Estudar em Portugal para regressar à China
A aposta da Universidade de Aveiro (UA) em cursos focados na China, seja na cultura, na língua ou em outro aspecto da sua sociedade, é mais do que evidente. Mas não é apenas no sentido Portugal-China que recai a aposta. O Advanced Course on Tourism and Hospitality Studies, por exemplo, é um dos cursos que leva alunos da China para Portugal e há outros atractivos na UA que têm feito com que dezenas de alunos chineses optem pela cidade do Norte de Portugal para aprofundar os seus conhecimentos científicos.
Para além de todo o trabalho realizado pelo Centro de Estudos Asiáticos, ou do esforço contínuo que o Instituto Confúcio coloca na promoção da cultura chinesa em Portugal, ou dos excelentes resultados do Mestrado em Estudos Chineses e da Licenciatura em Línguas e Relações Empresariais que contempla três anos de ensino de Mandarim, ou do Mestrado em Línguas e Relações Empresariais que conta com mais um ano de ensino de Chinês, há também cursos livres de Mandarim, desde o nível de iniciação até ao nível avançado, cursos de caligrafia, gastronomia, recorte de papel de arroz, gravação de carimbos, artes decorativas, pintura, medicina tradicional chinesa e artes marciais, cursos de preparação para o reconhecimento dos níveis de conhecimento da língua chinesa, os exames HSK e, por último, o ensino de Chinês em diversas escolas primárias da região.
Tudo isto contribui para a promoção da cultura chinesa junto dos portugueses e, por outro lado, faz com que os alunos chineses que decidem ir para Aveiro se sintam bem e sejam bem acolhidos. Não esqueçamos ainda a parceria com a Universidade de Dalian, que conta já com vários anos e muitas iniciativas de sucesso.
Para compreendermos melhor a razão dos estudantes da China escolherem a Cidade da Ria, O CLARIM falou com três alunos fluentes em Português.
No Instituto Confúcio conversámos com Jiaqi Zhu, ou melhor, Eva, em Português. Eva é natural da cidade berço da escrita chinesa, Anyang, e está em Aveiro desde 2013, ano em que chegou como estudante do intercâmbio entre o Departamento de Línguas e Literatura e a Dalian University of Foreign Languages.
Atraída pelo ambiente académico e pela generosidade das gentes portuguesas, não demorou muito a decidir enveredar pelo Mestrado em Aveiro, frequentando actualmente o Doutoramento em Políticas Públicas. É precisamente nesta área que espera «enveredar pela investigação, para assim contribuir para o desenvolvimento e estreitamento das relações entre Portugal e a China».
Wang Xinliang (Mário) vive em Aveiro há quatro anos. É proveniente da zona fronteiriça da China com a Coreia do Norte, uma região «fria mas muito bonita», como fez questão de salientar na primeira conversa. Em Aveiro concluiu a licenciatura em língua portuguesa, que tinha iniciado na Dalian University of Foreign Languages, e obteve o mestrado no Departamento de Línguas e Cultura. Actualmente lecciona no Instituto Confúcio, participa no Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro e frequenta o Doutoramento.
O terceiro entrevistado não foi directamente para a Universidade de Aveiro, tendo antes passado pela Universidade Nova de Lisboa.
Francisco (Yuxiong Zhang) é natural de Guiyang, zona «interior muito montanhosa e que em nada se parece com Portugal», segundo explicou, embora tal não tenha impedido que se apaixonasse por Portugal. Há quatro anos a viver, a estudar e a trabalhar no País, Francisco frequenta o Doutoramento de Multimédia em Educação. Anteriormente, também obteve o mestrado no Departamento de Línguas e Cultura, tendo desde então assumido o cargo de professor no Instituto Confúcio.
Também ex-aluno da Dalian University of Foreign Languages, Francisco, ao contrário de Eva e Mário, não pretende voltar tão cedo à China.
Quanto ao futuro das relações entre a China e Portugal, todos acreditam que pode ser risonho e que há muitos campos a explorar. «A cooperação na área da educação pode funcionar como uma janela para os jovens dos dois países», explicou Wang Xinliang, que acredita que através desta troca os jovens possam ficar a conhecer cada vez melhor os dois países e o que cada um tem para oferecer.
As ideias pré-concebidas que os chineses têm dos portugueses e a imagem que os portugueses têm dos chineses é algo que vai demorar muito tempo a dissipar. Para Francisco, «mudar as mentalidades será um primeiro passo e isso passa por insistir na divulgação da cultura e dos costumes dos dois países». Este aluno contou um episódio que exemplifica o completo desconhecimento da realidade chinesa por parte de alguns portugueses. Tem conhecimento de um senhor de idade, seu vizinho, que depois de ter visto uma reportagem na televisão sobre trabalho infantil na China decidiu nunca mais comprar nada nas lojas chinesas e evitar falar com chineses. «Claro está que esta não é a realidade da China, apesar de se registarem alguns casos de abuso de alguns patrões. Mas – como defendeu – não se pode tomar o todo por uma parte e acreditar em tudo o que nos metem pelos olhos a dentro na televisão; temos de ser críticos e ter conhecimento da realidade dos dois países».
Na opinião de Yuxiong Zhang devia ser encontrada «uma forma de trazer mais alunos da China para Portugal e promover mais a língua chinesa nas escolas portuguesas. Ao mesmo tempo, seria também importante promover a ida de alunos portugueses para aprofundarem os seus estudos na china ou, quem sabe, desempenharem mesmo funções profissionais na China».
Nos últimos anos o conhecimento dos portugueses sobre os chineses e a sua cultura tem crescido, o que tem repercussão na forma como os chineses são aceites na comunidade portuguesa. No entanto, de acordo com Francisco, «os obstáculos que ainda existem não são só por culpa de um dos lados. Ambas as comunidades são fechadas e dificilmente se deixam dar a conhecer à outra».
Francisco descreveu bem a situação da dificuldade que os chineses enfrentam quando querem fazer amizades em Portugal: «Não é difícil fazer amigos entre os portugueses, mas é difícil ser amigo deles porque há sempre uma barreira. A comunidade portuguesa, à semelhança da chinesa, é muito fechada sob si mesma, apesar de todos considerarem os portugueses um povo acolhedor».
JOÃO SANTOS GOMES