Como se sentem os idosos de Macau?
Felizes, mas pouco valorizados. Para os católicos ouvidos pel’O CLARIM, a celebração, pela primeira vez, no passado Domingo, do Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, deve ser entendida como um convite à reflexão sobre o papel e o lugar que deve ser reservado aos mais velhos nas sociedades modernas. Em Macau, os idosos vivem, de um modo geral, felizes e sem grandes preocupações, mas felicidade nem sempre é sinónimo de ausência de problemas.
Uma chamada de atenção para o valor que os mais velhos encerram e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para que as gerações mais jovens possam encarar a terceira idade com o respeito que os idosos merecem. A Igreja Católica assinalou no passado Domingo, pela primeira vez, o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos e para os católicos de Macau a nova efeméride é bem-vinda, sobretudo por constituir um convite à reflexão sobre o papel e o lugar dos idosos nas sociedades modernas.
A celebração do Dia Mundial dos Avós e dos Idosos foi este ano instituída pelo Papa Francisco, com o objectivo de realçar a importância dos avós na vida familiar e o papel que exercem os mais velhos na formação das novas gerações.
Nas igrejas de Macau a nova efeméride foi assinalada com a repetição da oração criada propositadamente para o efeito pela Cúria Romana: “Dou-vos graças Senhor/pelo conforto da vossa presença/mesmo na solidão/Sois a minha esperança e a minha confiança/Desde a minha juventude, sois a minha rocha e fortaleza”.
Num território que até ao início da pandemia de Covid-19 vivia em situação de grande desafogo económico, a prece, mais do que invocar a intercessão da Santíssima Trindade, constituiu um necessário apelo às gerações mais novas para que valorizem e respeitem os idosos e a sua longa experiência de vida. «No meu entender, este dia para a celebração dos avós e dos idosos é sobretudo útil porque chama a atenção para o valor que a terceira idade tem e serve também para lembrar os mais jovens de que devem respeitar os mais velhos e que devem valorizar a sua experiência. A meu ver, esse deve ser o verdadeiro sentido desta celebração», considera o padre João Lau. «Na tradição chinesa, os novos têm respeito pelos mais velhos e eu acredito que isto vai continuar assim. O problema é que as gerações mais jovens não têm independência em termos financeiros e estão, de certo modo, dependentes dos seus pais. Os pais também eram pobres, mas trabalharam a vida toda para juntar dinheiro e acabaram por poder oferecer uma vida melhor aos seus filhos e aos seus netos. As gerações mais novas, no entanto, nem sempre entendem as dificuldades pelas quais as gerações mais velhas passaram», acrescentou o pároco da igreja de São Lázaro, de 77 anos.
Paul Pun afina pelo mesmo diapasão. Num território que ao longo dos últimos vinte anos mostrou ter capacidade e disponibilidade financeira para oferecer aos idosos condições de vida muito superiores às que se encontram em outros países e regiões, a criação do Dia Mundial dos Avós e dos Idosos é vista pelo secretário-geral da Cáritas como uma oportunidade para que a sociedade valorize quem é, muitas vezes, votado ao abandono. «Eu acredito que a mensagem da Igreja, ao dedicar este dia aos avós e aos mais velhos, é também uma oportunidade para que as gerações mais jovens dediquem algum do seu tempo à reflexão e a um maior interesse e cuidado pelos mais velhos», assume o responsável.
DORES DE ENVELHECIMENTO
Os apoios distribuídos pelo Governo, quer através de departamentos públicos, quer através de organizações não governamentais como a Cáritas, deixaram uma boa parte dos idosos de Macau em situação de conforto e de desafogo, mas a disponibilidade financeira, avisa Paul Pun, não eliminou todos os desafios e todos os problemas. «A ajuda do Governo é importante e em comparação com outros países e com outras áreas do mundo, a situação em Macau é bem melhor. O panorama não é o panorama ideal, mas as circunstâncias são melhores, desde que se goze de relativa saúde», disse. «Os que estão doentes, os que apresentam uma saúde frágil ou que estão acamados constituem um fardo adicional, em particular para as suas famílias», alertou Paul Pun.
Segundo ele, a situação é particularmente difícil para os idosos, que por uma ou outra razão necessitem dos cuidados de um lar. Apesar de a situação ser amplamente mais favorável em Macau do que noutros locais do mundo, um idoso que necessite de um quarto numa instituição de apoio à terceira idade tem de esperar em média um ano e meio por uma vaga. «Neste momento, para entrar num lar as pessoas têm de esperar cerca de dezoito meses. É claro que dezoito meses é um período demasiado longo para as pessoas de Macau. Quando alguém necessita de uma cama com urgência, acaba por procurar ajuda junto da Cáritas. As pessoas pedem ajuda à Cáritas, que faz o que pode para encontrar uma solução junto de instituições privadas, mas às vezes nem os lares privados têm camas», explicou Paul Pun. «Esta é uma das razões pelas quais o programa de apoio domiciliário que estamos a promover desde há oito anos é uma das prioridades da Cáritas. Este programa foi financiado durante vários anos pela Fundação Macau, mas dado o actual contexto financeiro tivemos de fazer uso dos nossos recursos para assegurar a manutenção deste serviço. Apoiamos actualmente mais de quatrocentas e tal pessoas. Este serviço é essencial para ajudar os que mais necessitam», concluiu.
Para Francisco Manhão, presidente da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC), os idosos gozam, em grande medida, de uma existência «despreocupada e feliz» – opinião que é corroborada pelo padre João Lau – muito graças às políticas de apoio concebidas pelo Governo. O panorama, segundo o dirigente, é bom, mas há sempre lugar a melhorias. «Para além da pensão para idosos e da compensação pecuniária, os idosos ainda recebem subsídio de velhice, no valor de nove mil patacas, fora os “vouchers” de saúde, entre outros. Hoje em dia, no que diz respeito a cuidados de saúde, eu penso que Macau deve ser uma das cidades mais privilegiadas para a classe dos idosos. Repare: os idosos praticamente têm tudo gratuito do Governo da RAEM, não pagam nada nos hospitais, nos centros de saúde e têm direito aos medicamentos de graça», sublinhou Manhão. «Nós já propusemos várias vezes ao Governo que do ponto de vista da habitação social devia construir uma cidade satélite, não é? Isto para nós era o ideal. Numa cidade satélite os idosos praticamente deixam de ter certas preocupações, porque aquela cidade poderia oferecer tudo: habitação, supermercado, médico, entretenimento, entre outros. Isto é algo que nos daria muito gosto. Nós gostávamos de poder ver isto ser concretizado», admitiu o dirigente da APOMAC.
Marco Carvalho