MEMÓRIA PORTUGUESA NO NORDESTE DA ÍNDIA E NO BANGLADESH – 46

MEMÓRIA PORTUGUESA NO NORDESTE DA ÍNDIA E NO BANGLADESH – 46

O contributo de Pedro Xavier e a herança dos De Silva

Na sua tese de doutoramento, o investigador Luís Artur Marques Tirapicos chama a atenção para o papel do jesuíta Giovanni Battista Carbone que, entre 1723 e 1730, na companhia do confrade Dominino Capasso, fez observações telescópicas regulares de eclipses solares e lunares, e imersões e emersões dos satélites de Júpiter a partir do colégio jesuíta de Santo António e do palácio real de D. João V. Um dos objectivos dessas observações era a determinação das latitudes de dois locais, neste caso, situados no mesmo meridiano. Foi Giovanni Battista Carbone o responsável pela formação de um astrónomo leigo, Pedro Xavier da Silva de seu nome, pessoa de compleição robusta, que seguiria na comitiva do padre Manuel de Figueiredo chegada a Jaipur em Julho de 1730.

D. João V sabia bem da vantagem política de uma relação de proximidade com um governante indiano cujo estatuto poderia ajudar a minimizar a interferência das autoridades mogóis nos assuntos coloniais portugueses, em Goa e Surate, por exemplo, além da oportunidade única que isso representava para a divulgação da fé cristã naquelas paragens. Diz-nos Tirapicos que “as actividades astronómicas de Carbone desenvolveram-se em Portugal no quadro potico do absolutismo e no ambiente da corte”. Além da sua posição como matemático régio e perceptor do Príncipe Dom José e da Infanta Dona Bárbara de Bragança, Carbone, como assistente do rei, tinha a seu cargo tarefas que lhe permitiam contactos com a rede diplomática portuguesa. Tinha, por isso, acesso privilegiado a alguns dos mais destacados astrónomos, academias e fabricantes de instrumentos de toda a Europa. “De igual modo”, prossegue Tirapicos, “a sua situação no aparelho burocrático e organizativo do Estado, no epicentro de um vasto Império ultramarino, confrontou-o frequentemente com responsabilidades consonantes com a condição de matemático régio”. Como abundantemente demonstra Luís Artur Marques Tirapicos na sua dissertação, “durante a sua permanência em Portugal, Giovanni Battista Carbone nunca deixou de ser visto e tratado como conselheiro e agente técnico da Coroa”.

No Rajastãode Jaipur e Amber, doravante, e devido ao pioneirismo do padre Manuel de Figueiredo e do leigo Pedro Xavier da Silva, os jesuítas mostraram-se imprescindíveis em todos os assuntos que envolvessem o observatório astronómico. A este respeito – já que não dispomos de qualquer informação sobre o destino do secular astrónomo – acho oportuno mencionar aqui um recurso apresentado ao Supremo Tribunal do Rajastão, datado de Outubro de 1955 e a respeito de uma decisão judicial de 1945, que nos comprova a continuidade de uma linha genealógica iniciada por Pedro Xavier da Silva. No caso, um episódio de parentes desavindos por causa da velha questão das partilhas que a tantas famílias traz discórdia. Em causa estava a expropriação pelas autoridades locais de determinada propriedade, “conhecida como casa de Hakim Martin, situada no lado leste da Amer Road, na cidade de Jaipur”, a qual fora atribuída “justa indemnização pela aquisição”, e cuja posse era reivindicada, em exclusivo, por um certo “Hakim Martin, filho de Guston (Gastao?) De Silva”, apesar da discordância de parentes seus que se consideravam também proprietários. Argumentava em seu favor Hakim Martin que os outros reclamantes moravam naquela casa “com a sua permissão”, pois se considerava pessoa generosa. Os ditos cujos, de seus nomes “Martin De Silva II, Louis De Silva, Zavier De Silva, Angelo De Silva e James Michael De Silva”, requeriam o direito a uma parte dessa casa. Ora, o juiz distrital da cidade de Jaipur, “por despacho de 11 de Novembro de 1954”, atribuíra “a Hakim Martin De Silva, filho de Guston De Silva, e a Martin De Silva II, filho de Zavier De Silva” o direito a um quarto do valor do imóvel, “cada um”, enquanto, Zavier De Silva, Angelo De Silva e James Michael De Silva tinham “o direito a ficar com a metade restante em proporções iguais”. Martin De Silva, filho de Guston De Silva, insatisfeito, interpusera recurso reclamando a totalidade do valor para si, tendo que pagar para isso “uma taxa de justiça de Rs. 10”, além dos honorários devidos ao advogado.

O documento refere ainda – e esse e um pormenor muito importante – o estatuto de “zamindar” usufruído pelas partes envolvidas na disputa. O termo “Zamindar” deriva das palavras persas “zamin” (terra) e “dar” (ocupante), ou seja, terratenente, proprietário. Os zamindares chegavam a controlar regiões inteiras, subalugando a terceiros muitas das suas propriedades. Exerciam apertado controlo sobre os camponeses, dos quais se reservavam o direito de colectar impostos “em nome das cortes imperiais ou para fins militares”. Nos Séculos XIX e XX, com o advento do imperialismo britânico, muitos zamindares ricos e influentes seriam agraciados com os títulos principescos de maharaja (grande rei), rajá ou nawab (nababo). Ora, e em jeito de conclusão, é plausível ter sido bastante influente alguém do ramo familiar do nosso Pedro Xavier da Silva, pois certo é ter casado este português com mulher local de abastada família.

Joaquim Magalhães de Castro

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