Os Amish – II
Os Amish surgiram no final do século XVII, quando um grupo de Menonitas suíços, liderados por Jakob Amman (1656-1730), optou por sair do tronco menonita original em discordância relativamente a algumas das suas doutrinas. Como Anabaptistas que são, os Amish mantêm a tradição do Baptismo convicto e verdadeiro na idade adulta. Mas os Amish, como vimos, radicalizam a sua forma de vida, cortando quaisquer intentos de contacto com os “não puros”, todos os que não fazem parte da sua comunidade religiosa. Tais aspectos estão presentes na Comunidade Amish norte-americana até hoje.
Para Amman, os seus seguidores deveriam “obedecer aos ensinamentos de Cristo e dos Seus apóstolos” e “abandonar o mundo”, nas suas vidas diárias. Para muitos, o termo “Amish” pode também derivar de Amman, dos seus discípulos. A cisão de Amman e dos seus discípulos com os menonitas valeu-lhe o afastamento do grupo, ou seja, o isolamento. Se à partida uma comunidade isolada significa algo socialmente negativo, pois para os amish não se revelava um problema. Aliás, era uma força, um desejo, o que pretendiam, além de assim manterem o seu ideal de pureza e distanciamento em relação a quem não era amish. Por essa razão, foram perseguidos tanto por católicos como por protestantes na Europa, por motivos políticos e religiosos, que se transformaram em questões sociais. Como o tronco menonita de onde derivam, sentiram a urgência de migrarem, de procurarem lugares desabitados e longe do bulício do mundo, onde pudessem viver em tranquilidade e isolamento.
Desta forma, decidiram migrar directamente para o Novo Mundo, não para outras regiões da Europa, como fizeram os outros grupos anabaptistas. O destino foi a América do Norte, na primeira metade do século XVIII. Receberam a oferta de William Penn, fundador da colónia inglesa da Pensilvânia, uma das “Treze Colónias” que estariam na origem dos futuros Estados Unidos da América, em 1776. Ali poderiam exercer a sua liberdade religiosa, viver a sua “reforma radical”, a sua ordem e disciplina (ordnung), em comunidade auto-suficiente e em tranquilidade.
NO NOVO MUNDO
A emigração para o Novo Mundo começou por volta de 1727 e continuou intensa até 1756, estendendo-se até 1770. Recorde-se que os menonitas já tinham feito o mesmo trajecto, instalando-se em algumas das colónias da “Nova Inglaterra” (Nordeste dos actuais Estados Unidos). Os amish assentaram comunidades primeiro na Pensilvânia também, não longe da sua maior cidade, Filadélfia, irradiando depois para a Virgínia e o Ohio, e daqui para Indiana, atingindo no século seguinte o Kansas e também o Canadá. Os que ficaram na Europa, muito poucos, acabaram por se fundir com os demais grupos menonitas. As primeiras colónias amish viviam, como hoje, em quintas isoladas, praticando a agricultura e o pequeno comércio entre eles. A ideia era criar uma sociedade “pura”, porque isolada dos não amish (ou “ingleses”), longe de qualquer perigo e contaminação religiosa ou de costumes que a sociedade exterior poderia oferecer para o pensamento e o modo de vida que pretendiam praticar e manter de forma intacta. Assim foi, assim é. Esses traços originais, trazidos da Europa, permanecem fortes e quase intactos até hoje entre os amish.
Os amish não foram os primeiros grupos religiosos, dissidentes ou radicais, principalmente do ramo protestante, a efectuarem uma migração em massa para a América do Norte, por motivos de perseguição política e religiosa. Recordemos que no século XVII vários grupos de cidadãos ingleses procuraram na América um local tranquilo, longe das agitações políticas e religiosas que se abatiam na Inglaterra. A Igreja de Inglaterra, anglicana, não deixava espaço nem culto possível para dissidências mesmo entre os protestantes, calvinistas ou luteranos, quanto mais em relação a católicos. Entre estes últimos, não foram poucos os ingleses “papistas” que tentaram a emigração para as colónias americanas, mas mesmo aí viveriam cercados de anglicanos pouco tolerantes e radicalmente lealistas. Mas as maiores vagas de grupos religiosos eram puritanos, de origem calvinista, como já vimos. Foram povoadores das colónias do centro e norte do território, em comunidades auto-suficientes que se desenvolveram autonomamente durante algumas gerações. As colónias do Sul (da Virgínia à Geórgia), eram mais colónias de exploração, escravocratas, orientadas para uma agricultura típica do sistema colonial, de monocultura e de exportação.
Os amish, quando chegaram à Pensilvânia, encontraram já colónias estabelecidas e consolidadas, com sensibilidades religiosas próprias e grande parte dos loteamentos de terras já atribuídos. Mas o que não faltava eram terras, braços sim havia poucos para uma terra em expansão e com horizontes intermináveis.
Uma grande parte das comunidades amish estabelecidas na América do Norte, depois da vaga migratória setecentista, acabaria por se afastar da sua identidade original. Muitos assimilaram-se, novamente, aos menonitas. Mas no século XIX viriam tempos de divisão entre os grupos que se mantiveram como amish. Com a divisão, advinha a perda de identidade. Mas jamais a extinção. Com efeito, na década de 60 do século XIX, a divisão impôs-se. Entre 1862 e 1878 ocorreram várias conferências entre os líderes amish (as dienerversammlungen, na língua alemânica falada pelos seguidores de Amman), em diversas comunidades e para discutir a reacção do grupo às pressões da sociedade da época, num país que crescia de forma meteórica e se expandia territorialmente de forma rápida. Cada comunidade amish estava cada vez mais rodeada de “ingleses” e pressionada pela proximidade crescente de cidades em crescimento, que antigamente não existiam.
Em 1865 não se chegava a entendimento algum, muito menos a um compromisso, principalmente em relação aos tradicionalistas. Estes não abriam mão dos velhos preceitos e costumes da sua ordnung, não havia qualquer cedência da sua parte à modernidade, considerando até as reuniões como algo moderno e contra o espírito amish, retirando-se dessas assembleias. Surgiram assim duas tendências: os “Amish da Antiga Ordem” e os progressistas, cerca de dois terços dos amish. Receberam, estes, a designação de “Amish Menonitas”. A modernização destes, ou adaptação mais aberta ao mundo exterior, levou-os a fundirem-se gradualmente aos menonitas (ou a outras denominações deste grupo) e alguns também com a própria sociedade laica. Apenas um terço dos amish perdurou, até hoje dentro da tradição, fieis à tradição da sua fundação e migração para o Novo Mundo. Assim é até hoje!
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa