Que faltou à oração de Abraão?
Jesus foi claro. Na oração é preciso começar pelo Pai, ser humilde e verdadeiro, declarando-se pecador, e invocar o perdão, pedir sempre, procurar, bater à porta, insistir, pedir o que se precisa para si, para os amigos, para os pecadores e pedir o Espírito Santo. Que terá então faltado a Abraão quando negociou com Deus a favor dos habitantes pecadores das cidades do vale de Sodoma e Gomorra? Era pecado grave que no Século XI foi objecto do livro “Gomorrhianus” de São Pedro Damião, um santo Cardeal. Eram pecadores de pecado grave. Abraão fez oração e propôs um tipo de troca: salvar a todos em troca da vida dos justos que lá houvesse. Era um bom negócio para ele. Também seria para muitas cidades de hoje? Parece que sim. Mesmo as que sofrem calamidades atrozes. Abraão, porém, no seu regateio começou a ter dúvidas no número dos justos. Começou em posição de vantagem: cinquenta justos valem por todos os pecadores e Deus aceitou. Abraão não queria perder e foi baixando o valor da troca. Foi muito humilde nas propostas: talvez quarenta. E logo à procura de mais segurança baixou para trinta e a seguir para vinte, e parou em dez, com alguma margem de confiança. Não estava a rezar por si, mas pelos outros pecadores e a dívida era grande, a devassidão opunha-se ao preceito: «crescei e multiplicai-vos» e Abraão tinha a promessa de um filho de bênção. Parece que nem dez justos havia. E a calamidade aconteceu. Só natural? As mudanças calamitosas de clima com a poluição globalizada, não são só naturais. Como poderia Abraão ter continuado a sua oração? Baixado para cinco? Talvez não bastasse. Se Abraão, pai de uma grande descendência, tivesse acesso à Profecia intemporal teria insistido de forma inaudita: e se lá houver apenas um? E ouviria a resposta: se lá houver um, não destruo, se esse Um for o meu Filho, Ele morreu por todos. Os arrependidos são perdoados; mesmo que morram, viverão. Paulo, apóstolo do meu Filho, é claro: Jesus «anulou o documento da nossa dívida (…) suprimiu-o cravando-o na cruz» (Col., 2, 12-14). Perdoados!
Agora arrependidos, perdoados e livres da destruição. Mesmo que morram nas calamidades ou noutras circunstâncias da vida “voltarão à vida com Cristo”, a vida eterna. A morte é consequência da culpa do pecado, mas este é perdoado a quem se arrepende, é consequência da pena(lidade) do pecado. Todos morrerão, mas os perdoados não morrem para a vida eterna.
As calamidades podem ser de causas naturais e humanas, mas, por si, não destroem o homem. As de causa humana podem constituir grandes males morais e pecados graves. As consequências dos pecados são a culpa e as penas (punições), temporais, se os pecados não são graves, e as eternas. Deus misericordioso absolve da culpa pelos méritos da morte que Cristo aceitou pelos pecadores arrependidos. Esta absolvição extingue a culpa e perdoa. Também a pena eterna de condenação. Pode ficar, ainda, a necessidade da reparação da pena temporal, porque o pecado deixa marcas ou consequências ou estragos dos pecados graves e não graves que precisam de reparação. Os pecadores não conseguem avaliar a gravidade das penas temporais dos seus pecados. A Igreja, pelo poder recebido de Cristo, orienta com as palavras do seu Catecismo: “O perdão do pecado e o restabelecimento da comunhão com Deus trazem consigo a abolição das penas eternas do pecado. Mas subsistem as penas temporais. O cristão deve esforçar-se por aceitar, como uma graça, estas penas temporais do pecado, suportando pacientemente os sofrimentos e as provações de toda a espécie e, chegada a hora, enfrentando serenamente a morte: deve aplicar-se, através de obras de misericórdia e de caridade, bem como pela oração e pelas diferentes práticas da penitência, a despojar-se completamente do ‘homem velho’ e a revestir-se do ‘homem novo’” (CIC n.º 1473).
O Jubileu do Ano Santo 2025, período extraordinário de graça, perdão e renovação espiritual, convida jovens e idosos a peregrinar a Roma e outros santuários, para suplicar graças especiais de Deus. Na Bula de proclamação do Jubileu (9 de Maio de 2024), o Papa Francisco propõe iniciativas para as pessoas recuperarem a esperança e a confiança, e pede que “se anuncie ao povo a Indulgência Jubilar” (n.º 6), que é graça do perdão de pena.
O Catecismo da Igreja Católica ensina, também, que o pecado tem consequências na forma de culpa e pena, e que a Igreja oferece meios para a remissão tanto da culpa (confissão) quanto da pena, pela penitência, oração, peregrinações, visitas às igrejas do jubileu, em especial as de Roma. Todo o perdão e graça vêm da misericórdia (indulgência) do Senhor e da comunhão nos méritos espirituais dos santos unidos a Cristo.
O futuro iluminado por este perdão da culpa e da pena “permite ler o passado com olhos diversos, mais serenos, mesmo que ainda banhados de lágrimas” (Bula n.º 23). E com mais alegria e felicidade.
Pe. Aires Gameiro
Membro da Ordem Hospitaleira de São João de Deus