A Penitência
É um dos sete sacramentos da Igreja Católica, o da Penitência e Reconciliação, bem como um dos mistérios sagrados nas Igrejas Orientais. Por ele, o fiel obtém não apenas a misericórdia pelos seus pecados cometidos contra Deus ou contra o seu semelhante, ou próximo, mas também a reconciliação com a comunidade da Igreja. Por este sacramento, os cristãos são absolvidos dos pecados cometidos após o Baptismo. «Portanto, confessem os seus pecados uns aos outros e orem uns pelos outros para serem curados. A oração de um justo é poderosa e eficaz (Tiago 5,16)», pedia Jesus aos que o seguiam. Pois «se perdoarem os pecados de alguém, estarão perdoados; se não os perdoarem, não estarão perdoados (João 20:23)», completava.
A base bíblica da Penitência, ou Reconciliação, ou até Confissão, assenta em Mateus 1,21, onde se vê Jesus como «aquele que salvará seu povo de seus pecados». Foi Ele mesmo quem perdoou o paralítico e a pecadora, por exemplo. E comunicou esse poder de perdoar aos Apóstolos. É como que um legado à Igreja, o poder de perdoar para regeneração dos homens. Uma outorga magnífica, uma concessão incomensurável, a do perdão que Cristo instituiu, e que através dos seus ministros a Igreja continua a perdoar.
Porquê penitência? Porque esta é a última parte do caminho de conversão que, segundo a Teologia do Sacramento, o penitente realiza para receber o perdão dos seus pecados. Cristo instituiu o Sacramento da Penitência oferecendo-nos uma nova possibilidade de nos convertermos e de recuperarmos, depois do Baptismo, a graça da justificação. Como o Mal não deixa nunca de rodear o homem, Cristo ensinou o homem a lutar contra o mesmo, sublimando a sua necessidade de conversão, como que num apelo de Deus. «Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido», recorda o Pai-Nosso.
Na Igreja primitiva, a penitência era como que uma tábua de salvação para o pecador baptizado. Todavia, os abusos eram muitos, a penitência era muitas vezes uma forma de limpar faltas e falhas, dada a facilidade de acesso ao sacramento, muitas vezes atribuído de forma ilimitada. Como fazia São João Crisóstomo, que era acusado pelos seus adversários de facilmente atribuir penitências e perdoar pecados a todos os arrependidos. A conversão é uma obra da graça de Deus, nascendo no interior dos homens. Destes imana para o exterior, através de obras, vertidas na Eucaristia e na Penitência, caminhos para a vitória do crente sobre o pecado. E muitas vezes o arrependimento era fácil e a outorga de perdão automática, sem conversão nem sacrifício. A penitência é o rigor, o desejo activo do homem pôr em prática a conversão.
No século III, o rigor deu lugar a excessos, a heresias. Como a de Montano, escatológica e apocalíptica, o Montanismo. O fim do mundo estava próximo, dizia Montano, rematando, de forma egoísta, «a Igreja pode perdoar os pecados, mas eu não o farei para que outros não pequem mais». Tertuliano foi um dos muitos que aderiram a esta heresia. A Igreja superou uma vez mais esta prova, desenvolvendo a disciplina sacramental da penitência, o estatuto do penitente e a forma pública e solene em que se devia praticar aquela.
Surgiram os grupos ou “ordens de penitentes”, depois que a Igreja impôs a Penitência. As primeiras formas de penitência, ou prática do desejo de conversão, foram o jejum, a esmola e a oração. As “ordem dos penitentes”, por outro lado, mantinham um longo tempo de renúncia ao mundo, do mesmo modo que os monges mais austeros. Certos grupos de penitentes usavam um hábito especial ou até a cabeça rapada. As medidas de penitência era cada vez mais fixadas pelos bispos, “a cada pecado devendo corresponder uma penitência adequada, plena e justa”. As obrigações penitenciais eram até definidas superiormente, em concílios provinciais. Eram de tipo geral, litúrgicas e estritamente penitenciais, como a vida mortificada, jejuns, esmolas e outras formas de virtude exterior.
Muitos levavam uma vida de penitência até à morte. A penitência era desse modo um exercício de preparação para os últimos fins de cada um. Além disso, o processo penitencial equivalia a um autêntico estado de excomunhão, pois só com a reconciliação do penitente é que o mesmo se podia aproximar da Eucaristia. O fim do processo penitencial era assim a reconciliação com a Igreja, sinal da reconciliação com Deus. Jesus, durante a sua vida pública, exortou os homens à penitência. Acolheu também os pecadores, reconciliando-os com o Pai. Cristo criou uma Igreja como instrumento do perdão e da reconciliação.
A absolvição foi legada ao ministério apostólico, aos sacerdotes. Como exemplo, a partir do século V a reconciliação começa a ter lugar na Quinta-feira Santa, no fim da Quaresma ela já em si um exercício penitencial. Depois surgiram os manuais penitenciais, que estabeleciam a penitência segundo o pecado cometido. Foram muito importantes para evitar o “perdão fácil” e o relaxamento do compromisso cristão. Ao mesmo tempo preveniam contra heresias. Definiam ainda o que é o pecado grave, fruto da maldade, e o que é um pecado leve, cometido por debilidade ou imprudência. Por outro lado, a reconciliação era cada vez mais conferida mais que uma vez na vida. Assim se implantou a penitência na Idade Média, tempo de penitências. O Concílio de Trento (1545-63) reforçou a fé da Igreja: surge a confissão. Diante dos sacerdotes, torna-se necessária para os que caíram (gravemente) depois do Baptismo, sendo o preâmbulo da penitência. Confissão, Penitência, Absolvição: o sacerdote preside ao sacramento e é o mediador da regeneração e da obra de graça de Deus sobre o pecador.
A penitência passou, assim, de canónica (sécs. II a VI) a regulada (sécs. VII a XII), depois do séc. XIII passa a penitência de confissão, sublinhada esta forma em Trento, até ao séc. XX. Actualmente, a penitência é de reconciliação, interior mas também exterior, de caridade e proximidade, de justiça. E sempre de conversão, na cruz de cada dia.
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa