Quatro dias de esperança

NA UR DOS CALDEUS, FRANCISCO FALOU DE JESUS CRISTO, DESCENDENTE DE ISAAC E ABRAÃO

Quatro dias de esperança

Sexta-feira dia 5 de Março, o Papa saiu de Roma para uma viagem de pouco mais de três dias ao Iraque. João Paulo II quis ir lá, há 21 anos, mas o pedido foi rejeitado pelo Governo da época.

A agenda de Francisco incluiu obviamente a capital, Bagdade, mas também numerosas outras cidades. Entre elas, cidades martirizadas como Mossul, Qaraqosh e Erbil, onde os cristãos sofreram muito. Nos últimos anos, milhares foram mortos e uma multidão imensa teve de fugir à pressa para salvar a vida, perseguida pelo chamado “Estado Islâmico”. Neste momento, restam poucos, do milhão e meio de católicos que havia em 2003, quando Saddam Hussein foi deposto. A primeira intenção do Papa foi encorajar os sobreviventes e dizer à Igreja no Iraque, tão duramente provada, que não é secundária, que faz parte da Igreja universal.

Outro objectivo foi contactar com os muçulmanos e para isso teve encontros ecuménicos e foi à cidade de Najaf falar com o Grande Ayatollah al-Sistani. Espera-se que este encontro produza bons frutos, como aconteceu em 2019 com Ahmed Al-Tayeb, o Grande Imã de Al-Azhar (Cairo), que subscreveu com o Papa uma declaração histórica acerca da fraternidade humana.

Na região fala-se uma língua próxima da de Nosso Senhor e a cidade de Ur é a origem do povo judeu. Abraão vivia bem instalado na grande Ur dos caldeus quando Deus lhe pediu que se pusesse em marcha, que abandonasse o património e os direitos adquiridos, o apoio da família, as garantias de segurança pessoal e económica e se pusesse a caminho de forma absolutamente singular, como Deus lhe havia de indicar.

Não era só uma questão de coragem, a proposta de se lançar no vazio só fazia sentido na base de uma confiança inabalável em Quem o convidava. Porque Abraão não foi um conquistador, cobiçando mais terras, Abraão será sempre, até ao final dos seus dias, um forasteiro, um vagabundo do espaço aberto em que o deixam habitar. Aproximando-se o fim da vida, compra aos hititas uma sepultura, onde enterra a mulher, Sara, e onde, mais tarde, o enterraram a ele, e depois o filho e as mulheres do filho. Abraão também não é um nómada no sentido habitual. Ele vive sem um chão próprio porque o seu chão é Deus.

Toda a vida de Abraão é um diálogo intenso entre a generosidade de Deus e a generosidade de Abraão.

Sara era estéril e de idade muito avançada, de modo que a família parecia caminhar para a extinção. No entanto, Deus, em quem Abraão confiava, disse-lhe «olha para o Céu e vê se consegues contar as estrelas» e acrescentou: «assim será a tua descendência» (Gen., 15, 5). De facto, nasceu Isaac.

Deus pede-lhe então que ofereça Isaac em sacrifício e, mais uma vez, Abraão, mesmo sem compreender o plano de Deus, confia. Sobe com Isaac ao monte Moriá (em Salém, actual Jerusalém) para imolar o filho e aí lhes aparece um Anjo segurando a mão de Abraão e garantindo-lhe, da parte de Deus, uma linhagem numerosa. Renova-se a promessa, cada vez mais ampla:

«Juro por Mim mesmo – oráculo do Senhor – (…)que na tua descendência serão abençoados todos os povos da terra, porque obedeceste à minha voz» (Gen., 22, 16.18).

As sucessivas alianças de Deus com Abraão são a resposta cada vez mais magnânima de Deus à generosidade cada vez mais completa de Abraão. Olhando em perspectiva a vida deste homem, o próprio Deus reconhece que tem uma espécie de dívida de amor para com ele:

«Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair de Ur dos Caldeus» (Gen., 15, 7).

Foi nesta Ur dos Caldeus que Francisco falou de Jesus Cristo, descendente de Isaac, descendente de Abraão.

As viagens de um Papa são sempre arriscadas, mas esta foi mais que todas. A Igreja, de coração apertado, acompanhou Francisco e não respirou fundo enquanto o avião não aterrou de novo no aeroporto de Roma. O Papa conta sempre com as orações de todos (Bento XVI anunciou que ficou em casa a rezar por esta importantíssima viagem) e Francisco fez questão de pedir a Nossa Senhora que o acompanhasse: como símbolo, levou consigo a imagem de Nossa Senhora do Loreto e, antes de partir, como sempre, foi à basílica de Santa Maria Maior, a mais importante basílica dedicada a Nossa Senhora, deixar o seu destino nas mãos de Maria.

José Maria C.S. André

Professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa

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