Edith Stein: uma cruz em Auschwitz
Foi há dias que a Igreja Católica celebrou a memória de Santa Teresa Benedita da Cruz, aliás, Edith Stein, como esta intelectual brilhante passou a ser conhecida, após o ingresso na vida religiosa como carmelita, embora continuasse a ser apreciada no mundo académico europeu, de entre as duas guerras.
Tal celebração litúrgica constituiu o ensejo para eu ir finalmente à procura do universo misterioso da filósofa e da santa, para compreender as motivações profundas do seu itinerário pessoal, desde os tempos da menina judia – que cedo adoptou o ateísmo – até à religiosa que abraçaria a sua cruz no “Gólgota” de Auschwitz, a reprodução colectiva do Gólgota original.
Ideia fundamental esta, da autoria da santa e mártir, que merece ser retida e meditada, como um dos seus legados: «Todos os que buscam a verdade buscam a Deus, quer isso seja claro para eles, ou não».
UMA VIDA SINGULAR
Quando criança, Edith era conhecida pela sua inteligência e amor pelo saber. Edith era uma conhecida devoradora de livros…
Aos treze anos passou por uma crise, de fé e não só. E decidiu abandonar os estudos. E embora deixasse de acreditar em Deus, continuou a frequentar a sinagoga com a mãe, fundamentalmente para a não descontentar. A relação afectuosa entre ambas era de facto muito profunda. Desse período ficou-lhe algo que permaneceria nela toda a vida: a busca da verdade como missão de toda a sua existência, só satisfeita com a sua conversão à fé católica. Reiniciou entretanto os estudos e completou o curso secundário, com o objectivo de entrar na Universidade, o que aconteceu.
O ENCONTRO COM JESUS
Edith Stein começou sua educação superior na Universidade de Breslau, em 1911, onde foi influenciada pelas obras de Edmund Husserl, que era professor de Filosofia na Universidade de Göttingen e foi o fundador da escola de pensamento conhecido como fenomenologia, quer dizer, o estudo do desenvolvimento da consciência humana. Tal estudo motivou Edith a querer estudar com Husserl em Göttingen. E foi aí que Edith foi exposta pela primeira vez à fé católica. Quando em 1916 Husserl assumiu o cargo de professor na Universidade de Freiburg, ele solicitou que Edith se lhe juntasse como assistente. Cedo se tornou conhecida como um dos principais valores no domínio da Filosofia da Universidade.
O seu interesse pelo Catolicismo aumentou em 1917, o que a levou a ler o Novo Testamento, mas não se converteu até 1921.
A tradução para Alemão de uma obra em Latim sobre a verdade em São Tomás de Aquino convenceu-a de que poderia servir a Deus por meio da busca pela verdade. Os seus escritos e traduções tornaram-se populares e Edith Stein foi convidada a dar palestras sobre questões religiosas e femininas dentro e fora da Alemanha.
O CONTEXTO POLÍTICO
Em 1933, Hitler e o seu Partido Nazi chegaram ao poder na Alemanha. Um dos resultados da ascensão de Hitler foi, além dos cada vez mais frequentes ataques contra os judeus, que Edith e outras pessoas de origem judaica, em cargos universitários, fossem demitidas das suas funções.
Neste contexto, Edith refugiou-se num convento carmelita na Holanda, em final de 1938, no que foi acompanhada pela sua irmã Rosa, também convertida ao Catolicismo.
UMA CRUZ EM AUSCHWITZ
Em 1942, os nazis começaram a remover os judeus da Holanda e Edith solicitou um visto para refugiar-se num convento na Suíça. Mas a 2 de Agosto de 1942 as irmãs foram presas e transportadas para um campo de concentração em Amersfoort, na Holanda, por alguns dias, antes de serem enviadas para o campo de Auschwitz.
«Vamos reunirmo-nos ao nosso povo», diria Edith para a sua irmã Rosa, ao serem ambas encaminhadas para a morte.
Em 1987 Edith Stein foi beatificada pelo Papa João Paulo II que a considerou como mártir católica, tendo elogiado igualmente as suas obras filosóficas. A sua canonização foi celebrada pelo mesmo Papa em 11 de Outubro de 1998.
A PROCURA DA VERDADE
A procura da verdade foi o lema de toda a vida da santa e mártir de Auschwitz. Mas, pelo seu percurso singular, Edith foi exemplo ou símbolo de muitas pontes entre margens improváveis: ponte entre cultura e espiritualidade, ponte entre razão e fé, ponte entre o judaísmo familiar, o ateísmo convicto e o Cristo crucificado. Aliás, é este último aspecto que leva muitos comentadores da sua obra a falarem do seu culto de uma autêntica“teologia da cruz”. O seu último livro seria a confirmação disso mesmo e o título é revelador: “A Ciência da Cruz”.
Edith Stein motivou-se, portanto, pela persistente procura da verdade sobre o Homem e sobre o sentido verdadeiro da sua existência. Tal sentido não seria encontrado por ela na indagação filosófica, mas na fé em Jesus.
«Aqui é que está a verdade», foram as palavras de Edith Stein, ao ler a autobiografia de Santa Teresa de Ávila que assim pôs fim à sua longa procura da verdadeira fé.
Embora desejasse dedicar-se totalmente à verdade, não podia continuar a acreditar que a verdade científica, com a qual estava tão familiarizada, tinha direito à devoção absoluta. A verdade estava pois noutro lado. Como o testemunhavam Santo Agostinho, Francisco de Assis e… Teresa de Ávila.
Durante o Verão de 1921, entretanto, durante uma visita a amigos, leu “O Livro de Sua Vida”, de Santa Teresa de Ávila, a mística espanhola do Século XVI e reformadora da ordem carmelita. Este livro, seleccionado aleatoriamente, selou a sua escolha.
No dia de ano novo de 1922 foi baptizada como católica, entrando num novo mundo, no qual a partir de então viveria inteiramente pela fé, sendo a sua conversão o ponto culminante da sua dedicação em busca da verdade. Uma vez convertida e baptizada, Edith buscou desde o início um relacionamento com Deus que trouxesse unidade a toda a sua vida.
A TEOLOGIA DA CRUZ
O mistério da cruz constitui o tema central da espiritualidade de Edith Stein. A CRUZ, tendo como sentido a expiação, é de facto a ideia-chave de todo o percurso de Edith Stein. É a essa luz que ela interpreta, aliás, toda a tragédia que, com Hitler, se abateu sobre o seu povo, o povo judeu.
Há um simbolismo muito forte ligado ao seu nascimento: Edith nasceu no dia 12 de Outubro, o dia da expiação – o “Yom Kippur”, quer dizer, a festa religiosa maior do povo judeu. Este dia do seu nascimento, e o da sua morte em Auschwitz, a 9 de Agosto de 1942, estão ligados pelo signo da expiação.
A evolução religiosa é vista por muitos como uma progressiva descoberta do sentido da cruz. Edith entrega-se na sua cruz (também) pelo povo judeu. A cruz é vivida por si como caminho de abandono e de entrega à vontade de Deus. Edith Stein cristalizou as questões de quem somos em relação a nós mesmos, uns aos outros e Deus: «Todos os que buscam a verdade buscam a Deus, quer isso seja claro para eles ou não».
A sua educação foi uma busca pela verdade que terminou quando encontrou a sua verdade no Cristianismo.
Reler hoje Edith Stein é refrescarmo-nos na fonte da sua fé.
Carlos Frota