O que é único e pelo qual todos ansiamos?
Afirmámos que o Homem tem o poder de fazer escolhas informadas e inteligentes; que o Homem é livre. No entanto, São Tomas de Aquino ensina-nos que há algo na vida em que não somos livres de escolher ou rejeitar, pois é algo que todos necessitamos e por isso desejamos ou ansiamos. E o que é esse algo? A FELICIDADE!
São Tomas escreveu: “…por necessidade, todo o homem deseja a felicidade… desejar a felicidade nada mais é do que desejar que a sua vontade seja satisfeita. É isto que todos desejam” (Suma Teológica, STA).
Vimos que a liberdade brota da nossa razão e da nossa vontade. E o que a nossa razão procura? A verdade, pois que ninguém quer ouvir mentiras. E o que a nossa vontade procura? O bem! O Homem sente-se inquieto e ansioso até alcançar a verdade e a bondade. Somente quando alcançamos a verdade e a bondade é que alcançamos a felicidade.
No entanto, a verdade terrena é a bondade criada com limites, enquanto os nossos anseios não o são. Portanto, apenas algo ilimitado, algo infinito, é que pode saciar a nossa sede de verdade e bondade.
Vimos que Deus é verdade e bondade infinitas. Assim, somente Deus pode satisfazer plenamente os nossos desejos mais profundos. A liberdade é, portanto, mais perfeita quando nos conduz a Deus. Santo Agostinho expressou-o na sua famosa oração “Confissões”: “Senhor, Vós nos fizeste para Vós, e os nossos corações estão inquietos até que descansem em Vós”.
Mas por que razão muitas pessoas não parecem procurar Deus? A resposta está no facto do nosso intelecto e a nossa vontade terem sido feridos (embora não corrompidos) pelo pecado original. Quanto mais o nosso intelecto fica obscurecido, mais a nossa vontade enfraquece. Esta conjugação leva a escolhas defeituosas – o mesmo será dizer: escolhas más ou erradas.
“Enquanto se não fixa definitivamente no seu bem último, que é Deus, a liberdade implica a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, e portanto, de crescer na perfeição ou de falhar e pecar”, refere o Catecismo da Igreja Católica, no ponto 1732, acrescentando no ponto 1739: “A liberdade do homem é finita e falível. E, de facto, o homem falhou. Livremente, pecou. Rejeitando o projecto divino de amor, enganou-se a si mesmo; tornou-se escravo do pecado”. Isto é, o Homem abusou e continua a abusar da sua liberdade.
É por esta razão que devemos “treinar” a forma como lidamos com a liberdade. Para tal, necessitamos da ajuda da graça actual, das virtudes e da assistência do Espírito Santo.
Ora, o que exige este “treino”? Exige formação do intelecto e da vontade. E como a graça actual, as virtudes e a assistência do Espírito Santo nos podem ajudar? As graças actuais, as virtudes humanas e sobrenaturais, e os dons do Espírito Santo iluminam o nosso intelecto e dão força à nossa vontade. Deste modo, elevam a nossa liberdade a um patamar superior, tornando-nos mais capazes de fazer escolhas sábias.
Neste quadro, o Catecismo da Igreja Católica explica, no ponto 1734: “O progresso na virtude, o conhecimento do bem e a ascese aumentam o domínio da vontade sobre os próprios actos”.
O que é a ascese? Ascese, ou luta ascética, deriva da palavra grega “askesis”, ou seja, o treino de um atleta para poder participar num evento desportivo. Em 1 Coríntios 9:24-27, diz São Paulo: «Não sabeis que entre todos os que correm no estádio, na verdade, somente um recebe o grande prémio? Correi de tal maneira que o alcanceis! Todos os que competem nos jogos se submetem a um treinamento rigoroso, e isso, para obter uma coroa que logo se desvanece; no entanto, nós nos dedicamos para ganhar uma coroa que dura eternamente. Portanto, não corro como quem corre sem alvo, e não luto como quem apenas soca o ar. Mas esmurro o meu próprio corpo e faço dele meu escravo, para que, depois de haver pregado aos outros, eu mesmo não venha a ser reprovado».
Pe. José Mario Mandía