Nada permaneceu o mesmo. A jornada transformadora dos Magos
Viajar está no topo da lista dos desejos de muitos que nos últimos anos não puderam deixar os seus países de origem por causa das restrições sanitárias. À medida que os regulamentos vão sendo gradualmente flexibilizados, também vamos esperando que neste ano possamos retomar as idas e vindas que fazem parte do nosso estilo de vida moderno.
Antigamente, viajar não era tão comum. A minha avó morreu sem ter visto o mar. Na sociedade rural em que vivia, apenas soldados, missionários e poucos peregrinos podiam contar histórias de terras e povos distantes. Hoje, viajar, para a maioria de nós, é gozarmos férias nalguma atracção turística com todo o conforto.
Ainda assim, viajar é uma das melhores metáforas para descrever a vida. Espiritualmente falando, é a busca de Deus que está embutida na alma humana. Muitas vezes, os dois coincidem: somente encontrando Deus podemos encontrar verdadeiramente o sentido da nossa existência.
Os Magos do Evangelho de hoje (Mt., 2, 1-12), provavelmente, eram pessoas de coração inquieto em busca de respostas espirituais. No final da sua longa jornada, encontraram “Deus presente” no lugar mais inusitado e inquietante, mas tal significou o início de uma outra jornada, desta vez dentro deles mesmos.
Idos de longe, para homenagear o recém-nascido “Rei dos Judeus”, estes Magos são, de facto, figuras misteriosas, muitas vezes descritos como sábios ou reis. A tradição da Igreja acredita que representam todos os povos do mundo, chamados a unir-se a Israel na adoração do único Deus verdadeiro que Se tornou homem. Mas também representam cada um de nós, que perante a complexidade da condição humana procuramos “escrutinar” os acontecimentos em busca de sentido e direcção. Daí que precisemos de cumprir uma jornada, ou seja, de olhar para além do superficial e do convencional. Apenas podemos embarcar em tal jornada se estivermos genuinamente abertos aos riscos e surpresas que estão fora da nossa imaginação ou controlo.
T. S. Eliot, um poeta do início do século passado, descreveu este processo no seu famoso poema “A Jornada dos Magos”. Nele, um dos Magos narra que quando partiram estavam “apenas no pior momento do ano para uma viagem, e logo uma viagem tão longa”. Nas noites frias lamentavam ter deixado o conforto das suas casas e lutavam para dormir, ouvindo “vozes cantando nos nossos ouvidos, dizendo-nos que tudo isto era loucura”. Ora, os “tempos piores” costumam ser os melhores para começarmos uma aventura de mudança de vida.
Quando finalmente chegaram ao seu destino – continua o poema – ficaram intrigados com o que viram. Procuravam um rei poderoso, capaz de maravilhas milagrosas, mas ao invés encontraram um pobre bebé, deitado numa manjedoura. As suas expectativas, os seus conhecimentos e a sua visão do mundo ficaram totalmente transformados: “Fomos levados para o Nascimento ou para a Morte? […] Este Nascimento foi para nós uma dura e amarga agonia, como a morte, a nossa morte”. Aceitar o modo de Deus se manifestar, como dom de amor, impotente e vulnerável, implicava a “morte” da própria mentalidade, da antiga visão do mundo e do sentido de identidade.
O que eles viram mudou-os para sempre: “Voltámos para nossos lugares, os reinos, mas não mais há vontade aqui, na antiga dispensação, com um povo estrangeiro agarrado aos seus deuses. Eu deveria estar feliz com outra morte”.
Depois do encontro com Jesus, nada permaneceu igual. Deus manifestou-Se como um dom supremo de amor. Os Magos percepcionaram que nenhum saber ou conhecimento, que nenhum poder ou riqueza jamais satisfariam a sua sede pelo significado da vida, a menos que seguissem o Seu exemplo e oferecessem a sua vida a Ele e ao mundo. A partir de Belém iniciou-se um novo caminho de vida, uma aventura que só terminará com a morte, que agora se tornou destino final e desejado: “Tu nos fizeste para ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em vós”, escreveu Santo Agostinho.
À semelhança dos Magos, depois destes difíceis últimos anos, podemos igualmente ficar confusos sobre o significado daquilo pelo qual passámos e também sobre o papel de Deus nas nossas vidas. A mensagem do Natal é a de que Deus vem compartilhar os nossos sofrimentos, embora não os resolva. Na realidade, Ele transforma-os por dentro com o dom de Si mesmo. É um mistério que não é fácil de entender ou aceitar.
Ansiamos por um novo começo neste mundo pós-Covid e podemos ser tentados a procurá-lo em alguns lugares exóticos. É bom tirar férias, mas não esqueçamos que o verdadeiro caminho da mudança de vida é interior, é o caminho que nos aproxima de Deus e dos outros, especialmente dos que sofrem. É um caminho para toda a vida, que deverá ser cumprido juntos e com a certeza de que Deus caminhará connosco.
Pe. Paolo Consonni, MCCJ