A espera do Messias no Antigo Testamento
Jesus é a figura central da maior das religiões do mundo, a qual tem cerca de dois mil anos. Mas pouco se sabe da Sua vida terrena. Do Cristo da Fé, já sabemos mais. Do Jesus da história, menos. Com bastante segurança, podemos porém afirmar que viveu na Palestina, na época de Herodes Antipas, tetrarca da Galileia. Como sabemos que foi crucificado pelos Romanos, às ordens de Pôncio Pilatos. Para quase tudo mais, temos que recorrer à literatura, aos escritos dos seus discípulos, aos ecos dos testemunhos dos seus seguidores. Em parte, este silêncio das fontes históricas directas deve-se ao facto de ter sido visto pelos seus discípulos como mais do que um ser vivente: quando escreveram a sua história, ativeram-se menos ao Jesus do passado, mas mais ao Cristo de uma fé viva. Não serve de conforto ou comparação, mas também poderíamos aqui referir que as biografias de outros fundadores religiosos não estão melhor documentadas. Porque o valor de Jesus, para os que O guardaram e guardam, era, e é, acima de tudo, de fé e salvação. Os dados da história empalidecem, a fé prevalece.
Mas antes de ser o Jesus da história, o Cristo da fé, Ele era já anunciado, profetizado, esperado. O homem bíblico, diríamos, acreditou sempre na vinda de um messias, vindo de Deus. Que traria à humanidade a salvação desde sempre prometida. Crenças, especulações, profecias: mais que tudo foi sempre uma esperança viva. Mas vejamos então como foi sendo anunciado “Jesus” no Antigo Testamento. Como Messias, diga-se. Do Grego messias, forma helenizada do termo aramaico “meshicha” (em Hebraico “mashiach”), que significa “ungido”, um termo que era aplicado principalmente aos “reis reinantes”, que recebiam a dignidade régia pela cerimónia da unção (I Samuel 10,1). Os reis de Israel eram os “ungidos de Javé”. Ungido em Grego diz-se “Christós” (Cristo). Messias, assim, a partir do séc. I a.C., designava cada vez mais o “Salvador esperado”.
Do Ungido de Javé ao Ungido (Cristo) de Deus, o Salvador estava pois para vir. A esperança do povo de Israel apoiou-se, desde muito cedo, na dinastia do rei David e sua descendência, idealizada, considerada como “imortal”. David, que salvou também Israel… Temos pois aqui o messianismo real. Uma monarquia segura e próspera, vencedora, fundada por um jovem sagaz e inteligente, David. Depressa se tornará numa dinastia cada vez mais com uma idealização religiosa. Uma nova aliança de Deus com o Seu povo, distinta da do Sinai (a de Moisés). Uma nova aliança anunciada pela profecia de Natan (2 Samuel 7, do “filho de David”). Como em vários textos poéticos também se anunciava, mas sem nominalizar, esse messias real da descendência de David, na eleição de Judá (Génesis 49,8-12; Números 24,17, o “astro de Jacob”). O Templo não deixou também de reverberar o eco dessas profecias, como se constata nos Salmos, onde é recordado como “rei do Universo” (2 e 110). Ou como fez Isaías, quando descreveu o ambiente lauto e paradisíaco (9,1-6) que o nascimento do Emanuel (“Deus connosco”, Is 7,14), descendente de David, instaurará para sempre. Depois do Exílio, ou Cativeiro da Babilónia, no séc. VI a.C., essa espera de um rei futuro, um messias idealizado, seria ainda mais vincada, para mais depois da ruína da realeza que motivou o exílio. Esse messias foi proclamado por Zacarias (9,9, mas não só…), por Samuel, que exultava, profeticamente, com Belém, a “cidade de David” (1 Samuel 20,6), para anunciar o lugar de onde surgirá esse messias excelso, glorioso. Miqueias (5,1-2) alinha nesse diapasão, reforçando ainda mais a profecia. O Messias era assim cada vez mais anunciado, aguardado, desejado… Um messias de justiça e prosperidade, da paz, mas para o mundo inteiro. Um messias que dará ao seu povo o poder e domínio. Registe-se que é o mesmo messias que nos textos apocalípticos é tido como o operador da grande transformação do mundo no fim dos tempos.
Há também um messias sacerdote, de igual modo profético. Pois não há apenas um messias real. A marca do sofrimento, toda ela messiânica, desse messias sacerdote, prevalecia cada vez mais sobre a marca do poder, quanto mais perto se estava da vinda efectiva do Messias. Isaías (52,13-53,12) atesta essa marca sofrente. O Filho do Homem é mais e mais sinónimo de Messias, como se vislumbra nas visões apocalípticas vetero-testamentárias. Nelas o Filho do Homem é um messias de transfiguração celeste, glorioso. A expressão “Filho do Homem”, recorde-se, surge amiúde na literatura judaica entre os sécs. III a.C. a I d.C. Como um príncipe ungido da linhagem de David, que virá para pôr fim às tribulações do seu povo e implantar o Reino de Deus. Assim expressava fervorosamente o Salmo 72, sobre o “rei messiânico”. Libertador, salvador, conquistador, vencedor, juiz, soberano, eram as formas como se anunciava cada vez mais o Messias, “o maior dos filhos do grande rei David”. Mas sofredor. Temos, pois, um novo messianismo, substituindo o messianismo antigo, davídico, real. Agora era cada vez mais de redenção, espiritual, religioso, de sacrifício. Um novo messias, de um reino “que não é deste mundo”, todavia, como recordará João (18,36). Um messias de transformação real do mundo, que já não implicava ser um rei. Mas muitos eram os “messias” que “apareciam”, mesmo depois de Cristo, como Bar Kochebá (revoltas de 132-135 d.C.).
De Qumran, junto ao mar Morto (Israel), surgem referências a outras profecias, as mais antigas remontando ao séc. II a.C. Sobre dois messias, curiosamente, um deles sacerdote descendente de Aarão, o outro um rei, descendente de David. Já mais próximas de Cristo, estas profecias anunciam novamente um messias real, de linhagem, mas não no sentido antigo. Não se fala então já só do Messias, mas também do anúncio do Reino de Deus, embora uma soberania escatológica (1 Isaías 2, 7). O mesmo reino que será pregado e anunciado por Jesus, mais tarde, Ele que será o seu restaurador, o seu salvador. Como o Messias que se assumirá também como um servo sofredor, não apenas um rei, como um messias plural, salvador do mundo, não apenas de Israel, não tanto já um rei.
Mas o mundo estava envolto em turbulência, agitação. Israel estava sob domínio romano, através dos Herodes, dinastia fantoche, de índole cruel, sanguinária. Matanças, êxodos, extermínios, crises, fomes, impérios e reinos em choque, a paz uma miragem tantas vezes e em tantos lugares. O Templo feito pela mão dos homens necessitava da mão de Deus, através do Seu Filho, o Messias que estava para vir.
(continua)
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa