A União Europeia (UE) é uma grande família, com 27 membros, e por isso sofre todos os problemas normais das famílias (não há muito tempo, infelizmente, a Grã-Bretanha divorciou-se deste grande espaço social e económico…). Por outro lado, qualquer que seja a forma que a consideremos, é incontornável que a Europa é uma família cristã, como prova a sua história, herança e identidade, mesmo se muitos o tentam negar, o que também é tristemente frequente nas famílias cristãs. Assim, não existe melhor local para falar sobre a Europa do que esta publicação (revista Família Cristã), onde não poucas vezes se ressalta a natureza profunda da União.
Perante esta terrível crise do Covid-19, aquilo que devemos começar por afirmar é a maravilha de participarmos na União Europeia. Quando sofremos dificuldades, imediatamente nos viramos para a UE, e isso, por muito mal que depois funcione, é um sinal da sua realidade e importância, que nos deve alegrar. A pobre Grã-Bretanha, recentemente divorciada, está no mesmo sofrimento, mas sozinha, sem apoio, sem coordenação, sem diálogo. Como nas nossas casas, perante uma crise devemos sempre celebrar, antes de mais, a própria existência da família, de que todos dependemos essencialmente. Afirmar a unidade original é indispensável, antes das tricas do dia-a-dia que nos dividem.
Desta vez a família europeia está a enfrentar um inimigo comum, invisível, implacável, mortal. Isso é um factor de unidade que faltou em crises recentes que nos separaram. Mais uma vez, a União não faltou às suas responsabilidades, empenhando-se cedo e fortemente na ajuda aos Estados-membros. O Banco Central Europeu esteve, de novo, na linha da frente, injectando euros na economia para manter o acesso ao crédito, instrumento essencial no combate às consequências da pandemia. A Comissão Europeia e as outras instituições comunitárias, pelo seu lado, criaram várias linhas de coordenação, orientação e apoio, desde a saúde pública e investigação ao emprego e mobilidade, com destaque para os 3,4 mil milhões de euros em financiamento.
Como é costume nas nossas famílias, toda a atenção mediática está centrada nas diferenças de opinião, zangas e ameaças, que são normais no quotidiano de uma família cristã, em especial em momentos de ansiedade, perigo e sofrimento. As linhas de clivagem são, tal como nas nossas famílias, sempre as mesmas, que se manifestam de formas diferentes de cada vez, mas com traços comuns. Os irmãos fortes e ricos julgam-se sempre enganados e explorados pelos menos abonados, os quais desconfiam habitualmente dos motivos e da boa vontade dos primeiros.
Tudo isto é normal, compreensível e não nos deve escandalizar. Cada um tem as suas razões, sensatas e válidas. Além disso, somos todos, e sempre seremos, fracos e interesseiros. É verdade que estas discussões são más e arriscadas, podendo um dia deitar tudo a perder. Mas a história dos últimos setenta anos mostra aquilo que também é visível na grande maioria das famílias cristãs: por muito que divirjamos e discutamos, existe algo mais profundo que nos une. Todos sabemos, afinal, aquilo que a Grã-Bretanha está agora a descobrir: apesar dos grandes custos de viver em família, a solidão é sempre muito pior. Por isso, nesta crise como nas inúmeras anteriores, havemos de encontrar uma forma de continuar a viver juntos e beneficiar. Até porque, se um dia a zanga chegar à separação, o que obviamente é sempre possível, acontecerá algo que não se verifica nas famílias: se deixarmos de ser irmãos, estamos condenados a ser vizinhos.
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Economista e professor na Universidade Católica Portuguesa
In Família Cristã