Jorge Neto Valente fala sobre a Plataforma de Macau para os PLP, na véspera de visitar Portugal

Governo Central aprova o papel dos macaenses.

Jorge Neto Valente traça um futuro ambicioso para a Associação dos Jovens Macaenses, ao garantir que o seu programa de actividades é diversificado e há abertura para interagir com todas as comunidades locais, independentemente da língua falada. A’O CLARIM o presidente da instituição falou abertamente sobre os problemas e os desafios que atingem os jovens da diáspora, a relevância das Casas de Macau no mundo e a importância do Encontro das Comunidades Macaenses, sem esquecer as diferenças entre o Patuá cerrado e o Patuá corrente. Foi lacónico quando abordou o tema das relações comerciais e económicas com os Países de Língua Portuguesa: o Governo Central aprova o papel dos macaenses na plataforma para a lusofonia.

O CLARIMÉ presidente da Associação dos Jovens Macaenses desde Janeiro do corrente ano. Que objectivos para este mandato de três anos?

JORGE NETO VALENTE – Pretendemos continuar a desenvolver as nossas actividades mais e melhor. Este ano há praticamente um programa delineado por mês. Temos mais sócios e a máquina já está bem rodada… Ainda me lembro que no primeiro ano tínhamos muitas dúvidas em saber se a associação iria singrar no ano seguinte. Agora, que estamos no quarto ano, a dúvida não é saber se vai continuar a existir, mas sim o que mais poderá fazer. Nesse sentido, a avaliação do que já fizemos, e estamos a fazer, é bem positiva.

CLPode levantar o véu sobre algumas actividades?

J.N.V. – Com o novo mandato [o anterior presidente da direcção, Duarte Alves, é agora o presidente da mesa da Assembleia-Geral, por troca com Jorge Neto Valente] queremos ter um programa mais preenchido em termos de qualidade, quantidade e diversidade. Por exemplo, em Junho, participámos pela primeira vez nas Regatas de Barcos-Dragão. A 3 de Setembro vamos estar envolvidos numa acção de voluntariado, cabendo-nos a distribuição de produtos alimentares a famílias carenciadas, num evento organizado pela Santa Casa da Misericórdia. Estamos também empenhados em realizar actividades com associações de todas as comunidades locais.

CLNo próximo mês vão a Portugal…

J.N.V. – Sim! É uma actividade co-organizada entre nós e a Associação dos Jovens Empresários de Macau [de matriz chinesa]. Ou seja, não estamos apenas virados para as associações de matriz macaense ou portuguesa.

CLSerá que através deste tipo de eventos mostram que a comunidade macaense tem capacidade para se auto-regenerar?

J.N.V. – Penso que já é um ponto provado.

CLMas nem todos os jovens participam nessa auto-regeneração. É algo endémico da comunidade? Ou nem por isso?

J.N.V. – Muitos jovens sentem hoje desinteresse pela vida associativa – e falo dos jovens de todas as comunidades. Na nossa comunidade há a agravante de se terem desligado durante muitos anos, sem haver um incentivo que os ajudasse a iniciar-se na vida cívica. Vai demorar o seu tempo.

CLA situação é mais grave nos jovens da diáspora macaense. Concorda?

J.N.V. – O problema da diáspora em geral é que muitos jovens que saíram de Macau, e começaram a trabalhar lá fora, não querem regressar. Por isso não se vão interessar muito por Macau. Alguns ainda têm alguma afeição à terra, mas não passa disso. Quem vive em Portugal está mais ligado a Macau, embora muitos deles nem estejam a pensar no regresso. Existe a afeição à terra, mas o que acontece no dia-a-dia em Macau passa ao lado de muitos deles.

CLAcontece o mesmo com os jovens da segunda e da terceira geração?

J.N.V. – Nestes jovens há a agravante de estarem ainda mais desligados, mas com os Encontros [das Comunidades Macaenses] muitos deles já cá vieram pela primeira vez. Pelas histórias que ouviram dos seus avós, dos seus antepassados, até conheciam Macau indirectamente. E ao terem vindo pela primeira vez alguns quiseram tentar fazer a sua vida cá. Conheço vários deles que, por terem cá vindo, começaram a fazer negócios em Macau e na China continental, com algum sucesso. Julgo que alguns jovens da diáspora, ao conhecerem o território em primeira-mão, se interessam e querem tentar.

CLAs Casas de Macau espalhadas pela diáspora e os Encontros das Comunidades Macaenses, nos quais os jovens também participam, têm grande importância para a comunidade macaenses no seu todo…

J.N.V. – Até diria que os Encontros, pela visibilidade que dão, são sempre um factor positivo. Nestes eventos há vários níveis de participação. Uns ajudam a organizar e outros são os próprios participantes dos Encontros. Há quem vá somente a um ou a outro evento e há quem participe indirectamente. E mesmo que os macaenses locais não participem, alguns conhecem os amigos que vivem na diáspora. Ou os amigos dos pais… E os que acabam por chegar revivem as amizades antigas ou fazem outras novas. Este é o lado positivo. Os jornais do território, tanto chineses, como portugueses e ingleses, também dão bastante visibilidade ao evento durante a semana dos Encontros.

CLHá sempre uma pergunta recorrente: o que é o macaense?

J.N.V. – Há uma definição mais restrita e outra mais alargada. Para mim, o macaense é aquele que se integrou em Macau e consegue sobreviver, e viver, conjuntamente com as duas culturas, a chinesa e a portuguesa, sem parecer estrangeiro em nenhuma delas. Muitas vezes são bilingues.

CLNo bilinguismo refere-se certamente aos falantes do Português e do Cantonense. E o Inglês, será que tem espaço?

J.N.V. – O Inglês é hoje uma língua internacional. Todos têm praticamente que aprendê-la. Por exemplo, considero que os macaenses devem falar pelo menos o Português e o Cantonense. E da maneira como está agora Macau é sempre preciso aprender a falar o Mandarim e proficientemente o Inglês. A exigência é mais elevada.

CLE alguém a residir há muitos anos em Macau, que só fale o Português ou o Cantonense? Pode considerar-se macaense?

J.N.V. – Pode, se culturalmente conseguir integrar nas duas culturas. Sem ser uma crítica negativa, há portugueses a viver cá há cinco ou dez anos que os considero mais macaenses do que outros portugueses que vivem cá há vinte ou trinta anos e nunca se conseguiram habituar, por exemplo, à comida chinesa. A maior parte dos portugueses não é assim. Depende muito de como se escolhe o modo de viver.

CLO Patuá está em risco? É suficiente o trabalho dos Doci Papiaçam di Macau?

J.N.V. – Devemos sempre aprender. É um crioulo local. Quase todas as pessoas da geração da minha avó falavam [o Patuá]. Já da geração do meu pai, muito pouco…

CLHá aqui uma diferença entre o chamado Patuá cerrado e o Patuá corrente. O primeiro é menos perceptível ao ouvido das gerações mais novas. As pessoas “antigas” orgulham-se de falar o Patuá cerrado…

J.N.V. – A língua é uma “coisa” viva. O Português que o [Luís Vaz de] Camões falava não é o de agora. Se for o Patuá cerrado, ninguém [das novas gerações] percebe. Se não se adaptar o Patuá a algo mais fácil de se entender, julgo que as pessoas terão menos vontade em aprendê-lo. O facto de haver uma evolução, utilizando palavras antigas e introduzindo outras do calão corrente, também é uma maneira de não deixar morrer a língua.

CLDe que forma olha o Governo Central para os macaenses?

J.N.V. – Em primeiro lugar olha com bons olhos, principalmente para os macaenses que estão em Macau. O Governo Central sempre teve grande respeito, tanto pelos macaenses, como pelos portugueses. Antes de 1999 o macaense desempenhava aquele papel de ponte [política] entre portugueses e chineses. Agora, tal não é tão necessário porque o Governo de Macau responde perante o Governo Central. No entanto, o Governo Central incentiva o comércio e as relações económicas com os Países de Língua Portuguesa [PLP], dando grande destaque a Macau. O Governo Central até podia nem fazer isso. Podia escolher um outro lugar [no continente]. No entanto, o facto de ter escolhido Macau para servir de plataforma com os PLP é, para a mim, um sinal de aprovação de que o território e os macaenses são importantes.

PEDRO DANIEL OLIVEIRA

pedrodanielhk@hotmail.com

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