Um Natal diferente?
Estamos quase no Natal! De acordo com boa parte das Igrejas cristãs, celebrar-se-á no dia 25 de Dezembro, destacando aqui a Igreja Católica e as Igrejas reformadas (Protestantes), entre outras. Mas entre os cristãos ortodoxos não é bem assim. Hoje vamos recordar, por isso, o Natal entre os ortodoxos russos. Com efeito, na Rússia, como na Ucrânia ou na Bielorrússia, o Natal é celebrado a 7 de Janeiro. É pois nesta precisa data que os cristãos de rito ortodoxo de todo o mundo assinalam e festejam o nascimento de Jesus.
Pode parecer estranho à primeira vista, mas na verdade o Natal ortodoxo também se celebra no dia 25 de Dezembro. Sim, é um facto. Contudo, é importante recordar que o é mas num calendário diferente do Gregoriano: o Juliano. Este calendário é também designado como “calendário antigo”, tendo vigorado no mundo ocidental até 1582, quando foi substituído pelo calendário Gregoriano, num conjunto de países, onde se inclui Portugal. Foi promulgado pelo Papa Gregório XIII (1502–1585) a 24 de Fevereiro do ano de 1582 pela bula Inter gravíssimas, em substituição do calendário Juliano implantado pelo líder romano Júlio César (100–44 a.C.) em 46 a.C.. Os países onde o Cristianismo Ortodoxo domina adoptaram o calendário Gregoriano em 1923-24, na maioria dos casos, como a Rússia. Mas apenas do ponto de vista civil, pois no plano religioso mantêm o calendário Juliano.
O calendário Juliano não reflectia correctamente o tempo que a Terra demora a percorrer a órbita do Sol, tendo surgido assim a necessidade da troca de calendário, encetada por Gregório XIII. Já agora, o calendário Gregoriano não é completamente correcto, embora seja mais preciso, registando o erro de um dia em cada 3236 anos. Já o calendário Juliano tinha esse o erro de um dia num espaço de tempo muito mais curto, em cada 128 anos. Para tornar o ano civil mais próximo do ano solar, foi necessário trocar os calendários e “saltar” alguns dias, criando-se assim meses irregulares como Fevereiro. Por isso, os primeiros países a aceitarem o “novo calendário” fizeram desaparecer dez dias do seu calendário habitual, ao passo que os países ortodoxos “saltaram” 13.
É nesta lógica de dias perdidos, na mudança de um calendário para o outro, que reside a diferença nas datas de celebração do Natal, primeiramente celebrado no dia 25 de Dezembro por todos os cristãos, tanto católicos como ortodoxos. A Igreja Ortodoxa contou, por isso, os treze dias que separam o novo calendário do antigo, calhando o “novo” 25 de Dezembro a 7 de Janeiro.
A Igreja Ortodoxa Russa festeja assim o Natal de acordo com o calendário Juliano, que está “atrasado” em treze dias em relação ao calendário Gregoriano. Por isso, o Natal é comemorado no País a 7 de Janeiro e não em 25 de Dezembro, como nos países católicos. Há muitos séculos, porém, não existia esta diferenciação, já que as cerimónias natalícias coincidiam mais ou menos com o Solstício de Inverno. Como se sabe, na antiguidade, por exemplo, existiam tradições relacionadas com a veneração pagã do Sol, que mais tarde se fundiram com as do Natal. Era todo um hábito de relacionar o clima e as colheitas com fenómenos naturais da época natalícia.
Os Festejos de Natal
Os mais devotos iniciam a celebração das tradições quarenta dias antes do Natal, cumprindo uma espécie de “quaresma”. Neste período, bebem apenas água durante o dia, alimentando-se ao cair da noite com produtos leves. Nesta época, aproveitam também para ajudar os mais carenciados, uma tradição dos antigos czares, que esmolavam nesta quadra os mais pobres. Os mais rigorosos não consomem carne até ao fim das festividades natalícias e fazem um jejum completo durante um dia até à ceia natalícia.
A mesa da consoada ortodoxa é recheada com doze pratos, entre os quais kutya (tipo de pudim doce de trigo e papoila), perohy (pierogi), borsch (sopa de beterraba), sopa de cogumelos, repolho recheado e batatas. Cada prato representa cada um dos Doze Apóstolos de Jesus. Só se pode iniciar a degustação dos pratos depois do brilho da primeira estrela, recordando a estrela de Belém. A toalha de mesa é tradicionalmente branca, numa simbologia que remete para a simplicidade e pureza de Jesus. Muitos ainda só se sentam à mesa depois de enfeitar a sala com fardos de palha, trazendo à memória a pobreza do Presépio.
No fim do jantar, vêm as Kolyadas, cânticos natalícios alegres na tradição eslava. Os únicos presentes que se dão na consoada do Natal ortodoxo tradicional são doces, fruta ou dinheiro, oferecidos principalmente aos mais novos, para os estimular a participar nos festejos.
A liturgia cristãs ortodoxa inicia-se na noite da véspera e termina na manhã de Natal. A partir de então, começam os festejos sem restrições: as mesas, em volta das quais se juntam famílias e convidados, enchem-se de iguarias. O jejum ou sobriedade do período ante-natalício já lá vai e a fartura impera a partir do almoço de dia de Natal. Durante este dia entram até visitas que ninguém convidou, como intérpretes de músicas natalícias, que são, contudo, sempre bem recebidos. Em troca desses momentos de alegria, os donos das casas geralmente oferecem dinheiro ou bolos caseiros. Mesmo o czar Pedro, o Grande, na épica imperial russa, andava pelas casas dos boiardos (nobres russos) e mercadores, acompanhado de cantores, glorificando Jesus. Assim se estendem os doze dias de festejos natalícios, chamados de sviatki – ou Dias Santos – que se prolongam até à próxima festividade cristã ortodoxa, a do Baptismo de Cristo, que cai a 19 de Janeiro.
Os russos têm também, associadas ao carácter religioso e litúrgico do Natal, algumas superstições curiosas, próprias das tradições da quadra. Por exemplo, dizem que se houver geada no Natal, haverá boa colheita de cereais. Se nevar na véspera, a folhagem das árvores será precoce. Ou então Natal sem frio, anuncia Primavera gelada. Uma queda de neve perto do Natal faz crescer os enxames, dizem outros. Ou então se for céu estrelado no Natal, haverá ervilhas na horta. Como também havendo neve para os trenós, colheita abundante de trigo-sarraceno. Se os dias santos forem nublados (do Natal ao Baptismo de Cristo, ou seja, de 7 a 19 de Janeiro), boas vacas leiteiras; se os dias forem claros, boas galinhas poedeiras.
Durante séculos, nos quarenta dias de jejum antes do Natal, os casamentos estavam proibidos; logo após o Natal, começava então “o período das bodas”. Assim é o Natal entre os ortodoxos russos, que se estende à sociedade civil e mais laicizada. Mas sempre Natal!
Feliz Natal!