ILHAS DE SÃO LÁZARO – 28

ILHAS DE SÃO LÁZARO – 28

João da Gama e a terra de Yezo

Uma das iniciativas mais ousadas da época teve como protagonista João da Gama, capitão-mor de Malaca de 1579 a 1582 e neto do ilustre Vasco da Gama. Entre 1589 e 1590 comandou o primeiro navio português que ousou cruzar o Pacífico, épica viagem com ponto de partida em Macau e Acapulco como destino final. A escolha recaíra em Gama porque era pessoa de elevada consideração e, na altura, ocupava nessa cidade portuguesa o apetecido posto de capitão da viagem ao Japão. O Senado enviara até missiva ao rei pedindo que reconduzisse Gama no cargo e autorizasse os moradores de Macau “a irem com suas fazendas à Nova Espanha com a desculpa de que com o produto da viagem poderiam sustentar igrejas, a misericórdia e dois hospitais, sendo um de leprosos”, como nos recorda no seu estudo José Manuel Garcia; um pedido do qual, de resto, não se esperava resposta afirmativa. Escusado será dizer o espanto por todos manifestado quando se soube que a grande nau de seiscentas toneladas que o filho do segundo conde da Vigueira armara, em vez de ter como destino a Índia almejava terras mexicanas, onde os negócios eram bem mais lucrativos e, por consequência, sempre cobiçados pelos ambiciosos moradores de Macau.

João da Gama tinha noção da ilegalidade da decisão, e é bem possível que a tenha tomado na esperança que esta fosse tolerada, “tal como acontecera em viagens precedentes de espanhóis”; na realidade, o fidalgo encontrava-se num beco sem saída. Sabia que se regressasse a Goa, onde era acusado de graves irregularidades, esperava-o uma corrente de ferro e uma cela escura. Prova disso, a carta de 6 de Fevereiro de 1589 enviada pelo monarca dual ao vice-rei ordenando que mandasse prender o fidalgo, mal este chegasse da China, e o embarcasse para o reino nas naus da armada; de resto, como já o ordenara em 1587, revelando uma grande irritação face aos crimes por ele cometidos. Uma coisa é certa: no decorrer do seu mandato em Malaca, Gama manteve acesos numerosos conflitos políticos com os órgãos administrativos da cidade, o que daria origem a um processo judicial. Foi acusado de prejudicar os interesses dessa praça-forte e, por isso, chamado a Lisboa, para responder pelos seus actos e apresentar a sua defesa.

Apesar de tão cinzento panorama mostrava-se incólume o nosso personagem, casado com a filha de D. Jorge de Menezes Baroche, capitão de Cochim, e que dessa cidade tinha rumado à foz do Rio das Pérolas na companhia do irmão Paulo da Gama; pelo menos, a julgar pelo teor da carta que, em Novembro de 1588, de Macau enviaria ao rei informando-o do seu propósito de chegar a Espanha pelo caminho do México, pois queria pessoalmente dar-lhe conta da sua missão na China “e mostrar quão fácil lhe parecia empreender-se a sua conquista”. Na época foram gizados vários planos, cada um mais excêntrico do que o outro, de invadir o Império do Meio, planos megalómanos e irreais que tinham entre os seus mais entusiastas defensores vários dominicanos e franciscanos espanhóis.

Saberia Filipe II, a 18 de Novembro, pela pena de um certo Domingos Segurado, que os náufragos de uma nau chegada da Nova Espanha e afundada ao largo de Macau tinham engrossado a tripulação do navio de João da Gama, proprietário de uma viagem ao Japão, que, “uma vez em Macau, aceitara a ordem do vice-rei para transportar a dita tripulação e que em sua substituição ele ficava no ofício de capitão de Macau, durante a sua ausência, sugerindo ainda a sua nomeação para esse cargo, ou, em recompensa de seus serviços, a concessão de duas viagens da China para a Nova Espanha”. Já bem embrenhada no Pacífico, a nau do Gama, colhida por um tufão fora de época, viu-se obrigada a ancorar nas nipónicas águas de Amasuka. Consertado o madeirame do navio e retemperadas as forças dos nautas, foi retomada a viagem – estávamos em Outubro de 1589. Subiu o capitão português a uma latitude mais setentrional do que era a habitual para os galeões da carreira de Manila, e que o levaria a um lugar chamado Ezo (Yezo), ou seja, Hokaido.

Caso tenham ali desembarcado, atribua-se então a Gama e aos seus homens o estatuto de primeiros europeus a visitar essa ilha, muito embora dela houvesse já notícia. Em carta datada de 1565, o jesuíta português Luís Fróis falava-nos de uma grande terra situada ao norte do Japão habitada por “tártaros” selvagens “de tez escura, cabelo e barbas compridas semelhantes às dos moscovitas”; e em 1571 o seu confrade e compatriota Gaspar Vilela informava-nos que tais pessoas “não conhecem a Deus e adoram o sol”, mostrando-se esperançoso em futuras campanhas de missionação. Além disso, e atendendo ao facto daquelas terras “muito provavelmente” se estenderem para leste, “até à própria Nova Espanha”, e os seus habitantes serem “bárbaros como os do Brasil”, colocava Vilela a hipótese de serem americanos de origem.

Ainda a respeito do povo ainu – autóctone da ilha de Hokaido –, que é dele que nos estamos a referir, especulações outras tinham sido anteriormente feitas, todas elas por padres da Companhia de Jesus, instituição com o exclusivo na evangelização dos territórios do Sol Nascente. O italiano Nicolò Lanciolotto, por exemplo, estacionado na Índia, ouvira falar de “um povo do Japão chamado Esoo”, gente “de pele branca, cabeluda e temerosa na guerra como os alemães”; já o português Manuel Teixeira reportava em 1564, numa carta expedida de Macau, que esses povos habitavam a ilha de “Yesu”, e como o nome indicava, “adoravam a Jesus Cristo”. Finalmente, o conhecido João Rodrigues referira-se a Hokaido como “uma ilha tártara denominada Ezo”.

Joaquim Magalhães de Castro

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