D. DIAMANTINO ANTUNES, BISPO DE TETE

D. DIAMANTINO ANTUNES, BISPO DE TETE

«Beatificação dos mártires de Guiúa é um sinal de maturidade da Igreja em Moçambique»

Assassinados a 22 de Março de 1992 nos arredores da cidade de Inhambane, os mártires de Guiúa – um grupo de catequistas e seus familiares que foi sequestrado e morto na recta final da Guerra Civil de Moçambique – estão a um passo dos altares, depois da Congregação para a Causa dos Santos ter reconhecido, no início do mês, a validade jurídica do processo de beatificação daqueles que poderão vir a ser os primeiros santos moçambicanos. Para o português Diamantino Antunes, religioso do Instituto Missionário da Consolata que foi o principal promotor desta causa, a decisão constitui «um apelo à coragem e ao compromisso cristão». O actual bispo de Tete concedeu uma breve entrevista a’O CLARIM.

A Congregação para a Causa dos Santos, o “ministério” da Cúria Romana que processa o complexo trâmite que pode levar, em última instância, à canonização, reconheceu no início do corrente mês a “validade jurídica” do processo de beatificação dos mártires de Guiúa. Estes podem assim vir a tornar-se os primeiros beatos moçambicanos. O referido processo foi conduzido por D. Diamantino Antunes, religioso do Instituto Missionário da Consolata, que lidera desde Março do ano passado a diocese de Tete, no Centro-Norte de Moçambique.

24 catequistas e seus familiares – homens, mulheres e crianças que faziam parte das Missões da Consolata – foram sequestrados e barbaramente assassinados a 22 de Março de 1992, enquanto assistiam a um curso de formação de longa duração destinado a famílias de catequistas no Centro Catequético do Guiúa, nas imediações de Inhambane. O grupo foi morto no âmbito de um dos mais violentos episódios nos meses que antecederam o fim da Guerra Civil moçambicana, em Outubro de 1992.

A “validação jurídica” do processo de beatificação deixa a serva de Deus Luísa Mafo e os restantes mártires de Guiúa mais próximos dos altares.

Natural de Albergaria dos Doze, em Leiria, D. Diamantino Antunes é licenciado em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa e possui um doutoramento em Teologia Dogmática pela Universidade Gregoriana, em Roma. Nomeado pelo Papa Francisco para conduzir os destinos da diocese de Tete a 22 de Março de 2019, o missionário da Consolata sustenta que os mártires de Guiúa são hoje, mais do que nunca, um exemplo para os católicos de Moçambique, numa altura em que o Norte do País está a braços com um insurgência islâmica que não tem deixado incólume a Igreja Católica.

O CLARIM– Recebeu com grande alegria esta notícia que deixa os 24 mártires de Guiúa a um passo dos altares. Poderemos estar perante o primeiro grupo de santos moçambicanos?

D. DIAMANTINO ANTUNES– Juntamente com a Igreja em Moçambique recebi com grande alegria o Decreto de Validade Jurídica do processo da Serva de Deus Luísa Mafo e Companheiros, Catequistas Mártires de Guiúa. Agradecemos a Deus por mais este passo dado. Com este decreto a Congregação para a Causa dos Santos confirmou que tudo no processo, na sua fase diocesana em Inhambane, foi feito de acordo com a legislação vigente para os processos de canonização. O processo iniciou no dia 25 de Março de 2017 e até ao encerramento da fase diocesana, no dia 23 de Março de 2019, os trabalhos foram intensos. Foram recolhidas as provas documentais referentes à morte dos Servos de Deus e ouvidas dezenas de testemunhas questionadas sobre sua a vida, obra e martírio.

CL– Quem são e por que foram martirizados estes moçambicanos?

D.D.A.– São 24 moçambicanos, homens, mulheres e crianças, que foram mortos quando se encontravam no Centro Catequético do Guiúa, na diocese de Inhambane, para participarem num curso de formação de longa duração para famílias de catequistas. Foram mortos no dia 22 de Março de 1992. Decorriam os últimos meses de uma guerra fratricida que destruía Moçambique. O centro catequético foi atacado e os catequistas foram capturados e levados pelos atacantes. Depois de um interrogatório sobre a sua identidade e missão como catequistas, foram massacrados a golpes de baioneta. Morreram rezando e cantando. A morte destes homens e mulheres dá-se num contexto de um caminho de fé comprometida. Eram catequistas sempre dispostos a servir a Deus e a Igreja, mesmo arriscando a própria vida. Foram mortos porque recusaram a lógica da guerra e aceitaram voluntariamente testemunhar os valores do amor e da paz. Testemunharam a sua fé com o sangue, seguindo o exemplo de Jesus.

CL– De que forma é visto actualmente este grupo de mártires? Já é alvo de devoção?

D.D.A.– A missão dos catequistas mártires de Guiúa, abruptamente interrompida em 22 de Março de 1992, continua viva. A sua memória e o seu exemplo ecoam ainda hoje. O cemitério onde estão sepultados é um lugar de romagem de centenas de cristãos ao longo do ano. Os católicos têm grande veneração por estes seus irmãos e os consideram “mártires”. Ainda não são reconhecidos pela Igreja como santos nem como beatos. Estamos a trabalhar para alcançar este objectivo.

CL– Que impacto poderá ter este processo na afirmação da Igreja Católica em Moçambique, numa altura em que o Norte do País vive momentos difíceis?

D.D.A.– A tão desejada beatificação dos catequistas mártires de Guiúa é um sinal de maturidade da Igreja Católica em Moçambique, uma igreja ministerial e martirial. É um apelo à coragem ao compromisso cristão. Ontem como hoje, a Igreja Católica é chamada a responder com a sua presença efectiva e consoladora entre a população martirizada, nunca cessando de lançar apelos à paz e à reconciliação das partes em conflito. A violência que assola o Norte de Moçambique, na província de Cabo Delgado, já fez os seus mártires entre a comunidade católica. Meses atrás, um grupo de jovens católicos, autênticos mártires da paz, foram mortos porque recusaram pegar em armas quando foram capturados pelos insurgentes. O exemplo dos catequistas mártires de Guiúa, homens e mulheres, que optaram por uma vida de testemunho e anúncio do Evangelho da paz e do amor, permanece e multiplica-se.

Marco Carvalho

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