Dai-nos, Senhor, uma contrição perfeita dos nossos pecados
Como dita a tradição, a Procissão de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos voltou a sair às ruas de Macau, no passado fim-de-semana. Inserida na Novena e Festa em Honra do Senhor Bom Jesus dos Passos, a Procissão da Cruz teve início na igreja de Santo Agostinho, onde a imagem de Jesus Cristo a carregar a Cruz tem estado exposta, enquanto decorrem obras na igreja de São Domingos.
Naquela que já foi a igreja dos jesuítas em Macau, antes da expropriação das ordens e congregações religiosas pelo Marquês de Pombal, juntaram-se cerca de trezentos crentes, cuja fé vingou sobre a chuva do final da tarde de sábado, a fim de participarem na Procissão. Duas horas antes foi celebrada missa antecipada em Chinês e Português, seguida de Via-Sacra em Português e Sermão do Horto em Chinês.
«Amorosíssimo Jesus, aqui estamos aos Vossos sagrados pés, enternecidos pela vista da dolorosa imagem que vos representa», disse o padre João Lau durante a oração proferida antes da Procissão. «Dai-nos, Senhor, uma contrição perfeita dos nossos pecados para os quais imploramos o vosso generoso perdão», intercedeu o pároco da igreja de São Lázaro pelos fiéis, concluindo com humildade: «Perdoai, Senhor, perdoai ao Vosso povo, para que não vos ireis contra nós eternamente e fazei que vos acompanhemos nesta procissão com o coração verdadeiramente contrito e humilhado».
São 19 horas e 15 minutos. Na nave central da igreja de Santo Agostinho, junto ao altar, irmãos da Confraria de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos ultimam os preparativos para a caminhada até à Sé Catedral. Estão vestidos de roxo, a cor utilizada no Tempo da Quaresma – bem como no Tempo do Advento – perfilando-se à frente e atrás do andor.
Quase como por milagre, conforme se ouviu da boca de inúmeros fiéis, a chuva parou e o andor vai-se dirigindo lentamente para o adro da igreja. No Largo de Santo Agostinho está a Banda do Corpo de Polícia de Segurança Pública, sob o olhar curioso daqueles fiéis que optaram por se juntar à Assembleia apenas no exterior da igreja.
Do Largo de Santo Agostinho a imagem desce a Calçada do Tronco Velho. Na varanda de alguns prédios de habitação surgem maquinas fotográficas a captar o momento. Ao fundo, ouve-se a oração do Terço, talvez reduzido a uma Dezena, pois o percurso só irá durar alguns minutos.
Os mais velhos, acompanhados pelas novas gerações, cumprem rituais antigos, sendo prova disso uma mesa colocada à entrada de um prédio, com uma pequena imagem de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos, iluminada por dois candeeiros.
Devido ao mau tempo, o Largo do Senado tem menos gente do que o habitual para um sábado à noite, antes da hora de jantar. O trajecto, pré-definido pela organização, sobe a Travessa do Roquete, vira à esquerda na Rua da Sé e termina no Largo da Sé. Nas mãos há terços e crucifixos, e já se ouvem os sinos da Sé Catedral. D. Stephen Lee, bispo de Macau, e o padre Daniel Ribeiro, vigário-paroquial da igreja da Sé Catedral, esperam o andor, que uma vez colocado na nave central da igreja é benzido com incenso pelo prelado.
O Sermão do Horto em Português é pregado pelo padre Daniel Ribeiro. Recorrendo a um diálogo entre São Francisco de Assis e frei Leão, o sacerdote lembra que certo dia o santo foi encontrado a chorar. Quando questionado por frei Leão, respondeu: «Choro porque o amor não é amado». E quem é este amor? «O amor é Deus, é Cristo». Segundo o padre Daniel, «o pior [do homem]é a ingratidão», pois «Jesus – depois de tanto sofrer –dos homens recebeu a Cruz». Daí que o vigário-paroquial peça aos presentes que «sejam bons católicos, que cumpram os seus compromissos enquanto católicos».
Neste âmbito, o sacerdote explica que «participar na Missa não é uma obrigação, mas um gesto de amor», sendo igualmente importante a Confissão: «Não existe felicidade sem paz. Não há paz sem Deus. [Neste quadro]o mais importante é perdoar. Perdoemo-nos a nós mesmos, através da confissão dos pecados».
Estas palavras servem de mote para um momento de oração pelo perdão, conduzido pelo padre Daniel Ribeiro. Da mensagem sobressai a necessidade de «trocar o mal pelo bem», tendo em conta que o pecado é fruto de «pensamentos, actos e omissões».
Concluído o Sermão do Horto, o padre João Lau dirige-se à Assembleia em oração: «Graças a Vós damos, Senhor, pelo inestimável benefício da Redenção que em nosso favor operastes, oferecendo-Vos à Justiça de Vosso Pai em sangrento sacrifício para nos livrar da eterna morte, que por nossas repetidas culpas, merecemos. Bom Jesus dos Passos convertei os pagãos, restitui os pecadores à Vossa graça e dai-nos a todos a Vossa bênção, com a qual vivamos e morramos arrependidos dos nossos pecados».
Nesta ocasião, D. Stephen Lee aproxima-se do andor uma vez mais e beija o pé de Cristo. Os fiéis retomam as suas vidas.
No dia seguinte, Primeiro Domingo da Quaresma, a Sé Catedral voltou a encher-se para a Procissão de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos, que levou a imagem de volta à igreja de Santo Agostinho.
Antes da Procissão, o Sermão do Pretório em Chinês foi pregado pelo padre Cyril Law, enquanto o Sermão do Calvário em Português – proferido no final da Procissão – esteve a cargo do padre Daniel Ribeiro.
Entre a Sé Catedral e a igreja de Santo Agostinho foi rezada a Via-Sacra (sete estações, ao contrário das tradicionais catorze). E à semelhança do dia anterior, foram rezadas as orações para a remissão dos pecados antes e depois da Procissão.
O ritual segue os mesmos preceitos: a Confraria de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos carrega o andor, enquanto a Banda do Corpo de Polícia de Segurança Pública interpreta uma marcha fúnebre. O percurso remete para os últimos momentos de Jesus Cristo feito homem, entre os homens. A última viagem do Messias até à libertação da Humanidade pela Cruz.
As cerimónias foram presididas por D. Stephen Lee.
N.d.R. – A Procissão de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos é constituída por dois momentos: a Procissão da Cruz, no sábado, e a Procissão de Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos, no Primeiro Domingo da Quaresma. Por opção editorial, O CLARIMdá este ano maior cobertura à Procissão da Cruz na sua edição em Português, uma vez que está menos enraizada nos costumes dos católicos de Maca
José Miguel Encarnação