblioteca», contou ao nosso jornal.
A 22 de Fevereiro, o Instituto Ricci e os Serviços Sociais da Casa Ricci organizaram um concerto de angariação de fundos na igreja do Seminário de São José, tendo convencido alguns dos presentes a contribuírem para a substituição do acervo bibliográfico destruído em Agosto de 2017. O padre Stephan Rothlin está satisfeito com os resultados da iniciativa, mas não esconde, ainda assim, o desejo de ver um maior envolvimento da sociedade civil do território no desígnio de reerguer a Biblioteca Tomás Pereira. «Dada a enorme importância da história do intercâmbio cultural em Macau e tendo em conta o grande protagonismo da iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, espero que algumas instituições, empresas, fundações e alguns departamentos do Governo possam estar cientes da importância deste desígnio e possam fazer chegar ao Instituto Ricci de Macau o seu apoio à reconstrução da Biblioteca Tomás Pereira», apelou.
Por decidir está ainda o local onde a nova Biblioteca Tomás Pereira vai ser alojada, um dilema a que a diocese de Macau deve dar resposta nos próximos meses. Mais do que a falta de fundos para a aquisição de novos livros, o director do Instituto Ricci mostra-se preocupado com o facto da biblioteca continuar sem tecto. «Dada a inexistência de donativos, até ao momento ainda não conseguimos adquirir nenhum livro. No entanto, fomos abordados por académicos e docentes de Hong Kong, já aposentados, que se manifestaram disponíveis para nos oferecer parte das suas bibliotecas pessoais», explicou.
«Mais importante do que a falta de fundos é o facto de ainda não dispormos de uma espaço onde possamos colocar os livros que vão constituir a nova Biblioteca Tomás Pereira. Graças à gentileza e à generosidade do bispo Stephen Lee, um espaço para a Biblioteca Tomás Pereira deve estar disponível no início do próximo ano», concluiu o padre Stephan Rothlin.
Marco Carvalho