Como reage a Igreja perante uma rapariga que quer ser rapaz ou vice-versa?
Quando Simone de Beauvoir escreveu que “uma mulher não nasce mulher, mas faz-se mulher” abriu a porta a uma nova maneira de entender o ser humano, como se cada pessoa pudesse escolher ser homem ou ser mulher. Foi uma verdadeira revolução antropológica. Não se tratou apenas de uma simples moda intelectual, mas de um movimento cultural com reflexos na compreensão da família, na visão da sexualidade e, até, na visão humana da sociedade. Mas a ideologia de género opõe-se radicalmente à visão bíblica e cristã da pessoa e da sexualidade humanas. No plano da criação, a diferença sexual tem um significado: exprime uma abertura recíproca à alteridade e à diversidade, as quais na sua complementaridade se tornam enriquecedoras e fecundas.
Deus criou o par humano à sua imagem e semelhança. Fê-los homem e mulher a partir da diferença biopsicossocial e deu-lhes um mandato: «Crescei, multiplicai-vos e dominai a terra». Na normal diversidade, o par humano realiza a complementaridade para continuar o mistério da criação que, em Deus, tem a sua origem. Cada pessoa nasce do amor entre o homem e a mulher, que se fazem um só para continuar a vida. A diferença entre o homem e a mulher é indispensável para a geração de uma nova vida, para a educação das crianças e dos jovens, para a família que se vai desenvolvendo segundo os valores de cada um, para a alegria da fecundidade global que, pelo amor, se vai construindo.
A ideologia de género pretendeu ultrapassar a menoridade social da mulher. Para consegui-lo, alguns procederam a uma distinção entre o sexo biológico e os papéis que a sociedade, tradicionalmente, outorgou à mulher. Afirmaram que masculino ou feminino não passariam de construções mentais, mais ou menos artificiais e interessadas, as quais deveriam ser desconstruídas. Para se afirmar o género, propunha-se que ele se sobrepusesse ao sexo, devendo a cultura impor-se à natureza. Recusava-se a diferenciação sexual natural e conduzia-se o género à escolha individual. O género passava a não corresponder ao sexo, decorrendo então de uma escolha subjectiva, ditada por instintos, impulsos, preferências e interesses para lá dos dados naturais e objectivos.
Como consequência desta ideologia de género, veio a ser sugerida a equiparação entre uniões heterossexuais e homossexuais; ao modelo da família heterossexual suceder-se-iam vários tipos de famílias, tantos quantos as preferências individuais; em vez de família falar-se-ia de famílias; em vez de paternidade ou maternidade falar-se-ia exclusivamente de parentalidade, criando um conceito abstracto, desligado da geração biológica.
Compreende-se que a Igreja Católica recuse a ideologia de género, uma vez que, no plano bíblico e na perspectiva antropológica, a diferença e a complementaridade entre homem e mulher têm, como grande objectivo, a continuação da vida, tornando o par humano continuador do projecto criador de Deus. Numa sã antropologia, tanto o homem como a mulher tem diversas e complementares missões, o que permite não apenas a fecundidade generosa, mas também um tipo de educação em que intervenções diferentes, mas enriquecedoras, contribuem para a maturidade da pessoa humana. Assim, é lógico que, simplesmente no plano ético e não necessariamente religioso, a Igreja recuse as leis fracturantes que, no ser humano, reduzem tudo a uma escolha. O masculino e o feminino não se podem escolher, são dádivas da natureza, com missões diferentes e complementares, para um projecto comum que é, em última análise, o projecto de Deus.
(Este texto baseia-se na Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, de 14 de Novembro de 2013)
Mons. Vítor Feytor Pinto
In Família Cristã