A vitória de Pirro.
«Monchique é a excepção que confirma o nosso êxito no combate aos fogos». Com esta cínica conclusão resumiu o nosso Primeiro-Ministro a tragédia que se abateu sobre a Serra de Monchique e os seus habitantes. Curiosamente, há dois meses dizia Costa que Monchique era um exemplo de prevenção de incêndios. Como se constatou, não só não foi exemplo nenhum como nos prendou com mais um triste e vergonhoso recorde: a maior área ardida em toda a Europa no corrente ano. O mesmo primeiro-ministro que ainda há pouco tempo, com um sorriso alarve de orelha a orelha, reiterou, num programa televisivo de grande audiência, a sua autorização para a exploração de petróleo no furo de Aljezur. É claro que não é um político confiável e não defende o interesse público e a vida das populações.
Mas não culpemos apenas António Costa. Culpemos Cavaco Silva, o “coveiro de Portugal”, responsável pela aniquilação da agricultura nacional (e também das pescas) ao pagar para que se deixasse de cultivar enquanto dava subsídios chorudos a quem plantasse eucaliptos. Culpemos Mota Amaral, que quando era ministro da Agricultura teceu as maiores loas ao eucalipto ao designá-lo de “petróleo verde” de Portugal. Culpemos Assunção Cristas, que quando era ministra da Agricultura e do Mar criou o decreto-lei 96/2013, mais conhecido como a “lei do eucalipto verde”. A trágica e já antiga opção de transformar Portugal num produtor de pasta de papel traduziu-se numa catástrofe ambiental sem precedentes na nossa história. Um país com uma enorme biodiversidade, onde outrora medravam sobreiros, castanheiros, nogueiras, oliveiras, pinheiros mansos, freixos, choupos e todo o tipo de árvores frutícolas, prosperam agora eucaliptos e pinheiros bravos (estes cada vez mais raros), e com a agravante da população ter abandonado as terras que tradicionalmente cultivavam.
Ano a após ano, tragédia após tragédia, os projectos de sementeira da floresta autóctone são ignorados, muito embora a busca destas sementeiras não pare de aumentar. No mercado, quase só há sementes de eucalipto para plantar. Apadrinhadas e financiadas pelo Estado que desaforadamente anda há décadas de mão dada com o lóbi madeireiro e é, por isso, cúmplice de toda esta desgraça. É claro que também podemos apontar o dedo à incúria, que também a há. E muita. Embora não pareça, e com mais de três milhões de hectares de matas, matos, bosques, o equivalente a cerca de 36 por cento de todo o território, Portugal possui uma das maiores áreas florestadas da Europa. Não obstante, apenas uns míseros dois por cento da floresta portuguesa pertencem ao Estado, enquanto a média europeia nesse capítulo ultrapassa os quarenta por cento. Bem insistiu, durante meio século, o arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles para a absoluta necessidade de se fazer um ordenamento do território. Ninguém lhe deu ouvidos e, por isso, tivemos Pedrogão, o Pinhal de Leiria, o incêndio de Outubro do ano passado, agora o de Monchique (considerado o maior da Europa), e antes de tudo isso, e ao longo das últimas décadas, muitos outros devastadores sinistros. Só Deus sabe o que mais virá.
Quais Neros a delirarem com as labaredas que devoravam a velha Roma, há um bando de tresloucados a incendiar Portugal. E no meio de tudo isto acontecem pequenos milagres, como o do Convento de Nossa Senhora do Desterro, localizado no concelho de Monchique, há anos devoluto, e que foi salvo das chamas graças à intervenção de dois irmãos que, quais eremitas, nele habitavam. De estilo manuelino, este edifício ostenta na fachada o brasão de armas dos Silvas e tem a si agregado uma igreja, uma capela, várias celas e um claustro rodeado por um corredor decorado com painéis de azulejos representando as diferentes etapas da Via Sacra. No átrio oriental, denominado de “portaria”, forneciam as sopas aos pobres os bons frades da Terceira Ordem Regular de São Francisco que ali habitavam. Há no refeitório um distinto painel de azulejos que reproduz A Última Ceia de Leonardo da Vinci. Noutros tempos, a Fonte dos Passarinhos, situada na antiga quinta do convento, encontrava-se inteiramente revestida de azulejos representando aves em diversas posições. Havia aí perto uma magnólia que, acredita-se, foi plantada pelo fundador do convento, Pero da Silva, em 1631. Quatro anos volvidos, este nobre, cuja alcunha era “o Mole”, seria nomeado Governador da Índia Portuguesa, tendo exercido essa função até à sua morte, ocorrida em Goa em 1639. Reza a lenda que terá transportado consigo do Oriente uma pequena imagem de Nossa Senhora em marfim, que, após a sua morte, passaria a ser venerada como relíquia. Há ainda uma outra lenda relacionada com a construção deste Convento de Nossa Senhora do Desterro. Dois mareantes perdidos no mar alto, no auge do desespero, terão prometido erguer uma ermida no primeiro local em território nacional que avistassem. Assim aconteceu, só que a construção primeva seria arrasada pelo terramoto de 1755, tendo sido reerguida posteriormente em data desconhecida. Quanto à imagem de marfim da Nossa Senhora do Desterro, orago do convento, foi transportada para a Ermida de São Sebastião, onde ainda se encontra.
Joaquim Magalhães de Castro