Os muitos prémios da Paz
Em cada dia 1 de Janeiro, Dia Mundial da Paz, quase nunca deixo de reflectir na importante mensagem que o Santo Padre divulga, para sublinhar, em cada início de ano, o significado profundo da data.
Costuma pensar-se que os dias comemorativos encerram símbolos que se desvanecem com o tempo, mas a Paz é dificilmente um deles. O que está em jogo é demasiado precioso para ser subestimado. Isso não quer dizer, infelizmente, que os diferentes actores internacionais pensem sempre na Paz com a urgência e a exclusividade de atenção que a questão merece. Nem mesmo as opiniões públicas, absorvidas por objectivos de vida que não tocam, demasiadas vezes, infelizmente também, o mais essencial.
Vive-se na cultura do supérfluo, sobretudo naquelas sociedades onde um conflito maior há muito não lhes bate à porta, como aconteceu aquando das duas guerras mundiais.
AS VÁRIAS DIMENSÕES DA PAZ
A Paz, com os seus múltiplos prémios de desenvolvimento e prosperidade, é pois uma questão maior, sempre frágil e por isso a dever permanecer no topo das nossas preocupações. De todos nós. E a Paz está intimamente associada a outro conceito que as Nações Unidas vêm trabalhando: a segurança humana.
A segurança humana pode ser descrita como a “segurança das pequenas coisas”, porque não se trata de militares e armas, do conflito de territórios e da defesa das fronteiras, que constituem as preocupações dos Governos quanto à segurança. As pequenas coisas são importantes, porém, são mesmo fundamentais para uma paz duradoura, construída numa base sólida, desde o início, evitando assim o retorno dos conflitos.
ALFRED NOBEL E A PAZ
Mas pode perguntar-se: – E o prémio que galardoa anualmente os pequenos/grandes esforços de paz, tem estado à altura da importância da causa que serve e das preocupações humanitárias do seu criador?
O humanista com a dimensão de Alfred Nobel pensou na Paz, e o prémio com o seu nome exprime o desejo de premiar o melhor da criatividade humana, nesta área.
Alfred Nobel mostrou grande interesse pelas questões sociais e participou no movimento pela Paz. O conhecimento de Bertha von Suttner, que foi uma força motriz do movimento internacional pela paz na Europa e mais tarde recebeu o Prémio da Paz, influenciou muito as opiniões de Nobel sobre a Paz. A Paz foi a quinta e última área premiada que o filantropo mencionou no seu testamento.
O Prémio Nobel da Paz é concedido por um comité eleito pelo Parlamento norueguês.
OBAMA… E OS OUTROS
Mas mais do que qualquer outro, este Prémio Nobel específico, o da Paz, frequentemente causa polémica. Um dos motivos reside em que muitos laureados foram ou são actores políticos contemporâneos e altamente controversos. Outro é que os prémios, em muitos casos, ampliam a atenção do público sobre conflitos internacionais ou nacionais. Neste último caso, os prémios foram/são frequentemente vistos pelas autoridades nacionais como “interferência” em questões internas. Em algumas ocasiões, houve até mesmo fortes críticas contra o próprio Comité Norueguês do Nobel e a maneira como os seus membros são seleccionados.
Caso célebre de polémica em torno do prémio teve a ver com Obama, como nos recordamos todos. O primeiro acto do Presidente Barack Obama como vencedor do Prémio Nobel da Paz em 2009 – nove meses depois de fazer o juramento de posse – foi tentar escapar de aceitá-lo.
O Presidente estava entre os 61 por cento dos americanos que acreditavam que ele não o merecia…
O galardão da Paz, como se sabe, tem distinguido intervenções em áreas que vão da social, à cultural, à política, etc. etc., e uma descrição sumária dos galardoados mais próximos, por exemplo, prova isso mesmo.
OS PEQUENOS/GRANDES OBREIROS
Quem venceu o Prémio Nobel da Paz em anos mais recente, por exemplo? Em 2020 o galardoado foi o Programa Alimentar Mundial, das Nações Unidas, pelo seu inestimável trabalho de fazer chegar alimentos essenciais às populações atingidas ou deslocadas por conflitos. Em 2019 ganhou o Primeiro-Ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, pela paz mediada no vizinho Sudão. Em 2018 o médico congolês Denis Mukwege e a Nadia Murad por trabalharem para “o fim do emprego da violência sexual como arma de guerra”. Em 2017 venceu a Campanha internacional para a abolição das armas nucleares (ICAN), por ter contribuído para a adopção de um tratado histórico de interdição de armas atómicas. Em 2016 foi a vez do Presidente colombiano Juan Manuel Santos, pelo seu compromisso em acabar com o conflito armado com a guerrilha FARC. Em 2015 ganhou o Quarteto para o diálogo nacional tunisino, actores e sociedade civil, que permitiram salvar a transição democrática na Tunísia. Em 2014 foram Malala Yousafzai (Paquistão) e Kailash Satyarthi (Índia), “pelo seu combate contra a opressão das crianças e dos jovens e pelo direito de todas as crianças à Educação”. Em 2013 foi distinguida a Organização para a Interdição das Armas Químicas (OIAC), pelos seus esforços visando o desarmamento do planeta das armas de destruição massiva.
E quem vencerá afinal este ano ?
A PAZ E O COMBATE AO COVID?
O vencedor do Prémio Nobel da Paz de 2021 será anunciado em Outubro. Como bem se compreende, actividades relacionadas com a batalha contra o Covid-19 são centrais, incluindo uma indicação para que seja premiada a aliança de vacinas GAVI.
O Comité Norueguês do Nobel, que decide quem vence o prémio, não faz comentários sobre as propostas de candidatos, mantendo em segredo por cinquenta anos os nomes dos indicados e dos vencidos.
LISTA DE CANDIDATOS AO PRÉMIO 2021
Os indicados incluem, entre outros, este ano, Greta Thunberg e a OMS com o seu programa COVAX para garantir o acesso justo às vacinas Covid-19 para os países pobres. Greta Thunberg foi apontada como um dos “principais porta-vozes na luta contra a crise climática”, com o grupo de campanha que ela co-fundou, “Fridays for Future”, também recebendo boa aceitação inicial.
Kushner, ex-conselheiro da Casa Branca, e o seu número dois, Berkowitz, foram igualmente indicados para o Prémio Nobel da Paz pelo seu papel na negociação de quatro acordos de normalização entre Israel e árabes, conhecidos como os “Acordos de Abraão”.
Também foi nomeado o Comité de Helsínquia Húngaro, um grupo de direitos humanos, e a IUSTITIA, um grupo de juízes polacos que defendem os direitos civis. Outros indicados incluem a NATO e a agência de refugiados da ONU (ACNUR).
Na lista está ainda Aminatou Haidar, pela sua campanha pacífica em prol de um Saara Ocidental independente, a Estação Espacial Internacional e o Movimento Escoteiro Internacional.
AINDA A VOZ DO PAPA
Se o Prémio Nobel da Paz é tantas vezes polémico porque ferindo interesses e sensibilidades nacionais, o Papa oferece uma bússola para aferir do trabalho de quem se perfila como candidato.
Na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano, o Santo Padre lembra: não há Paz sem uma “cultura da solicitude”. E o Papa Francisco oferece a Doutrina Social da Igreja como uma “bússola” para fomentar uma cultura de zelo pela paz no mundo, avançando no “caminho da fraternidade, justiça e paz entre indivíduos, comunidades, povos e nações”.
É esse o critério a distinguir os verdadeiros, genuínos candidatos ao prémio e à causa da Paz… dos candidatos que o não são….
Carlos Frota