Orações, penitências e ofertas pelos que já partiram
A Igreja universal dedica o mês de Novembro às Almas Santas do Purgatório; aos seus filhos fiéis que partiram desta vida, mas que ainda não alcançaram as alegrias do Céu. O Purgatório não é um estado definitivo, pois desaparecerá até ao dia do Juízo-final, ao contrário do Inferno e do Céu, que são eternos. Para que todas as almas que se purificam no Purgatório possam ser beneficiadas, a Igreja apela às orações dos fiéis em união com a Igreja Celeste, pela graça comum e partilhada.
Desde sempre a Igreja apelou à oração por aqueles que partiram para a eternidade. Numa meditação litúrgica das Irmãs de São Domingos, estas recordam que já no Antigo Testamento orações e esmolas eram oferecidas pelas almas dos defuntos, por aqueles que pensavam “bem e religiosamente a respeito da ressurreição”.
Sobre a purificação final ou Purgatório, o Catecismo da Igreja Católica (CIC) diz-nos que os que morrem na graça e na amizade com Deus, mas não de todo purificados, embora seguros da sua salvação eterna, sofrem depois da morte uma purificação, a fim de obterem a santidade necessária para entrar na alegria do céu (CIC nº 1030).
O CIC sublinha que a Igreja chama Purgatório a esta purificação final dos eleitos, que é absolutamente distinta do castigo dos condenados. O mesmo documento adianta que “a Igreja formulou a doutrina da fé relativamente ao Purgatório sobretudo nos concílios de Florença e de Trento. A Tradição da Igreja, referindo-se a certos textos das Escrituras – por exemplo, 1 Coríntios 3:15; 1 Pedro 1:7 – fala de um fogo purificador: Pelo que diz respeito a certas faltas leves, deve crer-se que existe, antes do julgamento, um fogo purificador, conforme afirma Aquele que é a verdade, quando diz que, se alguém proferir uma blasfémia contra o Espírito Santo, isso não lhe será perdoado nem neste século nem no século futuro [Mateus 12:32]. Desta afirmação podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas neste mundo e outras no mundo que há-de vir [São Gregório Magno]” (CIC nº 1031).
Esta doutrina apoia-se também na prática da oração pelos defuntos, lembra o CIC, remetendo às Sagradas Escrituras: “‘Por isso, [Judas Macabeu] pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres das suas faltas’ [2 Macabeus 12:46]. Desde os primeiros tempos, a Igreja honrou a memória dos defuntos, oferecendo sufrágios em seu favor, particularmente o Sacrifício eucarístico para que, purificados, possam chegar à visão beatífica de Deus. A Igreja recomenda também a esmola, as indulgências e as obras de penitência a favor dos defuntos: «Socorramo-los e façamos comemoração deles. Se os filhos de Job foram purificados pelo sacrifício do seu pai» (Job 1:5) (…) ‘Não hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer por eles as nossas orações’ [São João Crisóstomo]” (CIC nº 1032).
VISÕES DO PURGATÓRIO
O Papa Bento XVI, numa audiência geral na Sala Paulo VI, a 12 de Janeiro de 2011, falou aos fiéis sobre Santa Catarina de Génova, conhecida sobretudo pela sua visão do Purgatório. Bento XVI referiu que o texto que descreve a sua vida e o seu pensamento foi publicado nessa cidade da Ligúria, em 1551; ele é dividido em três partes: a Vida propriamente dita, a Demonstração e declaração do Purgatório – mais conhecida como Tratado – e o Diálogo entre a alma e o corpo (Livro da Vida admirável e da doutrina santa, da beata Catarina de Génova, que contém uma útil e católica demonstração e declaração do Purgatório, Génova, 1551). O redactor final foi o confessor de Catarina, o sacerdote Cattaneo Marabotto.
O pensamento de Catarina sobre o Purgatório, pelo qual ela é particularmente conhecida – destacou o Papa – está condensado nas últimas duas partes do livro citado: o Tratado sobre o Purgatório e o Diálogo entre a alma e o corpo. Bento XVI realçou: «É importante observar que, na sua experiência mística, Catarina jamais tem revelações específicas sobre o Purgatório ou sobre as almas que ali estão a purificar-se. Todavia, nos escritos inspirados pela nossa santa, é um elemento central, e o modo de o descrever tem características originais em relação à sua época. O primeiro traço original diz respeito ao “lugar” da purificação das almas. No seu tempo, ele era representado principalmente com o recurso a imagens ligadas ao espaço: pensava-se num certo espaço, onde se encontraria o Purgatório. Em Catarina, ao contrário, o Purgatório não é apresentado como um elemento da paisagem das vísceras da terra: é um fogo não exterior, mas interior. Este é o Purgatório, um fogo interior».
O Pontífice acrescentou que a santa fala de um caminho de purificação da alma, rumo à plena comunhão com Deus, a partir da própria experiência de profunda dor pelos pecados cometidos, em relação ao amor infinito de Deus. Bento XVI fez uma analogia tocando a conversão da santa: «Ouvimos sobre o momento da conversão, quando Catarina sente repentinamente a bondade de Deus, a distância infinita da própria vida desta bondade e um fogo ardente no interior de si mesma. E este é o fogo que purifica, é o fogo interior do purgatório. Também aqui há um traço original em relação ao pensamento do tempo».
O Pontífice sublinhou que Catarina afirma que Deus é tão puro e santo que a alma com as manchas do pecado não pode encontrar-se na presença da majestade divina.
A uma santa mais contemporânea, Faustina Kowalska, uma das maiores místicas do Século XX, foi-lhe dada uma visão do Purgatório durante uma das suas experiências místicas. No seu conhecido diário publicado em várias línguas, “Diário – A Misericórdia Divina na Minha Alma”, deixou escrito: “Vi o anjo da Guarda que mandou-me acompanhá-lo. Imediatamente encontrei-me num lugar enevoado, cheio de fogo e, dentro deste, uma multidão de almas sofredoras. Estas almas rezam com muito fervor, mas sem resultado para si mesmas. Apenas nós podemos ajudá-las. As chamas que as queimavam, não me tocavam. O meu anjo da guarda não se afastava de mim nem por um momento. E perguntei a estas almas qual era o seu maior sofrimento. Responderam-me, unânimes, que o maior sofrimento delas era a saudade de Deus. Vi a Mãe de Deus que visitava as almas no Purgatório. As almas chamam a Maria ‘Estrela do Mar’. Ela traz-lhes alívio. Queria conversar mais com elas, mas o meu anjo da Guarda fez-me sinal para sair. Saímos pela porta dessa prisão de sofrimento. [Ouvi uma voz interior] que me dizia: A Minha misericórdia não deseja isto, mas a justiça o exige. A partir daquele momento encontro-me mais unida às almas sofredoras” (Diário, 20).
Que os fiéis sintam compaixão pelos que já partiram, elevem a Deus as suas orações e oferendas, como Missas e penitências, pelas almas sofredoras no Purgatório – «Das profundezas eu clamo para ti, Javé: Senhor, ouve o meu grito!» (Salmo 130:1-2).
Miguel Augusto
LEGENDA:
Altar do Sagrado Coração de Jesus. Igreja de São Lourenço (Macau).
FOTO:
Miguel Augusto