O segredo de Chiclayo

ESTÓRIAS LEVES PARA O VERÃO… QUE NOS FAZEM PENSAR…

O segredo de Chiclayo

Na primeira alocução ao povo de Roma, Leão XIV acrescentou: «Se me permitem, também uma palavra, uma saudação a todos e em particular à minha querida diocese de Chiclayo, no Peru, onde um povo fiel acompanhou o seu bispo, partilhou a sua fé e deu tanto, tanto, para continuar a ser Igreja fiel de Jesus Cristo».

É natural que procuremos conhecer o passado do cardeal Robert Prevost, actual Leão XIV. Por exemplo, numa festa solene na catedral de Bolonha, a convite do cardeal Zuppi, as suas primeiras palavras foram um singular elogio à audiência: perguntava-se ele se haveria no mundo um povo cristão mais fiel e vibrante que em Chiclayo e a sua resposta é que Bolonha estava ao nível de Chiclayo! O povo de Bolonha compreendeu o elogio? Talvez se comparassem com Roma. Ou Paris, ou Nova Iorque. Mas (aposto dinheiro!) ninguém esperava um elogio que colocasse os pergaminhos de Bolonha a par de Chiclayo.

As referências de Leão XIV à sua Chiclayo são frequentes, quer antes, quer depois da eleição, mostrando que aquela diocese remota o marcou realmente.

A história tem vários antecedentes significativos, um dos quais remonta ao Século XVI e outro a meados da década de 50.

No Século XVI, os missionários agostinhos, a mesma Ordem de Leão XIV, penetraram nas províncias altas do rio Apurímac e, a partir do Real Mosteiro de Santo Agostinho, em Cotabambas, lançaram-se à missionação das províncias altas do Peru.

Em meados do Século XX, Pio XII pediu a várias instituições da Igreja que se ocupassem de atender as populações abandonadas do Peru e deu a escolher ao Opus Dei a região que lhe conviesse. São Josemaría Escrivá, fundador do Opus Dei, respondeu que ficariam com o que sobrasse das outras escolhas, e o que sobrou foi a região inóspita de Yauyos e Huarochirí, confiada em 1957 ao Opus Dei.

Não havia estradas, nem electricidade, nem água canalizada, nem abastecimentos normais, nem jornais ou sequer rádios a pilhas. Obviamente, faltavam escolas e hospitais. A população mantinha uma certa tradição católica, mas não havia Clero.

A epopeia apostólica de Yauyos e Huarochirí estendeu-se pelas montanhas de Huancayo, Huancavelica, Ayacucho, Abancay… indo até San Vicente de Cañete, na costa do Pacífico… ao Norte, chegou a Piura… e transformou o Peru. Deu livros de aventuras, porque as viagens, de centenas de quilómetros, eram a pé e a cavalo, cruzando rios metidos na água, atravessando desfiladeiros baloiçando em pontes de vime, agarrando-se às falésias em carreiros estreitos a quatro mil metros de altitude.

O primeiro responsável de Yauyos foi Ignacio María de Orbegozo, um padre do Opus Dei que antes de se ordenar era médico cirurgião. Em 1968, Orbegozo foi nomeado bispo de Chiclayo e Luis Sánchez-Moreno, também do Opus Dei, que antes de se ordenar tinha feito o Doutoramento em Direito Civil e depois outro em Direito Canónico, e era bispo auxiliar de Chiclayo, substituiu-o como bispo de Yauyos. Este Sánchez-Moreno foi mais tarde arcebispo de Arequipa. Um dos primeiros padres do Opus Dei a chegar a Yauyos foi o padre Enrique Pélach, aluno da Universidade Gregoriana, em Roma. Estando em Yauyos, foi nomeado bispo de Abancay – decorre neste momento o seu processo de canonização.

É impossível resumir aqui a transformação das condições materiais, das escolas, dos hospitais etc., e da situação religiosa. Em terras onde não havia um padre em centenas de quilómetros à volta, fundaram-se Seminários com numerosas vocações e surgiram centenas de padres. Há alguns anos, vinte dos bispos peruanos, sensivelmente metade do episcopado, eram do Opus Dei.

Na diocese de Chiclayo, o sucessor de Orbegozo foi Jesús Moliné, também do Opus Dei, e depois Robert Prevost, actual Leão XIV. Foi esta diocese pobre, em que vinte por cento dos padres eram do Opus Dei, que acolheu de coração aberto o agostiniano norte-americano Robert Prevost.

Leão XIV perguntava se haveria no mundo um povo com mais fé que o de Chiclayo. Não sei; mas pelo menos são os mais sortudos.

José Maria C.S. André

Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa

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