Os Mórmons – V
Uma Igreja cristã que levanta tantas questões e suscita tantas dúvidas, pela sua presença na actualidade e pelo impacto e visibilidade do seu património, acerca da sua espiritualidade e do seu carisma, é importante pois conhecer os seus alvores e de uma forma mais detalhada. Todavia, não passaremos ao pormenor toda a sua história, apesar de ser fecunda em eventos marcantes e de grande impacto mediático e religioso.
Os ânimos estavam exaltados naquele dia nacional dos Estados Unidos de 1838, a 4 de Julho, depois do discurso patriótico de Rigdon, apelando à defesa dos Mórmons contra as ameaças de “guerra de extermínio” por parte de vizinhos hostis. Mais tarde, durante umas eleições estaduais, a 6 de Agosto, não-mórmons tentam impedir membros da IJCSUD de votar, gerando-se uma confusão sangrenta. Na sequência da violência, o sexto governador do Missouri, Lilburn Boggs (1836-1840), ordenaria que todos os mórmons fossem expulsos do Estado ou… exterminados! É uma das mais dramáticas páginas na história mórmon, esta Ordem Executiva 44 do Missouri do governador Boggs, um documento conhecido na história dos Mórmons como a “Ordem de Extermínio”. A sua redacção é entendida como uma resposta estadual à escalada de ameaças e violência em torno da IJCSUD, no que veio a ficar conhecido como a “Guerra Mórmon de Missouri de 1838”. A ordem executiva foi emitida em 27 de Outubro daquele ano e exigia que os Mórmons fossem expulsos do Estado, pelo facto de que o governador encarava aquela Igreja como um “(…) desafio aberto e declarado às leis, e de ter feito guerra ao povo deste Estado (…)”, pelo que por isso “(…) os Mórmons devem ser tratados como inimigos e devem ser exterminados ou expulsos do Estado, se necessário para a paz pública [por terem cometido] ultrajes estão além de qualquer descrição”. Assim foi lavrado no documento, um teor dramático que foi recebido com pavor pelos Mórmons.
A ordem só seria revogada, note-se, em 25 de Junho de 1976, nos duzentos anos dos Estados Unidos! Só após quase 138 anos, o governador do Missouri em 1976, Christopher Bond, declarou que a ordem original violava os direitos legais estabelecidos pela Constituição dos Estados Unidos. Além da revogação, o governador Bond pediu desculpas aos Mórmons em nome do Estado.
CONTEXTO DIFÍCIL
O ano de 1838 continuaria agitado para a IJCSUD. A 30 de Outubro, no vigor das consequências do decreto de Boggs, uma multidão anti-mórmon massacrou membros da igreja em Haun’s Mill, matando dezassete pessoas, incluindo crianças. Todos estavam desarmados. Neste clima, a oposição aos Mórmons aumentava a cada dia. Smith, entretanto, seria preso, acusado de traição e condenado à morte; a sua vida só seria poupada porque o oficial encarregado de realizar a execução se recusou a fazê-lo. Em vez do suplício, Smith passaria os cinco meses seguintes na prisão. Para os Mórmons, estes tempos difíceis são visto como uma espécie de provação, de acontecimentos maravilhosos nos quais entreveem o beneplácito divino.
No ano seguinte, em 1839, liderados por Brigham Young, os Mórmons do Missouri alcançam segurança noutro Estado vizinho, no Illinois, onde seriam recebidos por uma população mais solidária e tolerante. Por outro lado, em Abril, Smith conseguiu escapar da prisão, durante uma transferência de cárcere. Rumou a Illinois, onde comprou um terreno para um novo assentamento mórmon, chamado Nauvoo, nas margens do rio Mississippi, a cerca de 320 quilómetros de Saint Louis.
Como a instabilidade permanecia, tal como a vigência do decreto de Boggs, como vimos, a 29 de Novembro de 1839 Smith fora a Washington para se encontrar com o Presidente Martin Van Buren (1837-41, oitavo Presidente dos Estados Unidos, Democrata). Smith fora exigir uma compensação pelas perdas mórmons no Missouri, mas nada conseguiu, pois van Buren, que expressou simpatia pelo sucedido, dissera que “não podia fazer nada”.
Entretanto em Nauvoo, os Mórmons, em Dezembro de 1840, recebiam autorização de constituir o povoado, com poderes de governar e de constituir uma milícia local. Mas o primeiro “mayor” acabaria por ser excomungado por Smith, que ocupou as funções, acrescidas de poder militar. A cidade cresceu de forma exuberante, em quatro anos era rival de Chicago em tamanho, graças à imigração de mórmons convertidos da Europa.
Boggs, lembram-se? Dois anos depois de finalizar o seu mandato de governador, em 1842, sofreu uma tentativa de assassinato. Boggs residia em Independence, uma localidade importante na história mórmon; mas nunca se provou que tivesse sido um mórmon a intentar contra a sua vida, embora a desconfiança existisse.
As revelações sucediam-se, por outro lado: em 1843, Smith anuncia duas, sobre novas práticas na IJCSUD: uma, os mortos podem ser baptizados; outra, uma prática que se tornaria um dos sinónimos de Mórmon e também um dos seus “calcanhares de Aquiles”, a poligamia! A revelação determinou que não é apenas permissível, mas em certos casos até devia ser exigido. Todavia, esta prática causou grande divisão entre os Mórmons, com Brigham Young a declarar que preferia morrer, bem como a mulher de Joseph Smith, Emma, que se opôs. Apesar da revelação expressar, curiosamente, que Emma Smith deveria aceitar tal prática. A doutrina não seria anunciada publicamente durante quase uma década, mas os rumores espalharam-se rapidamente, o que aumentaria ainda mais o sentimento anti-mórmon. Apesar das resistências, de Emma em particular, recorde-se que Joseph Smith acabará por ter mais de 25 esposas e Young, tão contrário que fora, viria depois a abraçar a doutrina, com grande fervor: teve vinte esposas e 57 filhos. Mas refira-se que a maioria destas esposas entraram na vida de Smith a partir de 1842; antes, já vivia em poligamia com algumas, mas clandestinamente.
Os Mórmons e a política nacional, não, não é uma utopia. Em 1844, Smith declarou que concorreria à Presidência dos Estados Unidos, quando num sermão anunciou que aqueles que obedecem aos mandamentos de Deus podem tornar-se deuses. Ao mesmo tempo, ordenou a destruição de um jornal da oposição, o Nauvoo Expositor, suscitando clamores e reacções, com acusações criminais que o impelirão a fugir, até se entregar. Na prisão, contudo, com o seu irmão Hyrum, conheceria a morte, quando foram baleados e mortos por assalto popular à prisão. Receberam muitos tiros de uma multidão em fúria, com Joseph a cair da janela e ainda a receber mais tiros. Mas nunca ninguém viria a ser condenado pelo crime. Nascia um mártir mórmon, mas gerava-se também o problema da sucessão de Smith….
Vítor Teixeira
Universidade Católica Portuguesa