A resiliência do padre Joseph Tieffentaller
Após uma longa viagem para o Oriente via rota de Manila, concluídos três anos de serviço em Espanha, desembarca em Goa, em 1740, o jesuíta tirolês (o Tirol fazia então parte do império austríaco) Joseph Tieffentaller. Nado e criado em Bolzano, em 1710, este missionário passaria o resto da vida em constante movimento na Índia, recolhendo material geográfico e fazendo observações astronómicas, pois inicialmente estava-lhe destinado um posto no observatório de Jaipur, que com a morte do marajá Jai Singh, em 1743, em definitivo encerra a sua actividade. De Goa, Tieffentaller segue para o Colégio de Agra, e a partir daí iniciará uma série de “peregrinações”: Muttara, Deli, Nanwar, Goa, Surrate, Jodaipur, Ajmer, Jaipur, Gwalior e inúmeros outros lugares. Em 1747, ainda relativamente jovem – “corajoso e orgulhoso missionário”, como o descreve o padre Strobel –, exerce as funções de sacerdote “na colónia Bourbon de Narwar”. Tal tarefa prosseguirá durante quase dezoito anos. Com o banimento jesuíta nos domínios portugueses, depressa se agrava a situação financeira de Tieffentaller, que em 1756 não hesita em apelar a uma ajuda financeira junto da “famosa nação inglesa tão conhecida pela sua humanidade, liberalidade e caridade para com os pobres”. Aparentemente, aí consegue o pretendido apoio, e em Lucknow (no antigo reino de Oudh) estabelece quartel-general.
Manter-se-á em contínua actividade até 1771, fazendo observações e levantamentos astronómicos, empregando um ou mais assistentes locais “versados em Geografia”, que enviara para explorar as nascentes do rio Ganges. “Além da salvação das almas e a sua conquista para Deus, nada me deu maior prazer do que o estudo da posição geográfica dos lugares, a variação dos ventos, a natureza do solo, e o carácter e modos das regiões por onde ia viajando… Tem sido meu esforço investigar e comprometer-me a escrever, tudo o que vou observando. Passei por grandes dificuldades para revelar os mistérios da natureza, e, assim, adquirir um maior conhecimento do Criador e focar a minha mente nas coisas celestiais”. De realçar, na vasta obra do padre Joseph Tieffentaller, os seus artigos sobre etnologia persa, geografia e história da Índia sob o domínio persa.
Numa das obras que nos legou este missionário consta a tradução para Latim de um relato escrito em Persa por um cristão nascido em Deli, filho de um português. Chamava-se Diogo Mendes e foi testemunha ocular da invasão de Deli pelas tropas de Nader Shah. Esses trabalhos foram remetidos maioritariamente para um certo Kratzenstein, professor de medicina em Copenhaga, e em parte para o orientalista e geógrafo francês A. H. Anquetil-Duperron (1731-1805). Este último, elogiaria o valor e a importância das obras, especialmente as de geografia, num discurso perante os seus pares da Academia Francesa das Ciências. Parte dos manuscritos de Copenhaga acabariam por ser adquiridos pelo estudioso berlinense Johann Bernoulli, que os mandaria imprimir e publicar entre 1768-1791. Muitos outros trabalhos de Joseph Tieffentaller existirão ainda certamente, inéditos, algures em Paris e Copenhaga. Entretanto, acredita-se que uma considerável parte do valioso trabalho deste tirolês tenha sido consumido pelas chamas, juntamente com o restante espólio da sua antiga residência em Lucknow, aquando do motim de 1857.
Destaque-se aqui a sua “Descriptio Indiæ”, uma descrição circunstancial das 22 províncias da Índia, suas cidades, fortalezas e cidades de menor importância, juntamente com uma declaração exacta das posições geográficas. Esta obra contém ainda um grande número de mapas e esboços desenhados pelo punho de Tieffentaller. “Os Louvores da Virgem e de Outros Santos”, a tradução para Persa da “Canção das Três Crianças”, um estudo acerca da possibilidade da existência de um Cristianismo na Índia anterior à chegada dos portugueses e ainda uma série de artigos sobre o curso do Ganges, são algumas das suas obras cujo paradeiro se desconhece.
Em 1778, Joseph Tieffentaller é-nos descrito em Agra como “velho e decadente”, mas apesar da aparência frágil o tirolês era ainda capaz de pregar e administrar os sacramentos com grande vitalidade. Coube-lhe a incumbência de, em 1781, confiar a estranhos a afamada Missão de Agra que durante tantos anos estivera nas mãos dos jesuítas. Tarefa que, em boa verdade, cumpriu com enorme relutância… Os carmelitas que vieram tomar as rédeas do labor apostólico surpreenderam-no a vender algumas propriedades da Igreja. Arrecadar fundos para que pudesse viajar para Oudh, era o suposto objectivo de tal acto; porém, logo suspeitaram os frades ser aquela uma forma de empobrecer o património da Missão e, dessa forma, embaraçar os novos administradores. Fosse qual fosse o objectivo, Tieffentaller sabia que era impossível continuar a viver em Agra e por isso Lucknow permanece como o local de residência até à data da sua morte, em 1785, estando o seu corpo sepultado (como já aqui foi dito) no Cemitério Padritola, em Agra. Carlos Sommervogel afirma ter procurado em vão a data do falecimento do eminente jesuíta, expressando surpresa pelo facto do seu nome não aparecer, “depois de 1770”, nos catálogos referentes aos missionários “originários da Alta Alemanha”.
Joaquim Magalhães de Castro