Francisco: educar e reinventar o futuro
Das belíssimas parábolas de Jesus, ao modo como o Amor é glosado por místicos e doutores da Igreja, teólogos ou simples fiéis devotos, até à encíclica mais recente do nosso Papa Francisco, aí temos o vocábulo a servir sempre, nos mais diversos contextos pessoais ou históricos, um único e mesmo propósito: irrigar as relações do Homem com Deus e com os outros homens desse bálsamo de generosidade e tolerância, de bondade e de entrega – que dignifica ambos, quem o pratica e a quem se destina.
Ora, desta preciosíssima matéria-prima precisa o mundo, mais do que nunca. O mundo da política e o da economia, o da cultura e o das instituições, o das relações entre comunidades infranacionais e entre Estados soberanos. E precisam os homens, as empresas, todos os actores individuais e colectivos que conduziram as nossas sociedades a viver a globalização da indiferença, como não se cansa de repetir o Papa.
A FRATERNIDADE SOCIAL
Na sua recente encíclica “Fratelli tutti”, ao discorrer sobre as redobradas exigências da solidariedade, como único modo de construir o futuro, o Papa faz duas coisas: recorda a permanente actualidade do amor ao próximo, como cimento de unidade, em sociedades mais integradas (e por isso menos fracturadas) do que as actuais; e estende o conceito aos confins da terra, como o fez o Santo de Assis, único modo de reinventar a globalização, não já a da indiferença, como tantas vezes denuncia, mas a do… amor, exactamente. A globalização da fraternidade solidária.
Ora, este “novo” quadro tem que ter consequências, pelo menos duas e da maior relevância. No modelo económico global. E no relacionamento internacional. Desde logo, no modelo económico global que consiga dar resposta às crescentes desigualdades para que todas as instituições financeiras internacionais chamam a atenção dos responsáveis políticos e demais decisores.
EDUCAR… EDUCAR… EDUCAR
O Papa Francisco relançou entretanto o chamado Pacto Global sobre Educação com uma mensagem de vídeo durante um evento virtual na Pontifícia Universidade Lateranense de Roma, apelando a todos os sectores da sociedade em todo o mundo para assinar e apoiar o Pacto Global sobre Educação. A iniciativa promove os valores de atenção ao próximo, paz, justiça, bondade, beleza, acolhimento e fraternidade para construir esperança, solidariedade e harmonia em todos os lugares.
O Pacto, promovido pela Congregação para a Educação Católica, tem como objectivo promover mudanças à escala global, para que a educação se torne criadora de fraternidade, paz e justiça. Segundo o Papa, o pacto visa «garantir que todos tenham acesso a uma educação de qualidade em consonância com a dignidade da pessoa humana e com a nossa vocação comum à fraternidade».
«Sejamos sustentados pela convicção de que a educação traz em si uma semente de esperança: a esperança da paz e da justiça; a esperança de beleza e bondade; a esperança de harmonia social», disse o Papa na sua mensagem. «Devemos seguir em frente, todos nós juntos, cada um como é, mas sempre olhando para a construção de uma civilização de harmonia e unidade, na qual não haverá espaço para a terrível pandemia da cultura do descartável», acrescentou.
MOBILIZAR A COMUNIDADE INTERNACIONAL
Juntando-se ao Papa no relançamento virtual do pacto pela educação estavam o director-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Audrey Azoulay, representantes da Congregação para a Educação Católica e representantes de algumas universidades italianas.
Na sua mensagem, o Papa chamou a atenção para os efeitos adversos da crise do Covid-19 nos sistemas educacionais em todo o mundo. As plataformas educacionais “online”, observou, trouxeram à luz uma disparidade acentuada nas oportunidades educacionais e tecnológicas, forçando cerca de dez milhões de crianças a abandonar a escola, além dos já mais de 250 milhões de crianças em idade escolar excluídas de todas as actividades educacionais. Números impressionantes, na verdade!
NOVO MODELO CULTURAL E DE DESENVOLVIMENTO
Neste contexto, o Papa apelou a um novo modelo cultural e de desenvolvimento que respeite e proteja a dignidade humana, ao mesmo tempo que cria uma interdependência global para reunir comunidades e povos para cuidar de nossa casa comum e promover a paz. «A educação», disse o Papa, «foi feita para ser transformadora». Deve apresentar uma esperança que pode quebrar o determinismo e fatalismo do egoísmo dos fortes. Deve quebrar o conformismo dos fracos e a ideologia dos utópicos como o único caminho a seguir.
Educar é sempre um acto de esperança, referiu o Papa, devendo abrir novos horizontes nos quais a hospitalidade, a solidariedade intergeracional e o valor da transcendência dão origem a uma nova cultura. Esta esperança deve basear-se na solidariedade, devendo o processo educativo ajudar a responder aos desafios e problemas de hoje e encontrar soluções para as necessidades de cada geração. Isso ajudará a contribuir para o florescimento da Humanidade agora e no futuro.
CONTRA O EGOÍSMO E A INDIFERENÇA
O Papa destacou que «a educação é um antídoto natural para a cultura individualista que às vezes degenera em um verdadeiro culto a si mesmo e ao primado da indiferença». O compromisso de todos os níveis da sociedade, sublinhou, é necessário para «uma educação renovada que não se deixe enganar e assim favoreça graves injustiças sociais, violações de direitos, terríveis formas de pobreza e desperdício de vidas humanas».
O Pacto Global sobre Educação exige um processo integral que responda à solidão e incerteza dos jovens que geram depressão, vício, agressividade, ódio verbal e “bullying”. O pacto aborda temas como a violência, o abuso de menores, o fenómeno do casamento infantil e crianças-soldados, a tragédia de crianças vendidas como escravas, bem como a «exploração sem sentido e sem coração» do planeta, levando a um grave ambiente e crise climática.
TRABALHANDO JUNTOS PARA O FUTURO
Segundo o Papa, em meio à actual crise de saúde e seus efeitos, todos devem subscrever o Pacto Global sobre Educação para e com as gerações futuras: «Isso exige um compromisso por parte das famílias, comunidades, escolas, universidades, instituições, religiões, Governos e toda a família humana na formação de homens e mulheres maduros».
«O valor das nossas práticas educacionais», disse Francisco, «será medido não apenas pelos resultados de testes padronizados, mas pela capacidade de afectar o coração da sociedade e ajudar a dar à luz uma nova cultura». O Santo Padre afirmou acreditar que «um mundo diferente é possível», e isso exige o envolvimento de «todos os aspectos de nossa humanidade, tanto como indivíduos quanto nas nossas comunidades».
O Pontífice apelou aos homens e mulheres da cultura, ciência e desporto, artistas e profissionais dos media em todo o mundo para se juntarem no apoio a este pacto e no assegurar do bem-estar comum, por meio da promoção de paz, justiça, bondade, beleza, aceitação e fraternidade.É este o Papa inovador que nos aponta a caminho. É segui-lo!
Carlos Frota