Gesto de boa vontade de Narendra Modi
Quando os cristãos celebram o Tempo Pascal, num gesto raro e de significativa importância, o Primeiro-Ministro indiano Narendra Modi visitou a Catedral do Sagrado Coração em Deli durante uma cerimónia religiosa e aí falou aos fiéis, acendeu uma vela diante da imagem de Cristo Ressuscitado e, momentos depois, plantou uma árvore no jardim do complexo religioso. A visita fora previamente anunciada e Modi desejara a todos os cristãos indianos “um santo dia de Páscoa” na sua conta pessoal do “twitter”, expressando votos de que “ocasião tão especial” viesse a aprofundar “o espírito de harmonia” na comunidade e a todos inspirasse no sentido de um melhor serviço à sociedade e de ajuda aos marginalizados. “Neste dia, recordemos os pensamentos piedosos de Cristo”, escreveu Narendra Modi na manhã do Domingo de Páscoa.
A visita da mais alta figura da União Indiana foi, como se esperaria, muito bem recebida pela arquidiocese de Deli, tendo servido de anfitrião-mor o arcebispo D. Anil Joseph Thomas Couto. Num comunicado divulgado pela ANI (agência oficial de notícias da Índia) o pároco da Catedral do Sagrado Coração, padre Francis Swaminathan, considerou a referida publicação “uma potente mensagem”. Um pouco por todo o País, comentadores de política indiana associaram o gesto ao slogan“Sabka Saath, Sabka Vikas”, lançado recentemente pelo Primeiro-Ministro, tendo em vista as eleições do próximo ano. No fundo, um apelo à cooperação entre as diferentes comunidades da Índia, país, infelizmente, minado por divisões confessionais alimentadas por grupos de nacionalistas hindus extremamente fanáticos.
Também em Kerala, no Sul do subcontinente, alguns líderes proeminentes do BJP (partido onde milita Narendra Modi) visitaram várias igrejas no primeiro dia da Páscoa. Gesto que a liderança da oposição local associou a “uma campanha eleitoral antecipada”, qualificando-o de oportunista. Falando ao sítio noticioso AsiaNews, o padre Paul Thelakkat, ex-porta-voz da Igreja Siro-Malabar, congratulou-se com esta visita: “É realmente uma atitude de celebração com os cristãos deste país. Esta é uma nação plural e eu sinto-me feliz que o Primeiro-Ministro tenha celebrado a pluralidade da Índia”.
Apesar do optimismo, cristãos de todo o País temem as atitudes hostis do BJP e da ideologia hindutva que lhe está subjacente. O movimento hindutva, descrito como “quase fascista, no sentido clássico”, adere a um conceito de “maioria homogeneizada e hegemonia cultural”. Acredita o padre Paul Thelakkat que o gesto de Modi não se tratou de um “golpe político pré-eleitoral”, antes sim de “uma tentativa honesta de chegar a todos neste país”. Agora, é preciso que Modi quebre o silêncio quanto à crescente onda de “intolerância anti-cristã” e, dentro do partido, controle os seus elementos mais extremistas. “A atitude cristã não deve ser nem de abstenção prostrada nem de total condenação, mas de prudência política”, afirma o padre Paul. E acrescenta: “É uma atitude positiva, mas também deve ser dirigida a outras comunidades; nenhuma parcela da sociedade indiana pode ser considerada inimiga do País e tratada como tal”.
Vinte e quatro anos após o assassinato do missionário australiano Graham Staines (passara 35 longos anos a cuidar de pacientes com hanseníase em Baripada, província de Odisha) e dos seus dois filhos menores – todos eles queimados vivos por um grupo de hindus fanáticos –, a situação não mudou muito: os cristãos na Índia continuam a enfrentar ataques à sua fé, seja nas suas reuniões, nas igrejas ou instituições educacionais.
Eis um breve apanhado cronológico. Em finais de Agosto de 2008, uma multidão hindu atacou a comunidade cristã de Kandhamal (Odisha) em retaliação pela morte de três brâmanes (ao que consta assassinados por insurgentes maoístas). Resultado: 395 igrejas e mais de cinco mil e 600 casas destruídas, seiscentas aldeias saqueadas e cinquenta mil pessoas desalojadas. Mortos terão sido mais de quinhentos. Muitas famílias cristãs foram queimadas vivas e milhares delas forçadas a converter-se ao Hinduísmo. No mesmo ano, nova onda de ataques contra igrejas cristãs e salões de oração, desta vez em Karnataka e perpetrados pela fanática organização hindu “Bajrang Dal”. Após 2014, os ataques aumentaram consideravelmente. De acordo com um relatório divulgado pelo Fórum Secular Católico (CSF), 2015 foi considerado “o pior ano para os cristãos na história da Índia pós-independência”. A capital Deli, por exemplo, assistiu naquele ano a seis ataques a igrejas e um ataque a uma escola cristã. Nos primeiros nove meses de 2021 pelo menos 305 incidentes de violência contra cristãos foram registados, segundo um “relatório de apuração de factos” divulgado pela Associação para a Protecção dos Direitos Civis “United Against Hate”.
O número de ataques à comunidade aumentou desde que o Governo começou a considerar a possibilidade de um projecto-de-lei tendo em vista a proibição da conversão religiosa forçada. Um ano depois, na altura natalícia, uma onda de ataques contra cristãos enfureceu a comunidade levando-a a organizar um protesto no “Jantar Mantar de Deli” – um histórico observatório astrológico, importante marco patrimonial. O primeiro desses ataques aconteceu a 20 de Dezembro de 2022, quando um homem vestido de Pai Natal foi espancado por uma multidão de fanáticos hindus em Vadodara, Gujarat. Pelos vistos, o “crime” do homem foi ter distribuído chocolates entre as pessoas e desejar a todos um “Feliz Natal”.
Joaquim Magalhães de Castro